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Às vésperas de cúpula do clima, governo Biden inicia diálogo com indígenas brasileiros

O Globo - https://oglobo.globo.com/mundo
13 de Abr de 2021

Às vésperas de cúpula do clima, governo Biden inicia diálogo com indígenas brasileiros
Embaixador Todd Chapman se reuniu com integrantes da Apib após pedido da entidade; índios alinhados com governo Bolsonaro e indicados pela Funai levaram contrapropostas

Daniel Biasetto
13/04/2021 - 16:07 / Atualizado em 14/04/2021

A pedido do presidente Joe Biden, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, se reuniu nesta segunda-feira com integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) depois que a entidade solicitou, no mês passado, a abertura de um "canal direto" de comunicação com os EUA sobre assuntos ligados à Amazônia brasileira. A conversa aconteceu às vésperas da cúpula sobre o clima organizada pelo governo americano, que será realizada de modo virtual nos dias 22 e 23 de abril. O presidente Jair Bolsonaro foi um dos 40 chefes de Estado e governo convidados, e confirmou que vai participar.

O encontro, marcado a princípio apenas com a Apib, acabou contando com presença de indígenas ligados ao agronegócio e atividades garimpeiras e mineradoras, indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o que gerou certo desconforto na reunião agendada apenas para discutir medidas de proteção ao meio ambiente e preservação das florestas.

Chapman iniciou a conversa, toda em português, dizendo que os Estados Unidos têm grande preocupação com a questão climática e ressaltou a importância da preservação das florestas nesse contexto. E disse que estava ali para ouvir as demandas dos indígenas sobre a questão. Além de Chapman, Jonathan Pershing, que serviu como enviado especial do Departamento de Estado para mudanças climáticas no governo Obama, e agora assessora John Kerry no posto, esteve na reunião, feita de forma virtual e que durou 1h30.

- Foi uma conversa formal e bem protocolar, mas, como o próprio embaixador disse, esse é o primeiro de muitos diálogos que virão - afirma Sonia Guajajara, que participou do encontro como coordenadora executiva da Apib.

Metas ambientais

Em março, a Apib enviou uma carta a Biden e a John Kerry na qual pediu um "canal direto" de comunicação com o governo dos EUA. Entre outras demandas, o documento listava uma série de ameaças enfrentadas pelos indígenas durante o governo Bolsonaro, como o aumento no desmatamento e o apoio a projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas, além do enfraquecimento de órgãos de fiscalização ambiental.

A carta questionava até que ponto o governo brasileiro iria se comprometer com as metas ambientais mais ambiciosas cobradas de Bolsonaro por Biden em carta enviada ao presidente em fevereiro.

Na reunião de ontem com Chapman, a Apib voltou a reafirmar os pedidos de retomada da demarcação de terra indígenas e do fortalecimento de mecanismos de rastreabilidade e transparência para a venda e compra de commodities brasileiras, proibindo a aquisição de produtos derivados de áreas de conflitos, de terras indígenas, de áreas de desmatamento e que faça uso da exploração do trabalho escravo.

No documento, ao qual O GLOBO teve acesso, a entidade pede ainda a retomada do Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia e que o governo brasileiro reafirme as promessas feitas à ONU, no âmbito do Acordo de Paris para o clima, para acabar com o desmatamento, e o aumento de ambição na redução de emissão de gases de efeito estufa. Ao fim do documento enviado à Embaixada dos EUA, a Apib pede ajuda para o país obter recursos para projetos de reflorestamento e restauração da Floresta Amazônica, do Cerrado, da Mata Atlântica e de outros biomas brasileiros.

"É fundamental que o presidente Joe Biden estabeleça um diálogo junto ao governo brasileiro com bases na garantia da preservação da vida e da biodiversidade do planeta em contraponto ao fortalecimento de políticas anti-indígenas", diz documento.

O GLOBO apurou que uma nova reunião entre o governo americano e os indígenas deve ocorrer em duas semanas, mas que somente questões ligadas à preservação do meio ambiente serão analisadas, e que nada além disso será considerado.

Disputa de cartas

Segundo O GLOBO apurou, o governo americano procurou a Funai para informar que iria se reunir com a Apib. O orgão então fez questão de indicar indígenas que defendem outros pontos de vista sobre a exploração da terra. A manobra é vista por entidades indígenas como uma estratégia do governo para intervir nas conversas com os enviados de Biden.

Entre os indígenas indicados pela Funai que falaram durante o encontro estavam Azelene Inácio (Kaingang), Felisberto Cupudunepá (Umutina) e Jocélio Leite Paulino (Xucuru). Outros cinco completaram o grupo. Em suas intervenções, eles defenderam pautas alinhadas com o governo Bolsonaro, como o empreendedorismo indígena em larga escala, a legalização do garimpo e o combate ao narcotráfico em terras indígenas, sem apresentarem no entanto, nenhuma proposta de como pretendiam fazer isso.

Em nota, a Funai confirmou ter indicado o grupo, segundo ela a pedido da embaixada americana. No final de março, a fundação divulgou em seu site uma carta assinada pelo Grupo de Agricultores e Produtores Indígenas destinada a instituições europeias e também enviada a Biden, na qual o grupo rebatia a representação e denúncias divulgadas por Sonia Guajajara no documento enviado pela Apib no mesmo dia ao governo americano.

Depois disso, parlamentares bolsonaristas ligados ao agronegócio, com destaque para a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), repercutiram a carta nas redes sociais como parte da estratégia do governo de interferir nas negociações da Apib com o governo Biden. O documento defende a "liberdade e autonomia" das comunidades produtoras.

À medida que se aproxima a cúpula convocada por Biden, que pretende retomar a liderança dos EUA na área de combate às mudanças climáticas e ser uma preparação para a conferência sobre clima no âmbito da ONU, a COP-26, que acontecerá em novembro em Glasgow, na Escócia, vários setores da sociedade brasileira têm se manifestado e reivindicado um lugar à mesa de debates.

Na semana passada, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, formada por mais de 280 representantes do agronegócio, do setor financeiro, da academia e da sociedade civil, enviou uma carta ao governo Bolsonaro pedindo que o Brasil apresente, na cúpula, metas mais ambiciosas e urgentes para mitigar os efeitos do aquecimento global e reduzir o desmatamento da Amazônia.

Nesta quarta, governadores dos nove estados da Amazônia Legal se reunirão com os embaixadores dos Estados Unidos, Alemanha (Heiko Toms), Reino Unido (Peter Wilson) e Noruega (Nils Gunneng). Eles defenderão que o mundo desenvolvido pague pelos serviços ambientais prestados pela região, para que os povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas se beneficiem economicamente dos recursos que serão destinados à proteção da floresta.

- O governo federal nunca chamou os estados para conversar sobre clima e meio ambiente. Queremos mostrar que o Brasil é muito mais amplo do que se pode imaginar - disse ao GLOBO o porta-voz dos estados amazônicos, Flávio Dino, governador do Maranhão.

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