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A vez do Centro-Oeste

CB, Caderno Especial, p. 1-11
01 de Dez de 2004

A vez do Centro-Oeste

O cerrado sempre foi visto como uma região inóspita e infértil. Mas o agronegócio a transformou em algo superlativo - e os números comprovam. A região tem, por exemplo, 139 milhões de hectares de terras potencialmente aráveis - que já produzem cerca de 30 milhões de toneladas de grãos. As exportações do Centro-Oeste, que crescem sem parar há seis anos, já têm desempenho superior ao da Região Norte. E mais: os 11 primeiros produtos na lista da exportação regional vêm do agronegócio. A participação da agricultura comercial na criação de empregos é animadora: nos últimos 12 meses, o número de postos de trabalho cresceu 8,42%. O setor de serviços, por exemplo, aumentou em 4,83%.Mas ainda há muito o que se fazer: mais investimentos em infra-estrutura para escoamento das safras, criação de pólos de grãos, abertura de um corredor para o Oceano Pacífico e por aí vai.De qualquer forma, o futuro é alvissareiro: segundo estudo da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), se forem cumpridas algumas condições básicas, o Centro-Oeste será, em 25 anos, a terceira região do país em importância econômica.

Virada histórica
O Centro-Oeste se prepara para deixar, pela primeira vez, a posição de lanterna nacional no valor das vendas para outros países
Solano Nascimento
As exportações do Centro-Oeste sobem sem parar há seis anos.
Desde 2000, a taxa anual de crescimento oscilou entre 15,58% e 41,61%, índices invejados por todas as demais regiões do país - que, no período, conseguiram variações muito menores. A empolgação é tamanha que nem a sombra da queda nos preços internacionais de alguns dos principais produtos exportados e da manutenção de barreiras sanitárias diminui ou desestimula investimentos. O aumento dos últimos anos ainda não foi suficiente para fazer com que as exportações do Centro-Oeste, em receita, superem as demais regiões - que têm mais estados ou parques industriais fortes. No entanto, um feito se avizinha em silêncio. Números da Secretaria de Comércio Exterior mostram que, nos 10 primeiros meses deste ano, as exportações do Centro-Oeste, mesmo em volume de recursos, ultrapassam as da Região Norte.
Essa tendência já vinha se desenhando nos últimos anos. Em 2001, por exemplo, enquanto as vendas do Norte para o exterior caíram 2,31%, as do Centro-Oeste tiveram um acréscimo de 34,83%. No ano passado, os nortistas faturaram 20,38% a mais que em 2002, enquanto os exportadores do Centro-Oeste conseguiram um acréscimo de receita de 33,09%. Assim, se nada atrapalhar, a região que já é a que mais cresce em exportações no país largará em dois meses a lanterna em faturamento anual com o mercado externo.
Os dados não deixam dúvidas sobre a origem da bonança. Os 11 primeiros produtos na lista de exportação do Centro-Oeste vêm do agronegócio e respondem por 85,79% de toda a receita com o comércio exterior. Parte dessa performance se deve a sucessos do Brasil em contendas internacionais. O país foi vitorioso dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC) na briga contra subsídios dos Estados Unidos ao algodão e de países europeus ao açúcar.
Liderando o G-20, grupo de países que se opõem a políticas defensivas norte-americanas e européias, o Brasil tem amenizado os obstáculos tarifários. Ainda assim, o agronegócio nacional paga para chegar a mesas de norte-americanos, europeus e japoneses sobretaxas que em alguns produtos ultrapassam 300%. E não há indícios de que o presidente norte-americano George W. Bush vá diminuir de forma espontânea a proteção a produtores que o ajudaram a conquistar o segundo mandato.
Outro estímulo dos últimos anos para o aumento nas exportações foram os preços de algumas commodities do agronegócio. A soja, responsável por quase metade das exportações do Centro-Oeste, chegou em 2004 a valores sem precedentes. Como outros produtos, no entanto, já demonstra retração. Números do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo, mostram que uma saca de 60 quilos de soja que em abril era embarcada no porto de Paranaguá (PR) valendo R$ 51,63 estava no dia 1o de novembro sendo exportada por R$ 34,21.
Para Geraldo Sant'Anna de Camargo Barros, coordenador do Cepea, essa tendência de queda na soja e em outras commodities vai continuar e terá reflexos. ''Da forma como se vê o cenário hoje, antecipa-se uma redução moderada das exportações'', afirma. Ele acredita que o mercado interno, em segmentos como de aves e suínos, absorverá o excedente de soja não exportada, ainda que isso não seja suficiente para uma recuperação do preço do produto, que continuará atrelado às cotações internacionais.
Estoques mundiais
Uma situação semelhante à da soja ocorre com o algodão. A recomposição de estoques mundiais, a grande safra norte-americana, a retomada de plantio pela Austrália e a diminuição de importações pela China derrubaram os preços internacionais, que hoje são dois terços do que eram no primeiro semestre. Nem isso desestimula plantadores do Mato Grosso- que, com uma colheita de 600 mil toneladas de pluma por ano, dão ao estado o título de maior produtor de algodão do país. Os 400 mil hectares voltarão a ser plantados em 2005. ''Não viemos aqui só para trabalhar nos anos bons'', diz Décio Tocantins, diretor-executivo da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão.
Aliadas à queda de preços e ao protecionismo de alguns países, as barreiras sanitárias têm sido outro obstáculo para os exportadores. Só neste ano, focos de febre aftosa prejudicaram a venda de carne, o uso de agrotóxicos afetou a exportação de soja e a doença conhecida como pinta preta reduziu o envio de laranja para outros países. A China suspendeu compras e a Rússia fechou em 21 de setembro as portas para a carne brasileira. A decisão dos russos chegou a morder um naco de 5% nas exportações da Só Frango, uma das três empresas do Distrito Federal que mais vendem para fora.
Mas o efeito é mais de um beliscão que de uma facada. No ano passado, o primeiro em que a avícola se lançou ao mercado externo, foram exportados US$ 2,5 milhões. Este ano, a previsão é fechar o balanço com US$ 18 milhões, a maior parte desse total originária de Hong Kong e de países árabes.
As exportações ajudaram a triplicar em quatro anos o número de empregos diretos, que já são 1,7 mil e vão aumentar.''Não se pode mais ser inocente e acreditar que as barreiras sanitárias não existem e não são usadas para reduzir a competição'', diz o catarinense Ricardo Brandalise, superintendente da Só Frango, que está transferindo para a empresa os conhecimentos que adquiriu em gigantes como a Perdigão e a Frangosul. ''Haverá dificuldades, mas nos preparamos para ser competitivos e enfrentá-las.''

Rota para o futuro
Estudo mostra que investimentos no agronegócio podem fazer da região a terceira em importância econômica do país
Solano Nascimento
Apedido da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), um grupo de 12 especialistas de quatro instituições distintas fez um estudo sobre as necessidades e potencialidades da Região Centro-Oeste. O resultado, um relatório de 140 páginas ao qual o Correio Braziliense teve acesso, é taxativo: se forem cumpridas algumas condições básicas, como criação de um pólo de produção de grãos e abertura de um corredor para o Oceano Pacífico, em 25 anos o Centro-Oeste será a terceira região em importância econômica do país.
Os pesquisadores convocados pela BM&F trabalham com a idéia de um Centro-Oeste ampliado, no qual estão Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Acre, Pará, Maranhão e Tocantins. É uma área de 3,9 milhões de quilômetros quadrados, que corresponde a 45,29% do território brasileiro e onde vivem 33,7% da população do país. A projeção do estudo é que, se forem feitos os investimentos necessários, essas nove unidades da Federação (que em 2000 concentravam 10,4% do PIB brasileiro) chegarão a 2010 com uma fatia de 13,5% e a 2030 com 13,7%. Uma participação só menor que a do Sul e a do Sudeste.
Entre as condições necessárias para esse crescimento, os pesquisadores apontam a necessidade de criação na região de um pólo para aumentar a plantação, principalmente de soja e milho. Outros produtos do agronegócio, como carne e madeira, também devem ser estimulados.
A produção reforçada do Centro-Oeste seria escoada via Pacífico para mercados em expansão do leste asiático, onde já existe 1,8 bilhão de pessoas e haverá outros 500 milhões até 2030. O corredor é importante porque tarifas portuárias do Pacífico são mais baixas que do Atlântico e a saída de cargas de lá para a Ásia, por conta da proximidade, barateia o frete.
Além disso, o corredor mexeria com a estrutura econômica brasileira, que tem a espinha lastreada pelo Oceano Atlântico, e seria determinante para o desenvolvimento do Centro-Oeste. ''Nesse ponto, a importância do corredor é irrefutável'', diz José Vicente Caixeta Filho, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do estudo da BM&F.
O levantamento dos pesquisadores mostra diversas alternativas de rotas rumo ao Pacífico, entre as quais uma ao Norte, a partir do Mato Grosso, e outra ao Sul, ligando o Mato Grosso do Sul ao Chile. Dá para utilizar também rodovias, hidrovias e ferrovias. O estudo deixa claro que a criação do caminho para o Pacífico e as outras sugestões precisam ser acompanhadas de enormes cuidados com danos ambientais - como a substituição do uso de energia por formas renováveis, a proteção de florestas e a redução do ritmo de desmatamento.
As conseqüências para a economia e população da região da combinação de um corredor com o aumento na produção e exportação podem ser enormes, segundo as projeções do estudo. Algumas delas: aumento até 2010 de 19,56% no número de empregos no campo, ampliação da área agrícola em 7,5 milhões de hectares, acréscimo de 41 milhões de toneladas na produção de grãos, alívio da pressão sobre a floresta amazônica e áreas metropolitanas e deslocamento do eixo migratório do sentido Norte-Sul para o sentido Leste-Oeste.
Diante de todas essas previsões, Caixeta acredita que autoridades e investidores não se deram conta do potencial das mudanças porque, muitas vezes, não olham o futuro além do fim de mandatos ou só buscam lucros a curto prazo. ''É um tipo de visão que tem perdurado por um bom tempo e este é o momento de mostrarmos que é preciso pensar para frente'', diz o pesquisador.
A aparente audácia das conclusões do estudo está calcada em números e tendências já bastante visíveis. A região, que em 1950 detinha menos de 1,5% do PIB brasileiro, começou a ter sua economia redesenhada ao longo das décadas de 60, 70 e 80, principalmente a partir da construção de Brasília. Em 1985, a fatia do Centro-Oeste no PIB já equivalia a 4,81%. Continuou crescendo e atingiu 6,95% no ano de 2000, um crescimento de quase 50% em 15 anos. No mesmo período, a participação da Região Sul no PIB quase não cresceu e, nas regiões Nordeste e Sudeste, a oscilação não chegou a 10%.
A força motriz do desenvolvimento do Centro-Oeste, o agronegócio, também está em clara ascensão. Levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP, mostra que a participação do agronegócio no PIB brasileiro passou de 27,65% em 1997 para 30,81% no ano passado. E não se fala mais em agronegócio sem citar a região.
''O Centro-Oeste é a grande fronteira do agronegócio do país'', diz Gervásio Rezende, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e autor do livro Região e espaço no desenvolvimento agrícola brasileiro. O crescimento dos últimos anos já transformou Mato Grosso no maior produtor brasileiro de soja e algodão. ''O futuro do agronegócio está nesta região'', comemora Clóvis Vettorato, secretário de Projetos Estratégicos do Mato Grosso. E o presente também não é nada desprezível.

Uma safra de vagas
Campo e industrias de alimentos ajudam a amenizar o problema da oferta de emprego e criam ilhas na região
Há quatro anos, quando inaugurou a unidade de Rio Verde, em Goiás, a Perdigão empregou 1,2 mil pessoas. No mês de maio, a empresa aproveitou a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas instalações para anunciar a contratação do empregado número 5.000 na cidade. Hoje já são 5.775 funcionários, o número continuará subindo e os planos vão além. Satisfeita com o resultado do trabalho na Região Centro-Oeste, a Perdigão começa a construir no próximo ano sua segunda unidade goiana, dessa vez em Mineiros, que tem tudo para seguir Rio Verde na transformação em ilha de pleno emprego.
A unidade local consumiu R$ 700 milhões de investimento e tem capacidade para gerar um faturamento de R$ 1 bilhão neste ano. Ali são produzidos salsichas, lingüiças e cortes de aves e suínos. Parte dos funcionários são migrantes de outras cidades e estados, já que - é isso mesmo! - Rio Verde não tinha desempregados suficientes para atender a demanda.
O aproveitamento de trabalhadores da região impediu que funcionários da fábrica desativada pela Parmalat no começo do ano em Santa Helena, nas proximidades de Rio Verde, ficassem sem salário. ''Aqui damos cursos para aperfeiçoamento de mão-de-obra e temos vagas mesmo para quem não possui qualificação'', avisa Weder Nunes, responsável pela contratação de funcionários para a unidade de Rio Verde.
Dados animadores
A participação do agronegócio na criação de postos de trabalho e na redução dos níveis de desemprego é animadora. Dados do Departamento de Economia da UnB mostram que, nos últimos 12 meses, o número de postos de trabalho na agricultura cresceu 8,42%. E que na indústria de produtos alimentícios subiu 10,59%. Juntos, os dois ramos abriram 247 mil novas vagas no país. O setor de serviços, de características bem urbanas, cresceu 4,83%. O do comércio varejista, por sua vez, subiu 6,97%.
É possível observar também o comportamento distinto do emprego em um estado da região como o Mato Grosso, um dos líderes do agronegócio no país, onde a ocupação cresceu 9,96%. No urbanizado estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o incremento foi só de 4,51%. Em estados como Minas Gerais e Paraná, onde há pesquisas distintas para taxas de ocupação em regiões metropolitanas de capitais e no interior, também dá para perceber o peso do campo. O crescimento no entorno da capital paranaense do emprego foi de 5,89%, mas no interior chegou a 8,62%. Em Minas, foi de 5,70% na região metropolitana de Belo
Horizonte e 8,18% no interior. ''O emprego formal está sendo muito influenciado pelo agronegócio'', analisa Carlos Alberto Ramos, professor da UnB que pesquisa o mercado de trabalho.
Ele confirma que a média salarial alta do agronegócio na região está atraindo mão-de-obra de outras partes do país. ''Quem sai do interior do Nordeste para vir trabalhar aqui acaba ganhando muito mais.''
A esperança é que o desenvolvimento do agronegócio e a elevação dos salários possam melhorar a renda média dos trabalhadores da região. Dados do IBGE revelam que 48,1% das famílias com rendimento no Centro-Oeste ganham menos de um salário mínimo per capita. A desigualdade de renda na região também assusta e é superior à média nacional. Com exceção do Espírito Santo, todos os estados das regiões Sul e Sudeste, nas quais o agronegócio também é forte, distribuem melhor a renda que o Distrito Federal e os três estados do Centro-Oeste.

PPPs caipiras
Governadores e produtores rurais exercitam a parceria público-privada juntos, tiram do papel projetos que ampliam a produção agrícola e facilitam o escoamento
Solano Nascimento
Moradores do interior do Mato Grosso já se acostumaram com uma espécie de construção de estradas em dois turnos. Primeiro, uma associação de produtores rurais reúne recursos e providencia a construção do sistema de drenagem, preparação de acostamento e de toda a infra-estrutura necessária à via. Aí entra o governo do estado, e deposita sobre o leito a capa asfáltica. No final do processo, a região beneficiada festeja a nova rodovia.
Esse sistema de união de esforços e recursos de empresários rurais e governo do estado, que no Mato Grosso já foi apelidado de PPP caipira, é uma das alternativas buscadas no Centro-Oeste para conseguir, a um só tempo, melhorar as chances de aumento e o escoamento da produção agrícola. Sem exaurir cofres públicos e deixar áreas como saúde e educação em descoberto. A parceria mato-grossense começou a abrir estradas em maio do ano passado. De lá para cá, já produziu 1,3 mil quilômetros de rodovias e tem hoje 43 frentes de trabalho em ação. O melhor de tudo: o preço de construção por quilômetro foi reduzido em dois terços. O agronegócio, que é o negócio do Mato Grosso, depende fundamentalmente de logística de transporte para escoamento da produção, explica Clóvis Vettorato, secretário de Projetos Estratégicos do estado.
Contente com o resultado do trabalho em dupla, o governo está incentivando contatos entre produtores rurais do estado e empresários do pólo industrial de Manaus para tentar bancar projetos mais audaciosos, como a recuperação de rodovias federais que facilitem o escoamento da safra. O processo depende, também, de acertos com o governo federal. Se der certo, vai permitir uma economia de 30% no frete.
A idéia da parceria com produtores rurais atrai, também, o governo do Mato Grosso do Sul, que já encomendou um estudo dos gargalos e quer, no próximo ano, ter um mapa das prioridades para apresentar aos empresários, em busca de apoio. ''Tenho certeza que poderei contar com eles'', diz Benedito Mário Lázaro, superintendente de Agricultura e Pecuária do estado. Enquanto monta suas próprias PPPs, o governo sul-mato-grossense dá incentivos para a ampliação da área agrícola.
O produtor que comprovar ter retomado o plantio em áreas abandonadas, pode conseguir reduções no ICMS, que vão de 50% a 75%, conforme a destinação do que for colhido. E quem mandar para fora, economiza mais impostos. O governo calcula que o estímulo foi o responsável pela ampliação em 1,4 milhão de hectares na área de plantio de soja. Em Goiás, o governo do estado também usa redução de impostos para incentivo ao agronegócio, beneficiando principalmente a indústria de alimentos.
Cinturão agrícola do DF
Apesar de pouca gente fora do Distrito Federal ter conhecimento, a capital é cercada por um cinturão de 18 mil propriedades rurais, das quais 80% tem menos de 20 hectares. Só que, enquanto os vizinhos do restante do Centro-Oeste se entusiasmam com a idéia de chegar à mesa de chineses e russos, a maior parte dos produtores do DF se contentaria com a idéia de conseguir abastecer toda a população local - feito já conquistado na área de hortaliças e que pode vir a ocorrer também numa frente muito nova de demanda: a dos produtos orgânicos.
Trata-se de um filão promissor. Dados da Federação Internacional de Agricultura Orgânica, mostram que o setor movimentou no ano passado US$ 28 milhões a US$ 100 milhões só no Brasil. Uma população esclarecida, com níveis altos de instrução e renda, como a de Brasília, é o consumidor dos sonhos dos agricultores orgânicos.
De olho nesse potencial, o governo do Distrito Federal dá cursos de capacitação de mão-de-obra do setor e estimula a criação de postos de venda dos produtos orgânicos, que já chegam a 40. Entre 2001 e 2003, a produção saltou de 1,4 mil para 2,7 mil toneladas e a área destinada aos orgânicos duplicou. ''A demanda é grande porque a preocupação com o respeito ao ambiente aqui é forte'', diz o engenheiro agrônomo Renato de Lima Dias, do Pró-Rural.

Potencial exportador
Carlos Alberto Jr.
A entrada em operação do Porto Seco do Distrito Federal, no final de julho, começou a consolidar a região como um dos principais pontos de distribuição de mercadorias do país. A posição geográfica estratégica do DF, com acesso rápido ao aeroporto, eqüidistante dos principais mercados e malha viária de qualidade, vai garantir boa performance em logística aos grupos com negócios no Centro-Oeste.
Entre os argumentos para convencer as empresas a importar por Brasília, estão a localização da cidade e o benefício financeiro. O Governo do Distrito Federal financia até 70% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) relativo às importações com prazo de pagamento de 15 anos. Uma das vantagens do Porto Seco é a taxa de armazenamento, cerca de 25% mais barata do que a cobrada pela Infraero no aeroporto de Brasília. Até o fim do próximo ano, a meta é que o porto concentre em torno de 30% das importações do DF, atualmente em US$ 500 milhões anuais.
Em pouco mais de 90 dias, as 18 empresas com contratos assinados com o Porto Seco já despacharam US$ 23 milhões em mercadorias pelo local. A expectativa é que, em 24 meses, o volume de clientes permita o fretamento de vôos charter com produtos do exterior direto para Brasília. ''Seremos uma porta de entrada para o Brasil'', diz Lípel Custódio, consultor de marketing do Porto Seco. Os principais produtos recebidos são farmacêuticos, eletroeletrônicos, autopeças, motores e equipamentos industriais.
A idéia também é percorrer o caminho inverso. Produtores de hortaliças e frutas, criadores de aves e fabricantes de móveis da região serão estimulados pelo Governo do Distrito Federal a exportar seus produtos a partir do Porto Seco. Para isso, ainda será necessário aprimorar mecanismos de financiamento ao comércio exterior.

Ampliando fronteiras
Em 2005, o governo vai concluir licitação para as obras da BR-163, criando um corredor de exportação de 1,3 mil quilômetros entre 67 municípios
Carlos Alberto Jr.
Com cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, a Região Centro-Oeste prepara-se para ampliar sua fronteira agrícola. Isso será possível a partir de julho do próximo ano, quando o governo federal espera concluir o processo de licitação para o início das obras de um trecho de 1.340 quilômetros da BR-163. A recuperação do trajeto entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA), vai criar um corredor de exportação para, pelo menos, 67 municípios espalhados numa área de 971 mil quilômetros quadrados,no caminho entre os dois estados.
A malha rodoviária da região da BR-163 é quase inexistente. A maior parte não possui cobertura asfáltica e nem permite o tráfego de veículos em vários trechos - principalmente durante o período das chuvas. Na área de influência da rodovia, empresas locais, em geral madeireiras, abriram cerca de 24 mil quilômetros de estradas ilegais. A maior parte com invasão de áreas florestais. O custo inicial previsto para o projeto é de R$ 810 milhões. Ao final dos três anos de duração das obras, o Ministério dos Transportes estima uma redução entre 25% e 30% no custo do frete rodoviário para as cargas que saem do Mato Grosso em direção ao Porto de Paranaguá (PR), hoje variando entre R$ 70 e R$ 100 por tonelada. A ausência de infra-estrutura - e de uma rodovia trafegável na região da BR-163 - é uma das principais razões da estagnação local. A agroindústria não se desenvolve ali porque não há estradas.
O governo não investe porque não há empresas. A licitação e a recuperação da BR-163 vão permitir o surgimento de oportunidades de negócios e, de certa forma, garantir a presença oficial numa área com um processo de ocupação irreversível e desordenado.
Riscos
A expectativa de pavimentação do trecho Cuiabá-Santarém, aberto na década de 70, provocou problemas sociais e ambientais ao longo dos últimos 30 anos. Abandonada pelo estado,a região é caracterizada pela posse irregular da terra e aumento da violência no campo.
Organizações não-governamentais acreditam que as obras na BR-163 vão agravar os problemas. Para o governo, deve acontecer o contrário. Com o aumento do fluxo de carga na rodovia, unidades da Polícia Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e outros órgãos começarão a ser instalados ao longo da estrada, garantindo a presença oficial que nunca existiu.''Essa obra deverá ser uma marca do governo, porque vai tentar estabelecer a ordem numa região com um histórico de abandono'', diz José Maria da Cunha,assessor da Secretaria de Gestão de Programas do Ministério dos Transportes.
Com a conclusão da obra, prevista para 2008, os produtores do norte do Mato Grosso e oeste do Pará terão acesso às hidrovias formadas pelos rios Tapajós e Amazonas. Além de facilitar o transporte fluvial de cargas até Belém (PA) ou Santana (AP), será a melhor alternativa para escoar a produção de grãos do Mato Grosso e do Pará para os mercados da Europa e Ásia.
Hoje, os exportadores precisam levar as mercadorias até os portos do Sudeste. Se a BR-163 estivesse em condições de absorver o fluxo de veículos e garantir o transporte da carga até os portos da Região Norte, a distância percorrida pelos caminhões seria encurtada em cinco mil quilômetros.
O mesmo acontece com as indústrias da Zona Franca de Manaus. Os produtos vendidos nas demais regiões do país e exportados para Argentina e Uruguai, levam entre nove e onze dias para chegar aos destinos. Os caminhões saem de Manaus, passam por Belém,Anápolis (GO) e São Paulo, de onde são distribuídas as mercadorias. A BR-163 diminuiria a viagem entre três e quatro dias. Fabricantes do Amazonas estimam que,em um ano, os ganhos com capital de giro e a redução do custo do frete pago pelos cinco mil caminhões que percorrem o trajeto todos os meses,cairia em R$ 70 milhões.

Corredor ferroviário bioceânico
Os projetos brasileiros de integração física com os demais países da América do Sul são antigos. Esbarram sempre na falta de recursos e na instabilidade política e econômica da região. A longo prazo, uma idéia que seduz o governo é a do corredor ferroviário bioceânico entre Brasil, Bolívia Argentina e Chile. São mais de quatro mil quilômetros partindo do Porto de Santos (SP) até o de Antofagasta, no Chile. Entre os dois pontos, os trens passariam por Corumbá (MS), Santa Cruz de La Sierra (Bolívia),Yacuiba/Pocitos, na fronteira entre Bolívia e Argentina, Pichanal, Guemes, Salta e Socompa - todos na Argentina -,Vitória e Palestina, ambos no Chile. Além do transporte de carga com destino aos países asiáticos, a ferrovia poderá ser utilizada para o desenvolvimento do turismo sul-americano.

O que limita o crescimento
Solano Nascimento
Há uma clara dicotomia entre o que se vê do lado de dentro da porteira de fazendas do Centro-Oeste e o que está do lado de fora. Na propriedade, há colheitadeiras computadorizadas, pesquisadores experimentando novas técnicas e empresários acompanhando a oscilação de mercados internacionais via satélite. Na parte de fora, rodovias intransitáveis, portos lentos e caros e estradas de ferro e hidrovias sem investimentos, limitando o crescimento do agronegócio. A precariedade do sistema de transporte e a dificuldade de escoamento da produção são hoje as maiores preocupações de produtores. Um levantamento feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 11.052 quilômetros de estradas na Região Centro-Oeste encontrou 1.158 quilômetros em estado péssimo e outros 3.035 deficientes. A classificação de ótimo só foi atribuída a trechos que somam 533 quilômetros, menos de 5% do total. Das 24 rodovias federais analisadas, duas - as BRs 158 e 419 - ganharam o conceito ruim e outras 19 conquistaram o deficiente.
''As rodovias são uma calamidade'', diz José Hélio Fernandes, presidente da Federação Interestadual das Empresas de Transporte de Cargas. ''Há muitos lugares em que o trecho não pode ser mais restaurado, precisa ser totalmente refeito.'' As condições das estradas aumentam de 30% a 40% o consumo de óleo diesel e desgastam muito mais rapidamente pneus, molas e amortecedores. Além disso, é muito mais fácil roubar uma carga de um caminhão que está se arrastando em uma estrada esburacada que de outro livre para rodar. O transporte rodoviário é o que mais preocupa porque é por ele que a maior parte da produção brasileira é escoada. No caso da soja, por exemplo, 67% do transporte é feito em rodovias. Nos Estados Unidos, as barcaças, muito mais baratas, carregam 61% da produção do cereal. A Argentina, que disputa com a soja brasileira o mercado internacional, também é muito dependente do transporte rodoviário, só que lá as fazendas estão em média a 200 quilômetros de cada porto, enquanto no Brasil a distância é 1,2 mil quilômetros.
Poucas ferrovias
A falta de investimento também é escassa nas ferrovias. Produtores do Mato Grosso adorariam despachar mais vagões pela Ferronorte, mas não há indícios fortes de que vão aparecer os R$ 600 milhões necessários para retomar as obras da ferrovia e construir mais 220 quilômetros de trilhos entre Alto Araguaia e Rondonópolis. As hidrovias brasileiras ainda são quase insignificantes, e portos como os de São Luís, no Maranhão, e Santos, em São Paulo, que recebem grande parte da produção do Centro-Oeste, precisam de investimentos para conseguir aumentar sua capacidade. Pesquisa feita pela revista Exame com 148 líderes do agronegócio nacional confirmou que a falta de investimentos em infra-estrutura é considerada o principal obstáculo para o desenvolvimento do setor.
Por causa desse rosário de problemas, o custo do transporte da safra brasileira é muito mais alto que em outros países, o que dificulta a briga por exportações. Segundo dados da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o transporte de uma tonelada de soja no Brasil sai por US$ 28.
Nos Estados Unidos o custo é de US$ 15 e, na Argentina, de US$ 14. A diferença nos valores gastos com transporte faz com que um sojicultor do Mato Grosso ganhe na prática US$ 33,82 a menos por tonelada que um concorrente argentino. ''Se não estivesse perdendo isso, o agricultor mato-grossense poderia estar investindo ainda mais na produção'', diz Getúlio Pernambuco, chefe do Departamento Econômico da CNA.

Memória
O comércio na região é basicamente de subsistência. Não há grandes propriedades e a péssima qualidade das estradas encarece o preço dos produtos. Segundo dados do censo de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população na área de influência da BR-163 era de 1,7 milhão de habitantes, dos quais 726 mil vivem na área rural. A maior parte (61%) situa-se no Pará, seguida de Mato Grosso (29%) e Amazonas (10%). A densidade demográfica é de 1,79 habitante por quilômetro quadrado, abaixo da média brasileira de 20 habitantes por quilômetro quadrado.

A cota de Brasília
Apoio do governo federal ao agronegócio prevê investimentos em infra-estrutura e pesquisa recriação da superintendência de desenvolvimento do Centro-Oeste é aposta para desenvolver a região
A intervenção e participação do governo federal no agronegócio oscilaram muito nas últimas décadas ao sabor dos governantes e das prioridades da vez. Hoje, apesar de todo o desenvolvimento já conquistado, o agronegócio ainda espera - e precisa - do apoio de Brasília para manter o ritmo de crescimento e dar a contrapartida ao país. Criação de uma infra-estrutura que garanta a produção e seu escoamento e o desenvolvimento de pesquisas que tornem os produtos brasileiros melhores e mais competitivos fazem parte da cota do governo federal. Na segunda metade do século passado, nenhuma política do Palácio do Planalto mexeu tanto com o agronegócio do Centro-Oeste quanto a de preços mínimos.
Foi com ela que o governo federal lotou armazéns com grãos comprados de produtores rurais para que eles não tivessem prejuízo. Vista em perspectiva, essa política encontra análises distintas. ''Foi um grande incentivo para a garantia de mercados'', elogia Getúlio Pernambuco, chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). ''O papel do Estado no processo do desenvolvimento brasileiro sempre foi muito importante.''
O pesquisador Gervásio Castro de Resende, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), fez um estudo sobre as conseqüências da política de preços mínimos para a Região Centro-Oeste e concluiu que a iniciativa foi boa a curto prazo, mas danosa a médio e longo. Essa política, segundo ele, gerou, por exemplo, a perpetuação por anos de arroz de baixíssima qualidade, que continuou sendo plantado por ter preço garantido, e impediu que avícolas se transferissem para a região enquanto o milho era mantido com valores artificialmente elevados. ''O governo exagerou na dose'', diz Resende. A CNA e o Ipea concordam, no entanto, que hoje a maior contribuição do governo federal deve ser na garantia de infra-estrutura. ''Está caótica'', diz Pernambuco, que espera uma participação efetiva do governo nas áreas de transporte e armazenagem. Resende acrescenta a necessidade de maiores investimentos federais na área de pesquisa, à qual atribui grande parte do êxito do agronegócio nos últimos anos. ''O Brasil conseguiu expandir a área e aumentar a produtividade ao mesmo tempo, o que é uma coisa ímpar'', festeja o pesquisador.
Nova Sudeco
Um outro papel para o governo federal no desenvolvimento do Centro-Oeste é debatido no Congresso Nacional. Está terminando a rodada de audiências públicas para discussão do projeto que cria a Superintendência de Desenvolvimento Sustentável do Centro-Oeste (Sudeco), que pelo desenho atual deverá garantir financiamento com taxas de juros mais baixas e redução de impostos para a região. Os quatro governadores que serão beneficiados e o Ministério da Integração Nacional estão empenhados, e há chances de o projeto estar pronto para tramitar no começo do próximo ano. A partir daí, o maior desafio será convencer as bancadas de outros estados, quase todas maiores que as do Centro-Oeste, da importância da criação da Sudeco.
''Adotamos uma estratégia de convencimento para mostrar que outras regiões só chegaram aos estágios atuais graças a incentivos'', afirma Luiz Ernesto Antunes de Oliveira, assessor especial da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal.
Ele diz que parlamentares nordestinos acham que o Centro-Oeste já é desenvolvido, enquanto deputados e senadores sulistas vêem a região como beneficiária de políticas de incentivo. ''Para o Nordeste nós somos o Sul, e para o Sul, somos o Nordeste'', reclama Oliveira.
O objetivo do Ministério da Integração é garantir à Sudeco um papel de formulador das estratégias de desenvolvimento para os estados do Centro-Oeste Isso só será possível com dinheiro e força política. Se for aprovada pelo Congresso, a autarquia vai absorver a estrutura da Secretaria de Desenvolvimento do Centro-Oeste, do Ministério da Integração, e os recursos por ela administrados. São R$ 1,4 bilhão do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) e outros R$ 1 bilhão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Existe ainda a possibilidade de a Sudeco vir a receber recursos orçamentários, atualmente destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).
Segundo o secretário de Desenvolvimento do Centro-Oeste, Athos Magno Costa e Silva, o governo propôs, no projeto da reforma tributária em discussão no Congresso, que 2% do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) fossem destinados às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Durante as discussões, o dinheiro acabou transferido para o controle dos governadores dos estados. O objetivo agora é reverter esse quadro e garantir uma destinação específica para os fundos constitucionais das regiões. Para a Sudeco, a medida representaria um reforço de caixa de R$ 900 milhões.
Os recursos da Sudeco serão destinados ao financiamento da atividade produtiva dos setores industrial, agroindustrial, agropecuário, mineral, turístico, comercial e de serviços. Até meados do ano passado, cerca de 85% do dinheiro ia para empreendimentos de médio e grande portes. Uma resolução do conselho deliberativo do FCO determinou que 51% dos recursos devem ir, obrigatoriamente, para mini e pequenos produtores rurais e pequenos empresários. Para garantir a força política da Sudeco, um conselho formado pelos governadores, empresários, trabalhadores e prefeitos do Centro-Oeste vai se reunir regularmente para sugerir e avaliar as estratégias de atuação da superintendência.
''O desafio do governo é promover o desenvolvimento econômico e social entre as regiões de forma sustentável'', avalia Costa e Silva.

Antes infértil, agora celeiro
Há quatro décadas, o cerrado era visto como uma região estéril e inóspita mas os cientistas transformaram a paisagem
Danielle Romani
Tudo é superlativo no cerrado. Tem 139 milhões de hectares de terras aráveis, com apenas 14 milhões efetivamente usadas.
Produziu 29 milhões de toneladas colhidas na última safra, ou 58% da produção total brasileira. E é responsável pela produção de 58% da carne bovina, além de 48% da produção de café. Não era assim há quatro décadas, quando as terras do cerrado eram consideradas improdutivas. E tal milagre só foi possível graças ao fato de a região ter sido submetida, e reagido bem, a diversos processos tecnológicos. Para que o cerrado saísse da condição de terra infértil e se transformasse no que os especialistas chamam de celeiro do futuro, foram necessários alguns anos de estudos, pesquisas e adoção de tecnologias apropriadas à região. O mérito deste trabalho deve-se, em grande parte, à atuação dos técnicos e cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), principalmente aos seus braços Embrapa Cerrados e Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, a Embrapa Cenargen. O primeiro acerto da Embrapa deu-se com a correção do solo do cerrado, que, por ser muito ácido e arenoso e apresentar PH baixo, não permitia que as plantas absorvessem os nutrientes necessários ao pleno desenvolvimento. De quebra, a região possuía fartas minas de calcário.
''Graças a essas jazidas não precisamos exportar nem fósforo nem calcário'', observa Roberto Teixeira Alves, gerente-geral da Embrapa Cerrados.
A excelente adaptação da soja ao ecossistema do cerrado também teve um empurrãozinho da Embrapa. Há 15 anos, para cultivar soja era necessário adicionar nitrogênio ao canteiro da planta, o que só era possível a partir da importação do adubo químico nitrogenado - e isso onerava a produção. ''A partir de pesquisas, descobrimos que a bactéria risobium, misturada a sêmula durante o plantio, provocava o mesmo resultado. E o melhor: é baratíssima e não causa danos ao meio ambiente'', diz Roberto Alves. Desde a introdução da técnica, o Brasil economiza US$ 3 bilhões de dólares por ano, antes gastos na importação do nitrogênio.
Outro produto oferecido pela Embrapa à região é o mapeamento da época de plantio, como o realizado no ano passado para o estado de Goiás. ''Monitoramos o uso da terra e o nível pluviométrico do período, mostrando em que meses os solos estavam aptos a receber plantio, em que meses isto era desfavorável'', conta Alves.
Para se ter idéia do benefício causado, basta dizer que até as seguradoras lucraram com os estudos. Em Goiás, por exemplo, há seis anos os bancos pagaram aos agricultores do estado R$ 637 milhões, relativos ao seguro por perdas na safra. Em 2003, este valor baixou para R$ 34 milhões.
Melhoramento genético
A Embrapa Cenargen foi outro parceiro decisivo no desenvolvimento do agronegócio da região. Criada em 1974, é o núcleo responsável, entre outros trabalhos, pelo desenvolvimento de materiais a partir de recursos genéticos, biotecnologia, controle biológico e segurança biológica.
''Podemos dizer que cumprida a etapa de melhoramento e correção do solo do cerrado, o passo seguinte para a explosão do agronegócios, foi o melhoramento genético das sementes e dos embriões de animais desenvolvidos para a região'', diz José Manuel Cabral de Souza Dias, gerentegeral da Embrapa Cenargen. ''Além das tecnologias de reprodução animal, com a transferência de embriões, a partir da produção in vitro, pudemos melhorar o rebanho regional'', explica o especialista. Ele lembra que praticamente todo o gado do cerrado é zebu e que, graças ao trabalho desenvolvido, apresenta boa qualidade de carne, bom nível de produtividade por hectare e boa relação custo-benefício. A tecnologia desenvolvida pela Cenargen está à altura das melhores do mundo. Foi nos laboratórios da empresa que se realizou a clonagem e produção da vaca Vitória, e da sua filha Vitoriosa, primeiro clone de um clone da América do Sul. Glória, filha natural de Vitória, nascida há dois meses, também passa bem. Lenda, um clone produzido a partir de um animal morto, também foi outro marco da instituição.
''Vitória é uma vaca perfeita, completou três anos e não apresenta as degenerações constatadas na ovelha Dolly, apesar da sua filha Vitoriosa, também um clone, ter morrido aos quatro meses devido a problemas de pressão alta'', diz Cabral. A Embrapa também não teve qualquer problema com Glória, que se comporta como qualquer bezerra normal. ''Nossos objetivos com a clonagem são muitos, inclusive a possibilidade de recuperar raças de animais em perigo de extinção'', explica. A empresa também trabalha com a possibilidade de produzir animais de alta linhagem, vacas com alta produção de leite, acelerando o melhoramento do rebanho regional.

Projetos
Vitória, lenda e glória
A vaca Vitória nasceu em 2001,após 7 anos de pesquisas. Foi o primeiro clone da América do Sul. Em 2003,a partir de células do ovário de uma vaca morta, nasceu Lenda. Em fevereiro de 2004, nasceu Vitoriosa, filha de Vitória,clone de clone,colocando o Brasil na vanguarda da tecnologia mundial. Glória é filha de Vitória e foi concebida normalmente.
Projeto genoma café
Uma parceria entre dezenas de instituições científicas permitiu a conclusão do primeiro seqüenciamento mundial do genoma do cafeeiro,construindo um banco de dados com 200 mil seqüências de DNA da planta. E a identificação de mais de 30 mil genes responsáveis pelos diversos mecanismos de crescimento e desenvolvimento da cultura. A pesquisa é inédita no mundo.
Biorreator
O equipamento é usado para acelerar o nascimento de mudas e incrementar a quantidade e a qualidade delas. Evita doenças, uniformiza a produção e garante a qualidade. Pode ser licenciado para os que queiram utilizar a tecnologia.
Clonagem de animais transgênicos
O trabalho foi iniciado em 2003.Tem como meta a produção de proteínas e materiais de valor agregado,principalmente para uso farmacológico. Trabalham,hoje,com um projeto de clones para criação de uma vaca que produza hormônio de crescimento humano no leite. Quem necessita do hormônio no Brasil, gasta mensalmente cerca de R$ 2 mil. A idéia é oferecer à população a preços baixos.
Transgênicos nacionais
Com produção e consumo liberado nos Estados Unidos e Argentina, os organismos geneticamente modificados (OGMs), mais conhecidos como transgênicos, são uma questão espinhosa em território nacional. Ecologistas e ambientalistas são contra sua comercialização, alegando que ninguém conhece os riscos e os efeitos que eles podem provocar à saúde humana e ao meio ambiente.
Produtores e grande parte dos cientistas nacionais retrucam, reclamando da demora na aprovação da Lei de Biossegurança Nacional, às vésperas de ser apreciada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Polêmicas à parte, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária é pioneira na obtenção de material genético, e vem desenvolvendo dezenas de trabalhos de pesquisa e desenvolvimento de plantas transgênicas nos últimos anos. Confira as pesquisas desenvolvidas.

Produtos pesquisados pela Embrapa
Alface
A planta desenvolvida contém um gene resistente ao fungo Sclerotinia, que pode causar podridão nas folhas da verdura.
Feijão
Plantas transgênicas vêm sendo desenvolvidas desde 2000, para obter resistência ao vírus do mosaico dourado, pior inimigo do feijoeiro na América do Sul.
Batata
Estão sendo desenvolvidas variedades transgênicas de batatas resistentes ao vírus do enrolamento de folhas.
Mamão
Estão sendo desenvolvidas plantas transgênicas de mamão resistentes ao vírus da mancha anelar, pior inimigo da cultura em nível mundial.
Tomate
Foram iniciadas pesquisas para transformar o tomate resistente ao grupo de geminivírus, uma das piores pragas desta cultura.
Algodão
Estão em desenvolvimento plantas transgênicas para resistência a herbicidas, insetos, doenças fúngicas e bacterianas.
Soja
Além das variedades para resistência a herbicidas, que já estão desenvolvidas e prontas para serem testadas no campo, existem outros projetos em andamento.
Tolerância à seca
Foram iniciadas pesquisas para o desenvolvimento de plantas de soja tolerantes à seca.

Meio termo ou nada
O desenvolvimento sustentável precisa chegar de forma efetiva ao agrobusiness para impedir danos ambientais e econômicos
Solano Nascimento
Oagronegócio da Região Centro-Oeste passeia por recordes históricos, ladeado por duas correntes que se digladiam. Uma delas parece muito preocupada com ganhos imediatos e pouco com a manutenção de recursos naturais.
A outra às vezes esquece que a perpetuação do ambiente não pode ser dissociada da sobrevivência econômica de quem produz. Enquanto a briga segue com argumentos repetitivos, alguns indicadores mostram que a expressão 'desenvolvimento sustentável' precisa deixar de ser só um enfeite de discursos para que a bonança agrícola não seja seguida por prejuízos ambientais e econômicos. A pendenga coloca de lados opostos os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, divide parlamentares e transforma lideranças rurais e ambientalistas quase em inimigos. ''O Estado é muito moroso em termos ambientais e o princípio da precaução tem emperrado o desenvolvimento'', reclama João Sampaio, presidente da Sociedade Rural Brasileira. Para exemplificar, diz que há diversas áreas no Mato Grosso que cumprem todos os pré-requisitos para derrubada de matas, mas não conseguem a autorização do governo federal. ''É um entrave brutal.'' Antônio Hummel, diretor da Área de Florestas do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), se queixa de produtores rurais que querem ampliar as áreas permitidas para desmatamento e diz que o órgão apenas está cumprindo a legislação. ''Uma autorização para desmatamento requer uma análise apurada'', afirma.
É fato conhecido que o Ibama, a exemplo de vários outros segmentos governamentais, peca muitas vezes pela falta de agilidade, mas isso não significa que a precaução possa ser dispensada. Pelo contrário. No meio das 395 páginas da publicação Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, divulgada há duas semanas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há números preocupantes em relação à preservação ambiental no Centro-Oeste. Dados de 2001 mostravam que a região era líder no uso de agrotóxico, com o consumo médio de 17,71 quilos por hectare. A média nacional é de 3,13 quilos. Ainda que o aperfeiçoamento desses produtos esteja reduzindo sua toxicidade, o consumo tem sido crescente, abrindo brechas para contaminação de alimentos e degradação ambiental.
Recorde de queimadas
O estudo mostra ainda que, entre 1998 e 2003, a região bateu o recorde de queimadas e incêndios florestais do país em quatro anos e ficou em segundo lugar nos outros dois. Só no ano passado foram 65,5 mil focos. Parte disso se deve ao fato de que na maioria das propriedades rurais da região o lixo é queimado ou enterrado. Em estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, entre 25% e 70% do lixo rural já é coletado.
Indicadores assim reforçam a idéia de que os cuidados com o ambiente devem acompanhar o desenvolvimento do agronegócio. Acompanhar não quer dizer se opor a ele. A idéia de conciliar o crescimento econômico com a proteção ambiental nada tem de nova, mas pouco ainda tem de real. ''O cerrado é um ecossistema muito delicado, frágil em termos de equilíbrio, e se isso não for observado o boom do agronegócio vai ser efêmero'', diz Antônio Carlos Félix, coordenador do Núcleo de Apoio à Competitividade e Sustentabilidade da Agricultura - que funciona desde 1997 graças a uma parceria entre o CNPq e a UnB. ''Acontece que o ônus da preservação não deve recair apenas sobre o produtor.'' O que o núcleo vem defendendo é a criação de incentivos, como a redução de impostos, para os produtores m a n t e r e m áreas preservadas. Os pesquisadores também preferem desenvolver técnicas de recuperação de áreas devastadas a avançar sobre novas fronteiras. Outra idéia é fazer complexos estudos de impacto, que possam mostrar, por exemplo, qual a cultura, o tipo de preparo de solo e a quantidade de agrotóxico que determinada área suporta sem ter seu potencial hídrico comprometido. ''Não dá mais para encarar o problema da preservação com uma visão utópica e idealista, dissociando a questão ambiental da economia', Antonio Carlos Felix.

Entrevista/ Roberto Rodrigues
Ministro da Agricultura Em busca de novos mercados
Ministro da agricultura defende promoção comercial e investimentos em produtos de maior valor agregado para que o país conquiste mais espaço no comércio internacional
Carlos Alberto Jr.
O ministro da Agricultura,Roberto Rodrigues, gosta de repetir uma frase,durante suas viagens internacionais, para convencer investidores a operar no Brasil.''O Maracanã onde será jogada a partida final na Copa do Mundo da agricultura e da alimentação é o Centro-Oeste brasileiro. E vamos ganhar essa partida. Quem quiser aparecer na foto de campeão, venha se aliar a nós''.A afirmação de Rodrigues, que em geral arranca gargalhadas das platéias, resume a empolgação do governo com as perspectivas de crescimento para a região Centro-Oeste.Em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense, o ministro destaca os esforços do governo para garantir o escoamento da safra, crédito aos produtores e condições vantajosas nas negociações comerciais com outros países. A seguir, os principais pontos da entrevista.
Correio Braziliense - Qual o papel do Estado como indutor para que as expectativas em relação ao desenvolvimento do Centro-Oeste se concretizem?
Rodrigues - Em primeiro lugar, o Estado tem de se preocupar com a abertura de mercados. Portanto, três ou quatro ações são essenciais neste caminho.
Correio - Quais são?
Rodrigues - Primeiro, o das negociações internacionais. Ter uma posição ambiciosa, seja na Organização Mundial do Comércio (OMC) na Alca, nas relações européias com o Mercosul ou nas negociações bilaterais, como fizemos com a China agora, quando conseguimos um grande êxito para a agricultura, na área da carne, especificamente. A segunda coisa é promoção comercial. Embora seja um assunto de responsabilidade do setor privado, que tem de fazer o marketing das coisas que quer vender, o governo pode ajudar muito colocando especialistas nas embaixadas de alguns países essenciais, para participarmos de feiras, exposições e debates mostrando a ação do agronegócio no Brasil. Será uma espécie de adido agrícola. Esse trabalho passa por promoção em artigos, revistas etc. Quem vai tomar a decisão sobre o que vai comprar é a dona-de-casa. Em vez de fazer artigo sobre o Brasil em revista de bordo, é melhor fazer nas revistas que as mulheres de Boston, Sant Louis e Paris lêem. Vamos convencer as donas-de-casa de que somos os melhores do mundo. O terceiro ponto é o tema de agregação de valor. Não basta cuidar de vender matéria-prima. Se fosse uma coisa singela, todo mundo já teria feito. Por que não é singelo? Porque todo mundo quer dar emprego no seu país, e não no país de origem da matéria prima. O alemão compra o nosso café, torra e mói e se transforma no maior exportador mundial de café torrado e moído, e nós exportamos menos de 1% do café mundial torrado e moído e temos um terço da produção de café do mundo. Então, por que isso não é fácil? Porque o alemão vai dar emprego na torrefação e moagem no país dele. E depois, o café torrado e moído tem de ser produzido para redes de supermercados diretamente. Você não pode pegar esse café e sair oferecendo para quem quiser. Isso não existe. É preciso ter parcerias com as redes de distribuição de produtos. E nisso o governo pode ajudar bastante. Esses três pontos são essenciais: negociações, promoção comercial e agregação de valor via parcerias.
Correio - A produção agrícola brasileira tem crescido muito nos últimos anos. Como fazer frente a esse aumento de produção com tantos problemas de infra-estrutura que dificultam o escoamento da safra?
Rodrigues - Temos trabalhado para reduzir os gargalos, mas os recursos são escassos. Mandei para o Ministério dos Transportes um estudo com todas as estradas brasileiras com dificuldades de tráfego e a tonelagem de grãos que passa por elas. Com isso, estabeleci uma prioridade para elas serem cuidadas, de acordo com o maior volume de tonelagem. Com base nesse trabalho é que o ministro Alfredo Nascimento (Transportes) decidiu as ações tomadas hoje.
Correio - E na área de armazenagem?
Rodrigues - Fizemos dois projetos. O Moderinfra, que está financiando armazém nas fazendas. O Brasil tinha, quando assumimos o governo, 5% de armazenagem nas fazendas. Para se ter idéia de como é isso, os Estados Unidos têm 40% e a Argentina, 25%. Estamos muito atrás e isso é ruim. Ao armazenar na própria fazenda, o produtor fica dono da própria produção. Não depende do armazém onde está guardada a produção. Ele vende na hora que quiser, na condição que quiser. E ainda pode trabalhar o produto dele e fazer uma commodity. Em março do ano que vem teremos 10% de armazenagem de fazenda. Ainda é pouco, mas dobramos. Estamos também com o Provercoop, um programa de apoio ao cooperativismo para armazenagem e agregação de valor. A verdade é que os recursos do governo são escassos. O que precisamos é aprovar as parcerias público-privadas. Quando isso acontecer, vamos criar condições de investimento não só interno mas também externo.
Correio - O que está sendo feito na área de escoamento da produção?
Rodrigues - Com a ferrovia Norte-Sul descendo até Goiás, como é o nosso plano, e uma ligação da Ferronorte, teremos um escoamento férreo da região norte do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul fantástico, somando-se a Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia que vai criar uma grande expectativa de escoamento.
Correio - O governo tem elevado o volume de recursos para financiamento da safra. A tendência é de volumes maiores nos próximos anos?
Rodrigues - O crédito deve ser cada vez mais direcionado ao pequeno produtor. Assim como assistência técnica. E acho que as coisas têm de ser casadas. Assistência técnica tem a ver com o crédito. E precisa de uma grande articulação através de cooperativa para isso acontecer. Vejo repasses a bancos cooperativos como um grande elemento para isso. Muito mais do que o crédito direto do governo. O governo pode repassar recursos para os bancos cooperativos porque eles sabem onde o calo aperta de fato.
Correio - Mas o governo está empenhado nisso?
Rodrigues - Sim. Na outra mão, criei um conjunto de novos papéis de crédito rural modernos, que têm a ver com a própria comercialização. São mecanismos mais ágeis. O assunto está para ser decidido pelo Congresso. Esses papéis todos juntos, somados ao seguro rural, que também será implementado este ano, darão uma grande mudada na cara da agricultura comercial brasileira, de maneira profissional e competitiva. Vamos criar mecanismos de crédito acoplados à comercialização.
Correio - Como conciliar o aumento de áreas plantadas para atender a uma demanda mundial crescente por alimentos com pressões sociais como a do Movimento dos Sem-Terra e ambientalistas? O Brasil vai manter o título de maior exportador mundial de grãos com grandes danos ao meio ambiente?
Rodrigues - Isso não existe. É uma falácia. Dois números destroem esse argumento. O primeiro é o seguinte: a área plantada no Brasil nos últimos 15 anos cresceu 24%. A produção física em toneladas de grãos cresceu 111%. Isso significa que, se tivéssemos hoje a mesma tecnologia e produtividade que tínhamos há 15 anos, a área plantada teria de ser duas vezes e meia o que é hoje. Aí, sim, é que ela seria agressiva em termos ambientais. O padrão tecnológico que a agricultura brasileira está utilizando é altamente preservacionista. O segundo número é pasto. Temos hoje quase 200 milhões de hectares de pastagens. Não é floresta amazônica nem cerrado, é pastagem, área já conquistada. Os dados de que dispomos hoje são de que, nos próximos 15 anos, 30 milhões de hectares de pastagens serão oferecidos para agricultura. Portanto, zero de agressão ambiental. É zero. É lógico que continuam derrubando a floresta amazônica. Mas isso é um problema de polícia. Se observamos as imagens de satélites hoje, as grandes aberturas que estão sendo feitas na Amazônia são oficiais e autorizadas pelo Ibama. O problema é o pequeno produtor rural da Amazônia. Porque esse é um pobre, miserável e que corta uma árvore a cada semestre para viver daquela árvore.
Isso não aparece no satélite. E são milhares de pequenos produtores. Por isso vamos de criar um mecanismo de renda para ajudar o pequeno produtor da região da Amazônia. Vai ficar pronto daqui a um ou dois meses.
Correio - Os transgênicos vieram mesmo para ficar?
Rodrigues - O governo tem uma divisão nesse assunto. O transgênico é um capítulo da biotecnologia. Temos de olhar a biotecnologia como ciência. A transgenia, como um resultado da biotecnologia. O que a biotecnologia pode produzir via transgênicos? Produtos resistentes à seca.
Agora que dominamos o genoma do café, por exemplo, se usarmos a transgenia ou a biotecnologia no café podemos criar um produto resistente à geada. Produtos resistentes à seca já existem. Então podemos criar produtos mais ricos em proteínas ou menos ricos em aminoácidos. A terceira onda da transgenia nos Estados Unidos é a medicamentosa. São produtos alimentares com medicamento. Em vez de tomar remédio, a pessoa come um produto com um medicamento natural. A transgenia é um avanço da ciência. É irreversível e irrecorrível. Não há como fugir disso. A discussão é técnica e científica. Criar mecanismos da biotecnolgia e da transgenia que não sejam agressivos ao meio ambiente. Essa é a questão. Mas você não pode fazer isso sem abrir a pesquisa.
Se não fica naquela história de que quem defende os transgênicos quer royalties para a Monsanto. Só alguém desinformado pensa isso. Quero abrir a transgenia no Brasil exatamente para não dar royalties para a Monsanto. É para eu desenvolver a minha pesquisa no Brasil sem depender dos outros. Precisamos acabar com essa falácia. A legislação de biossegurança que estamos propondo no Congresso é para dar condições de nacionalizar a ciência da biotecnologia no Brasil. Com isso teremos condições de competir igualmente com os países que hoje detêm a biotecnologia e nós não podemos tê-la porque está vetada a pesquisa no Brasil.

CB, 01/12/2004, Caderno Especial, p. 1-11 (Caderno Especial: Projeto Especial-A estrada para o desenvolvimento)

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