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Verdes e antigos

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: ALENCAR, Emanuel
26 de Jul de 2010

Verdes e antigos

Emanuel Alencar

O grupo Pão de Açúcar lançou, em maio de 2008, o primeiro "supermercado verde" da América Latina, na cidade de Indaiatuba, em São Paulo. Apelidada por seus moradores de Suíça do Brasil - há até um bairro de nome Helvetia, onde moram descendentes suíços - a cidade reúne uma classe média exigente e preocupada com práticas sustentáveis. Evidentemente, o Pão de Açúcar não escolheu Indaiatuba por acaso.

Marketing teve um papel central. Uma rápida pesquisa no Google e encontramos 512 mil páginas referentes à inauguração, estações de reciclagem, torneiras "inteligentes" e promoção de ações educacionais para crianças.

Os supermercados "verdes", ou sustentáveis, adotam modelos que exigem utilizações mais racionais dos recursos naturais. A implementação de sistemas de economia de energia, captação de água da chuva, telhados que aproveitam a luz natural e "torneiras inteligentes" (aquelas que fecham depois de um tempo determinado, para evitar desperdício) estão entre as novidades. Há ainda nas prateleiras um maior espaço destinado aos produtos orgânicos (que dispensam agrotóxicos) e com certificações socioambientais. Funcionam ainda, muitas vezes, como centros de coleta seletiva, onde o consumidor pode descartar o lixo reciclável, pilhas e baterias e óleo de cozinha. O uso de sacolas retornáveis também é incentivado - agora a substituição das plásticas virou lei no Estado do Rio.

Decorridos dois anos da inauguração do supermercado de Indaiatuba, a "onda verde" segue forte no varejo, evidenciando que não se trata apenas de ações isoladas dos empresários para agradarem aos consumidores e merecerem aplausos e espaço na mídia. Hoje, a capital paulista conta com cinco mercados deste tipo. E o Zona Sul, recentemente, anunciou a inauguração de sua primeira filial verde, em 2011, na Barra da Tijuca. O diretor de marketing da rede, Jaime Xavier, toca no ponto central, que ajuda a explicar o boom das práticas sustentáveis: a redução dos custos fixos. Trocando em miúdos, o empreendedor simplesmente lucra mais adotando estas novas medidas.

Xavier diz que a implementação da loja verde irá custar 35% a mais em relação às convencionais, mas os custos fixos serão reduzidos em 25%. A médio e longo prazos é um negócio pra lá de lucrativo, portanto.

Mas a participação da sociedade nos processos de produção sustentáveis ainda deixa muito a desejar. Muitas vezes as "medidas verdes" são tomadas pelos executivos e entregues à população como um presente de embalagem agradável. Sacolas plásticas são substituídas por outras cujos processos produtivos estão longe de seguir padrões aceitáveis ambientalmente. Vale lembrar que a produção de juta, uma fibra sintética que compõe as sacolas da moda, exige uma força produtiva que coloca os trabalhadores em condições subumanas, em muitos casos. A estimativa é a de que 5 mil famílias na Amazônia sobrevivem com a produção da fibra. Mas a falta de financiamento de bancos públicos impede um crescimento (sustentável) da produção.

Outra questão nem sempre discutida com a seriedade que merece: nem sempre vale a pena reciclar. O processo de reutilização do papelão, por exemplo, pode resultar num altíssimo passivo ambiental. Se, depois do processo industrial de reciclagem, a água (insumo básico na reciclagem do papelão) não for muito bem tratada - o que custa muito caro -, ela irá contaminar os recursos hídricos onde for despejada.

Os parâmetros dos supermercados "verdes" ainda estão fortemente baseados em um modelo ultrapassado, reativo, anterior às diretrizes da Ecoeficiência inaugurada em 1992 pelo Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. A aposta na reciclagem como algo inovador e extremamente importante é a prova de que a gestão convencional de resíduos focada no end of pipe (fim de tubo) - amparada na mitigação dos problemas - ainda tem muita força em nossa sociedade. O incentivo à reciclagem como a grande solução para os problemas ambientais urbanos não deve esconder um questionamento: reciclar não seria incentivar o uso inconsciente dos recursos? Supermercados "verdes", sim.

Mas uma mentalidade nova faz-se necessária. Mais do que tratar do problema no "fim do tubo", é necessário incentivar a redução da intensidade de uso de materiais em produtos e serviços. E sem a participação da sociedade, esta meta nunca será alcançada

Emanuel Alencar é jornalista.

O Globo, 26/07/2010, Opinião, p. 7

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