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Violência cresce mais em áreas indígenas ricas em ouro

Valor Econômico - https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/02/27
Autor: CHIARETTI, Daniela
27 de Fev de 2023

Violência cresce mais em áreas indígenas ricas em ouro
Estudo do Insper indica que explosão de violência em áreas de garimpo ilegal de ouro acontece depois da mudança nas regras, em 2013

Por Daniela Chiaretti
De São Paulo 27/02/2023

Na Amazônia, as taxas de homicídio aumentaram cerca de 20% em municípios com depósitos de ouro em terras indígenas e unidades de conservação a partir de 2013, em comparação com municípios com reservas de ouro fora destas áreas. A data de 2013 refere-se a quando foi introduzido o princípio de boa-fé na legislação que trata da produção de ouro em áreas de garimpo.
O dispositivo de boa-fé foi um "jabuti" na Lei 12.844, de 2013, que trata de ampliar o benefício Garantia-Safra para 2011 e 2012. Os artigos 37 a 42 não têm nada a ver com o tema da lei e tratam da compra, venda e transporte de ouro em áreas de garimpo. O artigo 39 é o que presume a "boa-fé" de quem está comprando o ouro.
Até aquele momento, as lojinhas que compram ouro em cidades da Amazônia - os Pontos de Compra de Ouro são os primeiros compradores de ouro e regulamentados pelo governo -eram responsáveis por rastrear os vendedores da extração e manter a documentação que comprovaria a origem do ouro que compraram. Com o princípio da boa-fé, contudo os pontos de compra de ouro podiam presumir que quem vendia ouro a eles não estava mentindo que vinha de garimpo ilegal, e não punia mais os compradores.
Dois pesquisadores do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Leila Pereira e Rafael Pucci, que se interessam pelo cruzamento entre presença de recursos naturais e violência, estudaram os efeitos da mudança nas regras no ponto de entrada do mercado de ouro de garimpo. "Antes de 2013, pelo menos, havia algum controle sobre a origem do ouro", diz Pucci.
O recorte do estudo "A Tale of Gold and Blood: The Consequences of Market Deregulation on Local Violence" é o que o nome diz - estudar o efeito da desregulamentação na violência local.
Para evitar a contaminação do estudo com dados de violência em geral, evitaram as grandes cidades da Amazônia e olharam para 755 municípios da região com até 200 mil habitantes. Ali fizeram outro recorte: um grupo de municípios com depósitos de ouro dentro de terras indígenas (TIs) e unidades de conservação (UCs) - ou seja, aqueles mais propensos à extração ilegal -e outro grupo de municípios com todos os depósitos de ouro fora de TIs e UCs.
Trabalharam com dados populacionais do IBGE de 2021 e o total de homicídios registrados pelo Ministério da Saúde (Datasus 2021), em nível municipal. "A Amazônia vem se tornando cada vez mais violenta em comparação com outras áreas do Brasil", dizem os pesquisadores. A violência aumenta mais velozmente em municípios pequenos e essa relação se torna mais evidente depois de 2013. "Documentamos uma relação forte entre a desregulamentação de 2013 e o crescimento da violência na Amazônia", diz Leila Pereira. "Preferimos não afirmar categoricamente que há uma relação de causalidade pois se dá de forma indireta, via crescimento da atividade de garimpo ilegal. Em outras palavras, a lei estimula a atividade ilegal que, por sua vez, contribui para o crescimento da violência."
A taxa de mortes violentas explodiu, em 2013, em locais propensos à extração ilegal de ouro -registraram oito homicídios a mais por 100 mil pessoas (os 20%). Tal violência adicional equivale a três ou quatro vezes a média dos homicídios na Europa e Ásia.
A emenda ao projeto que tramitava no Congresso, em 2013, foi apresentada pelo deputado federal Odair Cunha (PT-MG). Em fevereiro, em entrevista ao Valor, Cunha rebateu as críticas que a emenda seria uma brecha legal para que as Distribuidoras de Títulos e Valores Imobiliários (DTVMs, que têm as lojas nas cidades) adquirissem ouro baseadas na confiança e não em dados reais sobre se o metal saiu de área autorizada. "Às vezes, as áreas com Permissão de Lavra Garimpeira estão ao lado de regiões indígenas. Não é tarefa simples garantir que aquele ouro não vem de uma área ilegal", disse Cunha. "Claro que, se houver um conluio criminoso entre quem extrai o ouro e quem comercializa, o conceito de presunção de boa-fé do adquirente não subsiste", segue. O parlamentar disse que antes de 2013 quem comprava ouro de garimpo não precisava informar aos órgãos de controle dados do garimpeiro e da área, e que seu texto ao menos institui as exigências.
"Os legisladores debateram durante menos de 2 minutos em sessão antes de aprovarem a desregulamentação", dizem os pesquisadores. "Talvez tal pressa em alterar as regras pudesse ter sido justificada por tentativa de aumentar as receitas fiscais, mesmo à custa do fomento de atividades ilegais." A produção de garimpo foi 74% superior entre 2013-2017, em relação a 2008-2012. As grandes mineradoras cresceram 29%.

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