VOLTAR

Violências contra índios, até quando?

ABA-João Pessoa-PB
Autor: Carlos Guilherme do Valle,
24 de Jun de 2003

Em janeiro de 2003, o jovem Vilemar do povo Tremembé (Ceará) foi barbaramente assassinado por outro jovem, não índio, que vivia numa localidade próxima de Almofala. Vilemar era filho de dois ativos participantes do Torém, que foram muito importantes para a manutenção da dança dos Tremembé desde os anos 70. Seu pai, falecido no ano passado, e sua mãe eram intensamente comprometidos com o Torém e tinham igualmente participação ativa na mobilização política dos Tremembé desde a década de 1980, quando eu os conheci. Apesar de ter ficado bastante abalado pela morte do pai, Vilemar queria continuar cultivando no terreno que tinha herdado do pai e igualmente esperava completar o segundo grau e, assim, tornar-se professor, tal como muitos dos jovens Tremembé. No fim de dezembro, voltou a dançar no Torém dos Tremembé de Almofala. No entanto, seu assassinato impediu que todos os seus planos e sonhos pudessem ser concretizados e traumatizou toda sua família. O crime assustou toda comunidade Tremembé, que conhecia

A mãe e irmãos de Vilemar buscaram apoio da FUNAI, enquanto o assassino, menor de idade, tinha sido detido e imediatamente liberado pela polícia do município de Itarema. O assassino encontra-se foragido num povoado do município próximo de Acaraú, mas esperando voltar. Sua família permanece na área de Almofala, morando próximo, inclusive, de parentes e amigos de Vilemar. A tensão social tem sido constante desde janeiro. A família de Vilemar tem cobrado insistentemente ação por parte da FUNAI, que tem infelizmente atuado de modo bastante irregular e assistemático sobre o caso. Os parentes de Vilemar, sobretudo sua mãe e sua irmã mais velha, circularam um abaixo-assinado entre os Tremembé e entre as lideranças indígenas que se reuniram no último Encontro de Povos Indígenas do Ceará em Aquiraz (abril passado), alcançando mais de 500 assinaturas. O abaixo-assinado foi copiado e entregue a FUNAI e à Procuradoria da República.

A atitude da família do assassino (pais e irmãos), que é Tremembé, tem sido muito mais grave, menosprezando os esforços da família de Vilemar. Ameaças recorrentes foram feitas contra um dos jovens Tremembé que coletaram assinaturas para o abaixo-assinado. Além disso, a família do jovem assassino tem igualmente menosprezado a atuação da polícia, da Justiça e da FUNAI, questionando a habilidade dos Tremembé de assegurarem seus direitos.

Infelizmente, o assassinato de Vilemar caracteriza-se como mais uma das inúmeras expressões de violência que tem acontecido na região de Almofala, afetando diretamente os Tremembé. Assassinatos, estupros e diversas formas de violência, inclusive contra mulheres, crianças e idosos, tem sido bastante recorrentes por longo tempo. Com certeza, a situação interétnica tem acentuado significativamente a tensão social local, as manifestações de estigmatização e de violência, tal como mostra o assassinato de Vilemar.

A "Carta em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas", elaborada no Seminário Respeito aos Direitos dos Povos Indígenas, que foi organizado em Brasília (18 de março de 2003), destacou como a indefinição da regularização das Terras Indígenas tem contribuido "de forma inexorável para o quadro de violência crescente" que tem atingido muitos povos indígenas, inclusive vitimando índios e suas lideranças. As providências das autoridades governamentais tem sido muito limitadas, aleatórias e assistemáticas. Do mesmo modo, a carta aponta para o fato da segurança pública ser um problema continuamente declarado pelas autoridades e pelo governo federal, mas as formas de violência contra os índios tem se repetido inegavelmente, sem que nenhuma resolução do problema tenha sido buscada. A carta foi assinada por organizações indígenas, ONGs, universidades, entidades profissionais e pela Igreja: a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a APOINME, o Cimi, o CIR, a COIAB, a Comissão Indígena Pós-Conferência 20

È evidente que a indefinição do processo regularizador da Terra Indígena Tremembé de Almofala tem contribuído para a atmosfera de enorme tensão envolvendo índios e não indios, tanto proprietários de terra como posseiros. Desde a delimitação da área, em 1992, os Tremembé tem esperado ansiosamente pela resolução do processo. Enquanto isso, a população não indígena e grandes empresas tem buscado estratégias diversas de assegurar mais controle sobre a terra e os recursos naturais por toda região de Almofala, expandindo cercamentos, edificando construções e viabilizando projetos de desenvolvimento. A mobilização política dos Tremembé tem sido, porém, constante, assinalando possibilidades e estratégias de resistência. No entanto, quanta violência eles terão ainda que enfrentar?

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.