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Vítimas do clima ao redor do mundo

O Globo, Sociedade, p. 28
09 de Ago de 2017

Vítimas do clima ao redor do mundo
Derretimento de geleiras nas montanhas do Peru ameaça futuro abastecimento de água e coloca em risco milhares de pessoas

NICK MIROFF Do "Washington Post" -LAGO PALCACOCHA, PERU

Há poucas semanas, após um dia de Sol intenso, um pedaço de gelo do tamanho de um caminhão despencou da geleira no Monte Pucaranra, no Peru. Ele mergulhou no lago abaixo e provocou uma onda de quase 3 metros de altura. Victor Morales, um homem pequeno com um boné esfarrapado de ski, e o solitário vigia do lago, subiu até uma cabana de pedra na montanha e ligou o rádio. A onda havia danificado um sistema de drenagem de emergência construído para reduzir o volume do lago. Mas, para seu grande alívio, a barragem de terra que segura a água ficou intacta.
O Lago Palcacocha tem 1,6 quilômetro de comprimento e 76,2 metros de profundidade, e o efeito de uma grande avalanche nele pode ser comparado com o de jogar uma bola de boliche numa banheira. Cenários simulados preveem a geração de uma poderosa onda de 30 metros de altura que destruiria a barragem. Com isso, 3 bilhões de galões de água gelada rugiriam montanha abaixo em direção à cidade de Huaraz, enterrando seus 200 mil moradores sob um tsunami andino de lama, árvores e pedregulhos.
ADAPTAÇÃO HUMANA
O Lago Palcacocha é um exemplo de ameaça imediata provocada pelas mudanças climáticas que o Peru e outros países em desenvolvimento enfrentam. O Peru é especialmente vulnerável porque abriga 70% das chamadas "geleiras tropicais" do mundo - pequenas calotas de gelo de altitude encontradas nas latitudes médias da Terra. O desaparecimento dessas geleiras tem feito do Peru algo como um laboratório da adaptação humana às mudanças climáticas. E, até agora, as coisas não estão indo nada bem.
- Para países como o Peru, que tentam se livrar da pobreza, há enormes obstáculos sociais, culturais e econômicos para a adaptação - diz Nelson Santillán, pesquisador da autoridade nacional de águas do Peru. - Identificar riscos é uma coisa, mas fazer algo sobre isso é outra.
As geleiras de altitude do Peru são minúsculas em comparação com outras, mas milhões de pessoas dependem delas para água, comida e hidreletricidade. Algumas das geleiras do Peru perderam mais de 90% de sua massa. E enquanto grande parte da água escorre inofensivamente pela montanha, em lugares como o Lago Palcacocha ela está se acumulando em grandes poças de gelo derretido. Muitos desses novos lagos são represados por morainas glaciais - essencialmente montes de sedimentos comprimidos pelo antigo avanço das geleiras. Essas represas naturais podem ser estruturalmente fracas e, à medida que o volume de água que as pressiona aumenta, algumas desmoronam.
O colapso de uma moraina do lago em dezembro de 1941 desencadeou uma inundação que matou milhares de pessoas em Huaraz. A cidade tinha apenas 17 mil habitantes na época, mas desde então sua população aumentou exponencialmente. E o volume do lago subiu 34 vezes enquanto o derretimento glacial se acelerou. A drenagem do lago a um nível seguro seria relativamente simples e custaria por volta de US$ 7 milhões. Por outro lado, uma falha na barragem e uma inundação catastrófica de Huaraz causariam danos de mais de US$ 2,5 bilhões, além de milhares de mortes.

Secas na Índia estão levando fazendeiros endividados ao suicídio e aquecimento global deverá elevar número de mortes

KATY DAIGLE Da Associated Press -NOVA DÉLHI-

Quando o marido de Rani morreu ao beber um pesticida, ele deixou a família pendurada em dívidas. Mas mesmo que pudesse pagar os empréstimos, Rani diz que seus dias de fazendeira acabaram.
- Não há chuvas - justifica a mulher de 44 anos do estado indiano de Tamil Nadu, e uma das centenas de fazendeiros protestando na capital da Índia por mais apoio do governo. - Mesmo para beber, só conseguimos água uma vez em dez dias.
E um estudo sugere que a Índia verá muito mais tragédias do tipo à medida que as mudanças climáticas trazem temperaturas mais altas que prejudicam as lavouras e exacerbam as secas. Para cada 1 grau Celsius de aquecimento acima de 20 graus durante a estação de plantio na Índia, são cometidos, em média, mais 67 suicídios, diz o estudo, publicado recentemente no periódico científico "Proceedings of the National Academy of Sciences".
- A mensagem é que a agricultura é uma ocupação inerentemente arriscada, com rendas anuais frequentemente "reféns" do clima, e está se tornando cada vez mais arriscada com as mudanças climáticas - diz Vikram Patel, psiquiatra indiano e especialista em saúde mental da Escola de Medicina de Harvard, EUA, não envolvido no estudo.
INCENTIVO PERVERSO
Os especialistas afirmam que os achados do estudo devem provocar alarme, especialmente com as previsões de que as temperaturas médias na Índia vão se elevar em mais 3 graus Celsius até 2050. E isso deverá trazer um clima mais errático, com mais secas e tempestades mais intensas.
Muitos fatores podem contribuir para os suicídios, incluindo a produtividade das colheitas, a devastação financeira e dívidas, acesso a meios fáceis de autoflagelo e falta de apoio comunitário. Na Índia, muitos fazendeiros bebem agrotóxicos como uma saída para as dívidas impagáveis, com o governo em alguns casos dando auxílio financeiro às famílias sobreviventes. E isso fornece um incentivo perverso ao suicídio, "premiando pessoas que dão cabo da vida ao pagar compensações às suas famílias, mas só se morrerem", destaca Patel.
- Podemos não conseguir impedir que o mundo se aqueça, mas isso não significa que não possamos fazer nada quanto aos suicídios - considera, apontando como caminhos dar maior estabilidade financeira aos fazendeiros e atenção à sua saúde mental.
E o estudo recém-publicado deve tornar ainda mais urgentes estes esforços:
- Ele nos dá evidências de uma via causal, do clima desfavorável para a pouca produtividade das colheitas e aumento de suicídios - lista Howard Frumkin, professor de saúde ambiental da Universidade de Washington, EUA, também não envolvido no estudo. - Com um clima cada vez mais caótico, esta via tende a se intensificar.
Para o estudo, a pesquisadora Tamma Carleton vasculhou dados sobre suicídios entre 1967 e 2013 no Escritório Nacional de Registros de Crimes da Índia, assim como dados sobre a produtividade agrícola e mudanças na temperatura.
- Estimo que a tendência de alta na temperatura nas últimas três décadas tenha sido responsável por mais de 59 mil suicídios em toda Índia - diz ela, que estuda agricultura e economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

O Globo, 09/08/2017, Sociedade, p. 28

https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/derretimento-de-gel…

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