VOLTAR

Vozes indígenas

Carta Capital - http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=3305
Autor: Phydia de Athayde
02 de Fev de 2009

Advogada e militante da causa dos 19.078 indígenas que habitam a área da Raposa Serra do Sol, Joênia Wapichana está em Belém para o Fórum Social Mundial. Além dos Wapichanas, os povos Ingarikó, Macuxi, Taurepang e Patamona também habitam a reserva. Todos integram o Conselho Indígena de Roraima (CIR), do qual ela faz parte, e que trouxe uma pequena delegação a Belém. Ao todo, há mais de 3 mil indígenas no FSM, de locais e culturas diferentes.

A efervescência característica do Fórum levou Joênia a aprender sobre culturas e temas tão distintos quanto os povos da África, as disputas em Israel, as mudanças climáticas pelo planeta e, até, os problemas do povo indiano (da Índia mesmo). "Não viemos aqui para falar de índio para índio apenas. Queremos colocar os povos indígenas no cenário mundial", diz. Na quarta-feira, os indígenas ligados ao CIR foram convidados a participar de uma dança indiana em uma das atividades do FSM. Joência ficou impressionada. "A dança era totalmente diferente das nossas, nós apenas acompanhamos. Mas eles têm os mesmos problemas que nós, aqui no Brasil: a questão da terra, a degradação do meio ambiente, a necessidade de serem ouvidos."

Em outra atividade, Joênia foi convidada a falar sobre a Declaração da ONU dos Direitos dos Povos Indígenas (de 2007) a uma platéia de brasileiros, quenianos, filipinos, canadenses, estadunidenses (em pleno FSM não funciona escrever "americanos") e peruanos. "Fiquei lisongeada e pude relatar a dificuldade que enfrentamos, no Brasil, para implantar os termos da declaração. Há muito pouco conhecimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Menos ainda, de seus direitos internacionais", disse.

O CIR está em Belém, também, para distribuir um manifesto no qual pedem que a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, confirmada pela maioria dos ministros do STF no ano passado após décadas de postergação, aconteça de maneira integral e sem as condicionantes impostas pelo ministro Carlos Menezes. "Algumas das 18 condicionantes ferem direitos adquiridos, como o direito à autonomia dos povos indígenas, à consulta prévia e o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas ", explica Joênia. Ela diz que o manifesto é, muitas vezes, recebido com surpresa. "As pessoas acham que já está tudo resolvido, mas não é assim. Ganharmos os oito votos no julgamento do STF (suspenso até fevereiro) foi uma vitória, mas ainda há muitos pontos a discutir. E a maioria deles atinge não só a Raposa Serra do Sol, mas outras terras indígenas no País", alerta.

Em seguida, diante de mais de 300 pessoas na tenda Irmã Dorothy, no campus da UFRA, Dionito Wapichana, do CIR, resume em sua fala as idéias compartilhadas por Joênia. "Sem a terra, nós indígenas não somos capazes de sobreviver. É até um desrespeito estar em julgamento no STF um direito que está na Constituição Brasileira. Falta coragem para simplesmente dizer: isso é terra indígena, invasores, saiam!", diz, em pé, usando um cocar de penas azuis embora esteja vestido como homem branco. Ele prossegue: "Não é porque uso relógio que deixarei de ser índio. Sem a minha cultura, sem o meu território, aí sim eu deixarei de ser índio". Antes de encerrar, ele faz um apelo para que a importância simbólica do FSM se transforme em realidade. "Este é um momento histórico. Espero estar falando com militantes de verdade, porque, de repente, tudo é bonito, tudo é maravilhoso, mas amanhã estão chamando os índíos de bandidos de novo".

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.