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Verde de vergonha

O Globo, Panorama Econômico, p. 2B
Autor: OLIVEIRA, Flávia
13 de Fev de 2004

Verde de vergonha

Flávia Oliveira

Nenhum país do mundo desmatou mais suas florestas nativas em 2000 que o Brasil. Naquele ano, foram derrubados 22.264 quilômetros quadrados de matas, a maior parte na Amazônia. A informação, que consta no estudo que o Banco Mundial divulga hoje, põe o país no topo de um ranking de 188 nações. O documento também aponta a pecuária como o negócio que mais se beneficia da derrubada da floresta: 75% das áreas desmatadas são destinadas à criação de gado.

É normal usar dados relativamente defasados na comparação de países porque nem todos têm mecanismos eficientes - e, principalmente, rápidos - para reunir informações. Mas os dados oficiais do governo brasileiro confirmam que a velocidade do desmatamento não diminuiu até 2002. Ao contrário, naquele ano foram destruídos 25.400 quilômetros quadrados de florestas - nos anos 90, a média fora de 17.340.

O número é vergonhoso porque apresenta o Brasil com quase o dobro da destruição do segundo colocado no ranking, a Indonésia (veja a tabela abaixo). Mas é dimensionado quando se compara a proporção de desmatamento em relação à área florestal. Por este critério, o país ocupa a 65 posição na lista do Bird: destruiu, em 2000, 0,42% de suas matas.

- A área desmatada a cada ano equivale a duas vezes o Distrito Federal. É um número muito alto e continua crescendo - diz Vinod Thomas, diretor do Banco Mundial no Brasil.

Batizado de "Causas do Desmatamento na Amazônia Brasileira", o estudo também inova ao apontar a pecuária como uma atividade tão relevante para a destruição da floresta amazônica quanto a extração de madeira. Entre 1985 e 1995, a área amazônica destinada a pastos plantados aumentou de 3,8% para 6,6%, enquanto as pastagens naturais diminuíram de 4,7% para 3,6%.

"O fator-chave para explicar o grosso dos desmatamentos na Amazônia é simples e evidente: a lucratividade da pecuária", afirma o autor, o economista do Bird Sergio Margulis, logo na abertura do estudo. E continua: "Os desmatamentos proporcionam ganhos econômicos claros, às vezes substantivos, que, do ponto de vista privado, fazem todo sentido."

O documento elaborado por Margulis sugere uma espécie de parceria entre madeireiros e pecuaristas. Os primeiros abrem caminho e se apropriam dos ganhos com a derrubada das árvores. Em seguida, aparecem os agentes intermediários, que transformam a floresta em pastagens e fazem dela uma atividade altamente rentável.

O Bird compara a rentabilidade da pecuária em áreas amazônicas com uma região importante de São Paulo. Em Alta Floresta (MT), a receita líquida por hectare a cada ano é de R$ 138,91; em Ji-Paraná (RO), de R$ 132,87; em Paragominas (PA), de R$ 102,98. No município paulista de Tupã, o ganho por hectare é de R$ 65,32 ao ano.

- A pecuária nunca foi enfatizada na questão do desmatamento da Amazônia, mas a taxa de retorno é muito alta, o que prova que não há nenhuma irracionalidade nesse investimento. E eles vão continuar em atividade, se não for oferecida uma alternativa - raciocina Thomas.

Ontem pela manhã, o diretor do Bird se reuniu informalmente com os ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, e da Integração Regional, Ciro Gomes, para apresentar os resultados do estudo. A ministra demonstrou preocupação com a integração entre madeireiros e pecuaristas. Participaram também do encontro representantes dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário.

Thomas chama a atenção para o fato de as atividades econômicas que se beneficiam da destruição da Amazônia não promoverem a redistribuição de riqueza na região. De acordo com o estudo, 80% da renda da população mais pobre advêm dos recursos naturais. Segundo o estudo, os maiores responsáveis e os mais beneficiados são os médios e grandes pecuaristas.

- O desmatamento não está ajudando na eqüidade nem contribuindo para o crescimento econômico da região - completa.

Por causa disso, o Bird estima que o custo social de permitir o desmatamento é muito superior ao desembolsado para desenvolver a pecuária. Enquanto um fazendeiro gasta US$ 75 para implementar cada hectare de seu empreendimento, o país perde cem dólares com a mesma área desmatada. A conta indica que é viável para o governo desenvolver políticas sociais, inclusive compensatórias, para deter o desmatamento. E substituir o verde da vergonha pelo do orgulho.

O Globo, 13/02/2004, Panorama Econômico, p. 28

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