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WWF quer rever impacto do álcool no ambiente

OESP, Economia, p. B13
01 de Abr de 2007

WWF quer rever impacto do álcool no ambiente
ONG afirma que expansão pode trazer concentração fundiária e ameaça biomas, como o Pantanal

Agnaldo Brito

A organização não-governamental WWF decidiu revisar os estudos sobre os impactos ambientais provocados pela brutal expansão da cana-de-açúcar prevista para os próximos anos no Brasil. Na Região Centro-Sul, a previsão do mercado é que surjam nos próximos seis anos cerca de uma usina de açúcar e álcool por mês. O investimento que deverá ser aportado no setor é gigantesco: US$ 14,6 bilhões. A questão ambiental tende a ganhar relevância para o etanol. A União Européia vai criar uma certificação para atestar a sustentabilidade do álcool, sem o qual não poderá ingressar no mercado europeu.

Segundo Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, superintendente de conservação do WWF, os estudos que a entidade está organizando pretendem dar uma nova leitura crítica para o avanço da cultura canavieira. A ONG está muito preocupada com o modelo de crescimento da atividade sucroalcooleira. O plantio de cana-de-açúcar tem mudado, afirma Scaramuzza, a paisagem do interior do Brasil.

A chegada da cana tem reduzido a diversidade de culturas antes vistas no campo. Esse processo tem levado à concentração de terra para a monocultura da cana. 'Isso tem provocado uma fuga de pessoas para as áreas urbanas', diz Scaramuzza.

Estudo feito pela Embrapa Monitoramente por Satélite a partir de imagens espaciais do interior de São Paulo mostra que na macrorregião de Ribeirão Preto, a meca do setor sucroalcooleiro, a cobertura de cana mais do que duplicou entre os anos de 1988 e 2003. Era de 10,8 mil quilômetros quadrados para 22,8 mil quilômetros quadrados.

'Além da questão trabalhista que é séria, há muita preocupação do WWF em relação a instalação de várias unidades de produção de etanol sem o devido cuidado. A dúvida é se estes projetos são sustentáveis num cenário de preços baixos do etanol. O que vai acontecer com estes projetos a partir de uma situação desfavorável do negócio?', questiona.

Os defensores da cultura afirmam que a área de cana pode dobrar sem que haja necessidade de invadir biomas ainda intactos, como o Pantanal e a Amazônia. Em área amazônica o problema não é o plantio, a cana não se adapta a climas muito úmidos, mas o efeito pode vir indiretamente. 'A cana pode entrar em áreas de pastagens ou de soja, que podem migrar para áreas amazônicas. Esse é um risco', afirma Scaramuzza.

Para Frederico Ozanan, chefe da Embrapa Agroenergia, há no Brasil cerca de 60 milhões de hectares de pastagens degradadas que servem bem como área para o avanço da cana, cujo espaço hoje se resume a 6,3 milhões de hectares. Mas ao mesmo tempo, Ozanan afirma que a corrida para a produção de etanol precisa observar questões como o balanço ambiental, e não apenas o econômico. 'Temos visto, sim, iniciativas que avançam sobre áreas que não são as melhores. Sem tomar os devidos cuidados com essa questão, não adianta ter eficiência econômica e energética', afirma. A Em brapa Agroenergia, criada recentemente, pretende coordenar um esforço nacional de pesquisa para o setor canavieiro.

O governador José Serra disse na sexta-feira que pretende rever a legislação que determina prazos para o fim das queimadas de canaviais. A proposta ainda está em estudo, mas, de acordo com ele, a idéia é tornar esse prazo menos elástico. Serra prometeu uma proposta 'exeqüível' para o setor, mas 'muito rigorosa'.

O prazo para o fim das queimadas é considerado excessivamente longo por ambientalistas e estudiosos. Com a atual legislação, o fim definitivo das queimadas nos canaviais de São Paulo acontecerá apenas em 2031. Nesta safra, a maior da história, 30% da área será colhida com máquina. 'O setor tem cumprido a regra, mas tem todas as condições de acelerar a colheita mecânica ainda mais', argumenta Evaristo de Miranda, diretor da Embrapa Monitoramento por Satélite. O problema da medida é que ao mecanizar a colheita, o setor deixará de gerar muitos empregos. 'É preciso que isso também seja considerado. Sem o corte manual da cana, muitas pessoas que dependem da cana ficarão sem trabalho', pondera.

Lavoura de cana atropela o gado e invade cidade

José Maria Tomazela

Do fundo de sua casa, na Vila Roca, periferia de Guariba, o menino William Sabino da Rocha, de 10 anos, observa o vaivém das máquinas na área onde costumava soltar pipa. Em algumas semanas, tudo ali será um só canavial. 'O barulho não pára nem de noite', reclama. O avanço da cana não respeita os limites urbanos. O verde rodeia bairros, se infiltra entre as ruas, toma o lugar de pomares e quintais. 'É preocupante, pois deveria diversificar, mas se tornou monocultura', diz Silva, do sindicato dos empregados rurais.

Não é um fenômeno só de Guariba. A cana ocupa quase todas as terras ao longo das rodovias como a Bandeirantes e a Washington Luís. Onde o gado resiste, está acuado pelos canaviais. Na SP-255, de Araraquara a São Manoel, são mais de 100 quilômetros do verde pálido da cana. De antigas fazendas de café, como a Santa Rita de Cássia, em Bocaina, restaram o casarão imponente e o terraço de secagem, vazio. O casario do distrito de Pedro Alexandrino parece mergulhado no canavial e só se vêem os telhados.

Nesse imenso mar de cana em que se transformou uma vasta região do interior de São Paulo, não sobra espaço para floresta, nem mesmo na beira de rios. Nas margens do Piracicaba, Corumbataí e Jacaré-Pepira, que corta regiões canavieiras, a mata ciliar está desaparecendo. A faixa estreita não retém a enxurrada que escapa das áreas plantadas e torna as águas avermelhadas. No interior das lavouras, o líquido que corre nos canais é o restilo das usinas, de cheiro nauseante, usado como adubo.

O fogo não é empregado apenas na colheita: serve também para queimar o excesso de palha no plantio, como flagrou a reportagem. Em Barra Bonita, trabalhadores de uma usina usavam maçaricos para espalhar as chamas na palhada seca. A coluna densa de fumaça antecipava o que deve ocorrer em plena safra, a partir de maio. Pelo menos 1,5 milhão de hectares, equivalentes a 40% dos canaviais, serão queimados para o corte manual da cana. Só da safra passada para esta, a área com cana em São Paulo cresceu 821,9 mil hectares, segundo levantamento do Instituto de Economia Agrícola (IEA). Para os próximos cinco anos, apenas na região noroeste, espera-se crescimento de 1,2 milhão e a instalação de 39 novas destilarias de álcool.

'Este contexto mostra-se como oportunidade de renda para uma parcela dos proprietários de terras, mas surgem descontentamentos da população, preocupada com impactos possíveis e que já vêm ocorrendo', afirma o pesquisador do IEA Thomaz Fonzaglia. A aproximação da cana de áreas limítrofes da ocupação urbana gera apreensão, segundo ele.

OESP, 1/04/2007, Economia, p. B13

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