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Violência no campo aumentou desde que Lula assumiu o poder

OESP, Nacional, p. A4
Autor: MIRANDA, Nilmário
06 de Dez de 2004

Violência no campo aumentou desde que Lula assumiu o poder
Balanço de setores progressistas da Igreja mostra agravamento das tensões e indica que os conflitos vão prosseguir em 2005

Roldão Arruda

Nas quatro vezes em que se candidatou à Presidência da República, o metalúrgico Luiz Inácio da Silva foi enfático em relação à reforma agrária. Chegou a dizer que, se fosse eleito e só pudesse fazer uma coisa como presidente, optaria pela reforma.
Quando finalmente chegou ao poder, em 2002, a figura do grande fazedor da reforma estava fixada no imaginário tanto dos sem-terra quanto dos grandes proprietários rurais. Após sua posse, os primeiros acreditaram que havia chegado sua vez e poderiam avançar mais facilmente sobre as cercas. Do lado de dentro, muitos proprietários se acautelaram, certos de que ficariam desprotegidos, a menos que passassem a se defender por conta própria.
O resultado do confronto de expectativas, de acordo com um balanço feito por setores progressistas da Igreja Católica, foi o agravamento das tensões e da violência. A escalada começou no ano passado, piorou no decorrer deste ano e dá sinais de que vai prosseguir em 2005.
As 73 mortes decorrentes de conflitos na zona rural ocorridas no primeiro ano do governo Lula, de acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram o sinal mais visível da mudança. "Não tivemos nada igual durante os anos 90 e início da década de 2000", diz Antonio Canuto, que faz parte da coordenação nacional da CPT e coordena o setor de estatísticas. "Nem em 1996, quando ocorreu o massacre de Eldorado de Carajás chegamos a um número tão alto." E embora em 2004 as mortes tenham diminuído - foram 29 até novembro, de acordo com a CPT, que sempre registra números maiores que os coletados por organismos oficiais - a violência no campo continuou a crescer, com novos contornos.
"A violência está se manifestando de outras formas, como os ataques aos acampamentos de sem-terra e os despejos executados por milícias financiadas por fazendeiros", diz Marcilene Ferreira, agente de pastoral da CPT, encarregada do setor de documentação de conflitos em Minas Gerais. "Mais milícias entraram em ação aqui em Minas e em outros Estados. Elas se mostram organizadas, com ações bem planejadas e são freqüentes os casos de infiltração nos acampamentos, para identificar os líderes."
Crivado de balas
O assassinato de cinco sem-terra no dia 20 do mês passado em Felisburgo, norte de Minas, segundo Marcilene, foi decorrência das constantes ações dos pistoleiros.
"Estamos encerrando o ano com muitos conflitos por todo o País", diz Canuto. "Dois dias após as mortes de Felisburgo, um acampamento de sem-terra em Mato Grosso foi crivado de balas. Ninguém morreu porque no momento as famílias de acampados estavam em outro lugar."
Análises do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também indicam o aumento da violência em áreas disputadas entre fazendeiros e indígenas.
Não é só a presença de milícias, porém, que indica o agravamento das tensões. Os sem-terra voltaram a exibir um grau de desenvoltura nas invasões de terras que não se via desde 2000, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso baixou a medida provisória que pune essas ações com a retirada da área invadida do processo de reforma agrária, por um período de dois anos.Até novembro foram 303 invasões, de acordo com números preliminares.

Para ruralista, quadro vai piorar
Proprietários reclamam que Estado não cumpre seu papel
Não são só setores da Igreja que prevêem o aumento da violência na zona rural. Na opinião de representantes dos proprietários rurais, está se disseminando o sentimento de que nas regiões de conflito eles estão entregues à própria sorte, por causa da ausência do Estado.
O fazendeiro João Bosco Leal, presidente do Movimento Nacional dos Produtores Rurais (MNP), baseado em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, diz que muitos proprietários se sentem acuados, o que pode provocar reações violentas.
"Qualquer ser acuado vira uma fera", diz o presidente do MNP. "Sou produtor rural e, como muitos outros produtores, tenho feito tudo que se pode imaginar por este país, em termos de produção, de aumento de produtividade, de geração de divisas, criação de empregos. De que maneira você imagina que eu e outros produtores nos sentimos quando, após todo esse esforço, descobrimos que estamos desguarnecidos, que não temos proteção para o direito à propriedade? Nos sentimos acuados."
Leal conta que freqüentemente recebe apelos de proprietários que se sentem ameaçados por grupos de sem-terra ou de índios. "Um homem ligou dias atrás pedindo pelo amor de Deus que eu fizesse alguma coisa, porque os índios que moram ao lado de sua propriedade já tinham matado quatro de seus bois. Os índios reivindicam a terra da fazenda para eles. O homem contou que já fez mais de 50 boletins de ocorrência sobre os crimes cometidos pelos índios, mas até agora ninguém fez nada. A Polícia Federal teria sugerido que fotografasse o momento em que os índios matam os bois. Mas essa não é tarefa dele."
Um dos principais problemas enfrentados pelos proprietários, segundo Leal, é o não-cumprimento das ordens judiciais de reintegração de posse nas áreas invadidas por índios ou sem-terra. "Isso desmoraliza o Judiciário, cria uma sensação de desamparo. É por causa disso que certos proprietários tentam se defender com as próprias mãos."
A sensação de falta de proteção é que estaria por trás da criação de grupos armados em propriedades rurais, segundo o presidente do MNP. "Não tenho a menor dúvida de que o conflito tende a se agravar. Isso terá conseqüências na biografia de Lula, a menos que ele mude o atual estado de coisas."
Sem diálogo
Há dez dias, na comemoração do aniversário de 85 anos da Sociedade Rural Brasileira, seu presidente, João Almeida Sampaio Filho, após fazer uma exposição sobre os avanços da agricultura no País, disse: "É inaceitável que numa conjuntura como essa ainda persistam as ameaças contra o direito à propriedade. Está na hora de dizer chega e dar um basta a esta situação".
Na mesma comemoração, o ex-presidente Fernando Henrique disse que o principal problema dos líderes dos sem-terra é sua incapacidade para o diálogo.

Durante o período eleitoral, uma trégua nas invasões
Parada: A Ouvidoria Agrária Nacional, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, não divulga números sobre ações dos sem-terra desde o mês de agosto. A Assessoria de Imprensa da instituição não tem informações oficiais sobre o atraso, mas assegura que a divulgação será retomada logo.
À margem da ouvidoria, porém, números preliminares, obtidos a partir de informações de jornais e de levantamentos do Movimento dos Sem-Terra (MST), indicam que as ações foram reduzidas significativamente nos meses das eleições - setembro e outubro.
Em muitos pontos do País, os líderes sem-terra estavam envolvidos diretamente com o processo eleitoral, tentando eleger vereadores e prefeitos mais próximos da causa. Por outro lado, o MST, que tem sido um tradicional aliado do PT, também evitou impor constrangimentos ao governo e seus candidatos, até o mês de novembro.
Processo semelhante havia ocorrido em 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva, concorria à Presidência da República.
Naquele ano ocorreram 103 invasões, segundo a ouvidoria. Os números acumulados neste ano até novembro, conforme levantamentos preliminares, já são quase três vezes maiores.

Conflitos fazem parte da democracia
Ministro Nilmário Miranda diz que tensões refletem choque de interesses

Em entrevista ao Estado, o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, afirma que o aumento dos conflitos, decorrente do choque de interesses, faz parte da democracia. O que o governo não aceita, diz ele, é a violência. Para evitá-la está mapeando as áreas de maior tensão, que serão monitoradas.

A que o senhor atribui o aumento dos conflitos na zona rural?

Uma das razões é o fato de o governo estar implementando políticas de homologação de terras indígenas, criação de assentamentos, regularização de áreas de quilombolas. Isso contraria interesses e acirra conflitos. Mas eles fazem parte da democracia.

A violência também?

Não. Quando falo do agravamento dos conflitos, não incluo a violência. O caso do Rio do Grande do Sul é um bom exemplo do que digo: lá existem muitos confrontos. Se os sem-terra fazem uma marcha, os proprietários respondem com outra. Mas há pouca violência. Isso se deve à presença do Estado e ao fato de as duas partes terem aprendido a negociar.

De que maneira o governo pretende reduzir os conflitos?

Estamos mapeando as regiões de maior tensão e avaliando as expectativas de violência. A partir daí passamos a monitorar as áreas mais complicadas. Foi trabalhando dessa maneira que conseguimos reduzir a violência de 2003 para 2004. A queda no número de mortes em decorrência de conflitos na zona rural foi significativa. Outra medida que vamos levar adiante é a criação de mais varas agrárias.

Grupos católicos afirmam que cresceu o número de milícias.
Nos dois anos do governo Lula não ocorreram mortes de sem-terra causadas por policiais militares. Isso indica uma mudança importante de comportamento, do confronto para a busca de soluções negociadas. O caso mais significativo foi o do Paraná, onde ocorriam operações de reintegração de posse com armamento pesado, em horários noturnos, com policiais encapuzados. O atual governo mudou isso.

E sobre as milícias?

As duas coisas estão ligadas. Sem a presença de policiais para executar atos violentos, alguns fazendeiros organizam suas milícias. O Ministério Público já dissolveu um desses grupos. Empresas de segurança à margem da lei também serão punidas.

Quais as áreas mais tensas?

Nós nos preocupamos com Pernambuco, Paraíba, Tocantins e as regiões sul do Pará, norte de Minas e Triângulo Mineiro, sul da Bahia e Pontal do Paranapanema, em São Paulo.
O senhor diz que os conflitos crescem em decorrência do avanço da reforma. Os líderes dos sem-terra dizem que é por causa da lentidão na reforma.
A reforma andou pouco em 2003, em decorrência de um orçamento apertado e da necessidade de equilibrar a economia. Mas os recursos aumentaram em 2004 e vão aumentar mais.

OESP, 06/12/2004, Nacional, p. A4

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