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Viloes na Saude

O Globo, Opiniao, p.6
24 de Abr de 2005

Vilões na saúde

O recente e inesperado surto do mal de Chagas em Santa Catarina pode não ter em si grande significado, já que foi resultado de uma contaminação de caldo de cana. Mas não é um caso isolado: coincide com o alarmante fenômeno da disseminação, em grandes cidades, de doenças típicas de áreas rurais, associada ao crescimento generalizado dessas moléstias. O próprio mal de Chagas, que afeta seis milhões de brasileiros e é incurável, serve de exemplo: contaminou 3.075 pessoas no ano passado, contra 1.154 em 2000.

E é apenas uma das doenças que, em lugar de estar em processo de extinção, em paralelo à modernização do país, difundem-se e avançam para as cidades. Na realidade o processo é inverso: as cidades, em crescimento desordenado, estão desmatando e ocupando áreas florestais, com isso expondo seus moradores a parasitas e outros transmissores que antes eram uma ameaça somente para o homem do campo.

Assim, residentes em áreas urbanas estão sendo infectados, entre outras, pela malária, pela leptospirose e pela leishmaniose. Esta última apresenta tal crescimento na periferia de capitais do Nordeste — de 924 casos em 2000 para 2.291 em 2004 — que já é considerada uma endemia nessas áreas pela Organização Pan-Americana de Saúde.

Esse processo descontrolado de urbanização não é no entanto o único vilão. Seus efeitos são intensificados pela insuficiência do investimento público em saneamento básico. As empresas estatais do setor carecem de recursos, gastam demais em custeio e, para agravar a situação, exibem índices muito altos de perdas técnicas.

A falta de tratamento adequado de água e de esgoto por empresas públicas, e até mesmo a ineficiência na coleta de lixo — em áreas onde as enchentes são comuns — alia-se à pouca disposição de estados e municípios de se entenderem para montar parcerias com grupos privados, que têm capacidade de investir. E além disso, o governo retarda a definição das novas regras para o setor. Essa falta de iniciativa faz com que, mais do que marcar passo, o país ande para trás, enfrentando nas cidades doenças que eram características de um distante passado rural.

O Globo, 24/04/2005, Opinião, p.6

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