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'Volume morto' do Cantareira ameaça espécies de extinção

OESP, Metrópole, p. A20
06 de Abr de 2014

'Volume morto' do Cantareira ameaça espécies de extinção

Ricardo Brandt - O Estado de S.Paulo

CAMPINAS - A seca nos rios e reservatórios do Sistema Cantareira e a utilização de bombas de sucção para captar a água do fundo das represas (o chamado volume morto), para evitar o racionamento, vão desestruturar todo o ecossistema desses mananciais, com prejuízos ainda incalculáveis e permanentes para algumas espécies da fauna e da flora.
Peixes vão desaparecer, aves e outros animais migrarão. Esses e demais organismos vivos do bioma passarão por transformações biológicas e comportamentais, provocadas pela seca severa fora de época do verão de 2014. Problema que será potencializado com a captação do volume morto do Cantareira.
Num efeito em cascata, toda cadeia alimentar das vidas dos mananciais vai mudar. "A alteração que essa queda de volume de água nos rios e represas e a possibilidade de se mexer no volume morto do Cantareira podem provocar nesse meio ambiente é sem precedentes e só poderá ser avaliada no futuro", afirma a bióloga e professora da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) Silvia Regina Gobbo.
Os níveis dos reservatórios do Cantareira atingiram ontem 13% - pior índice desde que foram construídos. Nos rios da bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), que forma o sistema, a baixa vazão já provoca alterações.
Em fevereiro foi registrada a mortandade de cascudos no Rio Camanducaia, na altura de Amparo. A espécie é uma das mais resistentes e vive no fundo dos mananciais.
"O que aconteceu em Piracicaba também foi um exemplo do que pode ocorrer com a soma de poluentes, rios em baixo nível e calor", afirma Dejanira de Franceschini de Angelis, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Rio Claro.
Com menor quantidade de água, a temperatura aumenta, acelerando a queima de oxigênio. Sem oxigênio, os mais fracos são os primeiros a morrer. A especialista em toxicidade da Unesp afirma que a situação é de aumento de poluentes com reflexos imediatos.
Laudo da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), obtido pelo Estado, aponta que foi essa combinação de baixa vazão do rio - que de uma média de 240 mil litros por segundo caiu para 14 mil l/s - com o revolvimento do fundo do curso d'água, causado por uma pancada de chuva de dois dias, que provocou a mortandade de 20 toneladas de peixes. Entre as espécies, estão dourado, corimba e piapara.
Nos últimos 5 anos, aumentou de 23 para 49 o registro de mortandade de peixes ao ano nos rios da bacia do PCJ, segundo a Cetesb. "Antes tinha peixes grandes. Hoje não se pega mais nada, só lambari", afirma Rubens Godoy, de 82 anos, conhecido como "guardião" do Rio Atibaia. Por isso, especialistas ouvidos pelo Estado afirmam que drenar a água do volume morto vai mexer o fundo da represa, concentrado de poluentes, e alterará o ecossistema.
"Toda vez que há uma mudança no ambiente, as espécies são obrigadas a se adaptar para sobreviver. Algumas somem", afirmou a professora da Faculdade de Biologia da PUC-Campinas Luiza Ishikawa Ferreira.
Efeito cascata. "Tudo isso está ocorrendo na pior época, que é a da piracema", afirma o especialista em ambiente do Consórcio do PCJ, Guilherme Valarine. "Houve também uma alteração nas espécies nativas em sua floração sentida na produção de sementes", diz Valarine. "Paineiras e jacarandás, por exemplo, ou adiantaram ou atrasaram a florada - mudando a recomposição da mata e reduzindo os alimentos para a fauna."
O efeito cascata da seca afeta também aves aquáticas, que, sem encontrar alimento, têm de migrar. Entre elas há socós, martins-pescadores, biguás, patos e gansos.

MP quer garantias para uso de água do fundo das represas

Ricardo Brandt / CAMPINAS

O Ministério Público quer garantias dos governos estadual e federal de que a captação de água do volume morto e a forma como está sendo gerida essa crise hídrica em São Paulo não tragam prejuízos severos ao meio ambiente e à saúde pública.
Promotores do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) de Piracicaba e Campinas pediram formalmente a apresentação dos critérios para o processo, como necessidade de outorga, estudos sobre qualidade e riscos e limitações para exploração, entre outros pontos.
"Queremos saber os riscos de se usar essa água, tanto para abastecimento, como para o Meio Ambiente", afirmou o promotor Ivan Carneiro Castanheiro. "Se o volume dos rios se apresenta reduzido (...) a captação de água consequentemente levará à captação associada de sedimentos, cuja contaminação, de maneira geral, não é considerada pelos sistemas convencionais de tratamento de água, levando a riscos imprevisíveis na saúde pública", afirma o documento.
O monitoramento da água dos rios paulistas mostra que a bacia do PCJ, formadora do Cantareira, tem os piores índices de qualidade do Estado. Esse índice foi classificado de ruim e péssimo em 52% dos 49 pontos de monitoramento, em 2010. Tanto governo do Estado como Sabesp afirmam que não será captada toda água do volume morto e que não haverá alterações severas no ambiente. / R.B.

OESP, 06/04/2014, Metrópole, p. A20

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