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A vez dos emergentes

CB, Mundo, p. 22
09 de Jul de 2008

A vez dos emergentes
EUA aceitam pela primeira vez uma meta de redução das emissões de gases poluentes e pedem que nações em desenvolvimento façam o mesmo. G-5 sugeriu cortes mais ambiciosos aos países ricos

Rodrigo Craveiro
Da equipe do Correio

Acidade de Toyako, na ilha japonesa de Hokkaido, foi ontem palco de uma decisão que surpreendeu até os pessimistas. Isolados na cúpula do G-8 - grupo formado pelos sete países mais industrializados e a Rússia -, os Estados Unidos assentiram pela primeira vez em se unir ao bloco e elaborar um plano para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa em 50% até 2050, dentro de um acordo pós-Protocolo de Kyoto. Os países do G-8 também concordaram em definir uma meta de redução a médio prazo, ainda que a declaração conjunta sobre mudanças climáticas não traga números. Para celebrar o consenso no segundo dia da cúpula, os governantes plantaram lariços limpos, pinheiros que absorvem grande quantidade de dióxido de carbono. Mas o gesto generoso do presidente George W. Bush, que também pegou na pá, escondeu a inércia da posição norte-americana. Segundo um assessor da Casa Branca, qualquer acordo que não contar com a participação de países emergentes, como Índia e China, será "sem sentido". O recado também vale para o Brasil.
O Correio apurou que a política ambiental norte-americana é vista pelo governo brasileiro apenas como "tradicional". O G-5 (Brasil, China, Índia, México e África do Sul) estaria disposto a aceitar metas de redução desde que o G-8 acenasse com objetivos mais ambiciosos. Por telefone, Sérgio Serra, embaixador extraordinário de Mudanças Climáticas do Itamaraty, declarou que qualquer meta global de longo prazo deve ser feita sobre um ano-base bem estabelecido. Até então, as metas dos países industrializados do anexo 1 - signatários do Protocolo de Kyoto - previam uma redução em relação a 1990.
"Sempre fomos favoráveis a uma meta global de longo prazo dentro da visão compartilhada, no regime internacional do clima. A questão de ser 50% de redução depende de se definir qual será a divisão do ônus", afirmou Serra. Ele defendeu que os objetivos levem em conta o acúmulo de gases do efeito estufa decorrentes de emissões históricas. "A decisão do G-8 é meio vazia se não houver metas de médio prazo para os países industrializados", acrescentou, alertando que as nações emergentes não teriam como cumpri-las. "A política norte-americana atual, de redução a médio prazo, é, para ser diplomático, extremamente tímida", criticou. Durante a Conferência de Bali, em dezembro passado, os 190 países acordaram que os emergentes adotariam medidas de mitigação quantificáveis, e que a compensação seria apoiada por financiamento e transferência de tecnologia dos países desenvolvidos.
Na reunião de hoje do G-5, em Hokkaido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve exigir a fixação de um ano-base e defender a redução global como aceitável, desde que exista a divisão do ônus. "Metas quantitativas devem ser proporcionais às responsabilidades de cada país: aqueles que poluem mais devem ter metas maiores. O que não podemos aceitar é uma situação na qual os maiores poluidores se esforçam para limitar o desenvolvimento dos países emergentes", declarou Lula.
Para Carlos Nobre, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o Brasil poderia ter dado uma lição ao mundo, antes de considerar reduzir suas emissões. "Nós devíamos ter implantado metas de diminuição do desmatamento e, em 10 anos, as emissões despencariam sem que tivéssemos de nos preocupar com objetivos de longo prazo", declarou. "Seríamos um dos países mais limpos e lideraríamos a negociação."
O cientista acredita que a redução de 50% sobre o ano-base 1990 seria "audaciosa e necessária". Ele alerta que se o G-8 levar em conta as emissões atuais, o planeta precisaria abater 80% das emissões para garantir que a temperatura média não suba mais de 2 graus Celsius. Algo que demandaria um esforço quase descomunal.

ONGs criticam acordo

Da Redação

Na manhã de ontem, quando os delegados dos países do G-8 partiam dos hotéis para as reuniões, encontraram uma surpresa embaixo da porta. Era uma fotomontagem de George W. Bush com o premiê japonês, Yasuo Fukuda, e o premiê canadense, Stephen Harper, vestidos como a Hello Kitty. O anúncio produzido pela Avaaz, uma ONG de ativismo online, pedia aos líderes: "Seja adulto e defina as metas climáticas para 2020 agora!". A visão do grupo de países industrializados sobre as mudanças climáticas não agradou às principais organizações de defesa ambiental, para as quais os governos precisam acordar e começar a pensar no médio prazo.
"Colocamos esse anúncio, até um pouco agressivo, porque todo o mundo está decepcionado com o que aconteceu. Os Estados Unidos estão, de novo, tentando se esquivar de qualquer comprometimento com o meio ambiente", disse ao Correio Graziela Tanaka, única representante da Avaaz no Brasil. A organização acredita que a solução para as mudanças climáticas é definir metas a médio prazo para que elas possam ser mensuradas e se tenha algum controle sobre o que foi decidido. "Até chegarmos a 2050, o que vai garantir o compromisso desses países?"
A redução em 50% das emissões de gases do efeito estufa daqui a 42 anos parece algo muito distante também para o Greenpeace. Segundo a organização, o ideal é que os países do G-8 se comprometam a reduzir 30% até 2020 e 80% a 90% em 2050. "Não há motivos para comemorar. As pessoas devem ler nas entrelinhas a falta de visão de estratégia desses líderes", contou Luis Henrique Piva, coordenador da campanha de clima do Greenpeace Brasil, por telefone. Para ele, se as emissões não diminuírem nos próximos 10 anos, não haverá solução ou meta alguma que possa resolver os problemas climáticos. E o G-5 também pode traçar objetivos. "China, Índia e Brasil têm uma grande lição de casa para fazer e não podem esperar os países desenvolvidos para começar."

CB, 09/07/2008, Mundo, p. 22

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