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Villas: vitória dos índios se deve à coragem e poder de articulação

Seculodiário.com
Autor: José Rabelo
15 de Out de 2007

O indigenista Fábio Villas (foto) classifica a luta dos índios Tupinikim e Guarani contra a Aracruz Celulose, na disputa pelas terras ocupadas ilegalmente pela transnacional, uma vitória que mistura coragem, persistência e um grande poder de articulação dos índios. Foi uma vitória histórica, depois de 40 anos de luta, avalia Fábio Villas.

"Os índios se mantiveram firmes na sua posição, enfrentando a Aracruz, os governos estadual e federal, a polícia e até a Justiça", acentuou. Fábio Villas, 55 anos, um dos mais importantes indigenista do Brasil, concedeu uma entrevista exclusiva a Século Diário (link da entrevista no final dessa reportagem), na última quarta-feira (10), às vésperas do encerramento da Marcha Popular pela Terra e pela Vida, que reuniu cerca de 400 participantes em 12 dias de marcha. O ato final foi realizado no município de Aracruz, onde houve protesto contra o sistema do agronegócio e parabenização aos Tupinikim e Guarani pelos 11.009 hectares de terras reconquistados recentemente pelos índios, com a publicação da portaria assinada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que pôs fim ao litígio que se arrastava por quase 40 anos.

Villas, que dedicou 30 anos de sua vida à causa indígena, protagonizou essa história de luta ao lado dos índios e afirma que a vitória, por tudo que representa, tem um sabor muito especial para os índios e seus aliados. "Quando recebi a informação de que havia saído a portaria eu estava na praia. Na hora fiquei meio sem reação, atônito. Demorei um pouco para digerir aquela notícia. Mas acho que foi uma grande vitória dos índios e de todos os seus aliados. Inclusive, essa característica dessas comunidades indígenas de construir alianças foi muito positiva durante todo o processo". Para Villas, a capacidade dos Tupinikim e Guarani de construir alianças históricas com entidades, movimentos sociais e diversas lideranças da sociedade civil foi imprescindível para a vitória dos índios. "Esse poder de articulação não é encontrado facilmente em outros povos indígenas. Essa marcha que está acontecendo aqui é mais um exemplo concreto dessa capacidade de sensibilização e articulação que os povos Tupinikim e Guarani possuem", ressaltou.

Villas, que já atuou no Cimi (Conselho Indigenista Missionário), na Opan (Operação Anchieta - atual Operação Amazônia Nativa), Funai (Fundação Nacional do Índio) e atualmente está na Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), explica que nesse episódio envolvendo os Tupinikim e Guarani houve todo um trabalho de organização das aldeias que se iniciou em 1978. Ele lembra que um dos grandes desafios iniciais foi o de aproximar os Tupinikim e Guarani, que até então viviam separados. "Os Tupinikim eram mais fechados. Foi muito complicado para identificar as lideranças. Isso era fundamental para acelerarmos o processo de articulação para a ocupação das terras".

Encontro em Brasília

Em abril de 1979, afirma Villas, o cacique Guarani João, estava indo a Brasília para as comemorações do Dia do Índio. Nessa viagem, o cacique João tenta se aproximar de Bino - um índio Tupinikim que também seguia para o encontro -, para tentar uma articulação. O indigenista recorda que, em princípio, Bino se mostrou arredio a qualquer tipo de aproximação. "Em Brasília, houve um evento reunindo lideranças indígenas de todo o Brasil com a presença da imprensa. Seu Bino, de maneira bastante arrojada, pediu a palavra e surpreendeu a todos quando disse: Somos 300 Guarani e mais 800 Tupinikim no Espírito Santo. A Aracruz tomou nossas terras... Nesse momento, a imprensa se voltou para ele e começou a se interessar pela história. No dia seguinte havia uma matéria no Jornal do Brasil denunciando a situação dos índios no Espírito Santo. Ele pegou o jornal com a matéria, botou debaixo do braço e voltou para cá decidido a articular a ocupação com os Guarani".

Unidos, os índios decidem invadir a mata. A estratégia era que os Guarani ocupassem uma parte das terras e os Tupinikim a outra. A partir daí, se inicia a disputa pela terra até que finalmente a Aracruz abre mão da mata. Três meses depois, afirma Villas, a Funai fez um levantamento para verificar os limites e até onde poderia se estender uma possível ampliação da terra. "Nesse período, após a constituição da aldeia, nós começamos a trabalhar a organização interna. Nessa época também ocorre um rompimento com os Tupinikim pela disputa das terras, pelo fato de os Tupinikim aceitarem a redução da terra, mas exigirem que as terras dos Guarani também fossem reduzidas. Há uma tentativa nossa no sentido de tentar um acordo, mas sem sucesso. Acontece o atrito e conseqüentemente há um rompimento com os Tupinikim. Depois disso, nós passamos a concentrar nossa ação somente com os Guarani".

Mais organizados, os Guarani, preocupados em fortalecer o movimento, passam a promover reuniões nas Casas de Rezas nos estados do Mato Grosso, São Paulo e no Espírito Santo. Mesmo expandindo as alianças para fora do Estado, o governo continua reticente em demarcar as terras da forma como os índios reivindicavam. Segundo Villas, a intenção do governo era de reduzir as áreas indígenas. Inconformados, os índios então decidem fazer a autodemarcação de 6,5 mil hectares das áreas de Caieiras Velha e Pau Brasil. Em 1981, com apoio dos órgãos federais, a pressão da Aracruz no sentido de retomar as terras ocupadas pelos índios aumenta. "Eles então convocam os índios para uma reunião em Vitória para pressioná-los. Nessa reunião, inclusive, eles chegam a humilhar os índios usando de certo terrorismo. Foi uma coisa horrível. Eles gritavam e xingavam os índios dando murros na mesa. Acuados, os índios acabam aceitando a redução das terras".

Desafio

Villas destaca que o mais impressionante é que todos esses seguidos reveses não desanimavam os índios, que continuavam firmes no seu propósito. O indigenista conta, no entanto, que durante o primeiro mandato do governo Lula os índios tiveram uma grande decepção e chegaram a esmorecer diante da atitude do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que recuou e solicitou novos estudos sobre a disputa das terras em Aracruz. "Essa medida significou um grande baque para as comunidades indígenas e para os aliados, que começaram a desacreditar que a portaria pudesse sair".

Em 28 de agosto de 2007, finalmente, é publicada no Diário Oficial da União a portaria, assinada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que devolve definitivamente as terras aos índios Tupinikim e Guarani. Villas acredita que agora o desafio maior para os índios é recuperar essas terras. Ele destaca que outro ponto importante é consolidar o processo de regularização das áreas demarcadas. "Agora ainda há esse TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) no meio do caminho. Acho que no final das contas isso vai causar algumas perdas, mas isso é inevitável. Nós dissemos a eles que o importante é não perder o grande objeto da luta, que é a terra. Depois que terminar esse processo do TAC, vem o trabalho de recuperação da terra. Depois é preciso repensar a ocupação, estudar a viabilidade dos projetos. Nessa parte eu entro novamente".

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