OESP, Nacional, p. A10
08 de Mai de 2008
Verdade finalmente apareceu, afirma fazendeiro
Bida lamenta os mais de três anos que passou na prisão, mas diz que a Justiça mostrou que é inocente: 'Não devo nada'
Carlos Mendes
O fazendeiro Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, de 37 anos, afirmou ontem que nunca, nem no primeiro julgamento, deixou de acreditar na Justiça. "As duas justiças, a de Deus e a dos homens, atuaram juntas para mostrar que sou inocente. Não devo nada." Ele foi absolvido por 5 votos a 2 anteontem, no segundo julgamento pela morte de Dorothy Stang. Calmo, com voz pausada, Bida recebeu o Estado ao lado dos irmãos e do advogado Eduardo Imbiriba, a quem credita "atuação maravilhosa".
Na hora em que na sala secreta do Tribunal do Júri o sr. ficou sabendo que havia sido absolvido, o que passou pela sua cabeça?
Não passou nada, a não ser uma imensa alegria. Naquele momento a verdade havia finalmente aparecido. Eu disse todo esse tempo que nada tive a ver com a morte da irmã Dorothy, não tinha motivos para fazer nenhum mal a ela, pior ainda mandar matá-la. Tive de suportar mais de três anos na prisão para ver a justiça ser feita.
No primeiro julgamento, o sr. foi apontado por Amair Feijoli da Cunha, o Tato, como mandante da morte. Por que ele mudou seu depoimento agora, inocentando-o?
Porque ele foi pressionado pelos delegados Valdir Freire, da Polícia Civil, e Wallame Machado, da Polícia Federal, além dos promotores Sávio Brabo e Lauro Freitas. Essas quatro pessoas fizeram muita pressão sobre o Tato para que me acusasse, inclusive oferecendo a ele os benefícios da delação premiada. Prometeram que se fizesse isso, acusando a mim e ao Taradão (o fazendeiro Regivaldo Galvão, outro apontado como mandante e que aguarda julgamento), teria a pena reduzida. Mas tudo não deu certo como eles queriam, porque não havia provas contra mim. Eu mesmo, durante acareação com o Tato, ouvi dele o desmentido. Ele não tinha nada contra mim. (Neste momento, o advogado Imbiriba interrompe para dizer que a prova principal a favor de seu cliente é que ele "ocupava legalmente" o lote 55 em Anapu, reivindicado pelos colonos ligados a Dorothy).
O sr. tinha ódio de irmã Dorothy?
Não tinha nenhuma razão para ter ódio ou raiva dela. Eu não a conhecia. Sempre me dei bem com todo mundo em Altamira e Anapu. Quando eu ia a Anapu, cheguei várias vezes a dar carona para pessoas ligadas a ela.
O sr. teme algum tipo de vingança se voltar a Anapu?
Não tenho inimigos, porque não fiz nada contra ela nem contra ninguém. Tenho Jesus no coração para abrir meus caminhos e não me deixar cair em tentação.
Como era a vida na cadeia?
Uma coisa muito ruim. Quando meus filhos iam me visitar eu tinha apenas 40 minutos para ficar com eles. Um filho menor meu, de 8 anos, chegou a dizer para mim: "Pai, eu também me sinto preso, igualzinho ao senhor." É triste a gente ouvir isso de uma criança. É por isso que eu nunca perdi a esperança de que a qualquer momento a justiça fosse feita.
O que o sr. fazia na prisão?
Eu fazia bolas de futebol na Fábrica Esperança, que fica dentro da prisão. Nunca pensei que um dia, acostumado a lidar com gado, tivesse que fazer kits e bolas para ocupar meus dias e atenuar meu sofrimento. Graças a Deus nunca perdi o apoio de minha família. Ela sabia que eu era inocente. Tivemos de vender nossas coisas para pagar advogados.
O sr. pretende retornar a Anapu e ocupar o lote 55?
O lote ficou com o Incra, que colocou lá um fazendeiro. Me disseram que a área foi alugada. Vou ficar em Altamira e retomar minha vida por lá. Os amigos e muita gente querem me ver. Estou torcendo para viajar para Altamira. Provavelmente na próxima semana. O pessoal não pára de ligar, cobrando minha presença.
Repercussão
Loa Angeles
O Los Angeles Times diz que a morte de Dorothy Stang tornou-se "símbolo do violento conflito por recursos naturais" no Pará e que Dorothy ajudava camponeses ameaçados por madeireiros e fazendeiros. Frisou ainda que o primeiro júri condenara Bida a 30 anos de prisão.
BBC
A estatal inglesa BBC enfatizou a surpresa e a indignação de parentes com a absolvição de Bida. Lembra que Dorothy Stang era uma ativista dos direitos de camponeses e pela preservação da floresta da ação de madeireiras e sua morte ocorreu pouco depois de disputa de terras com fazendeiros.
Herald Tribute
O International Herald Tribune publica reportagem da Associated Press que afirma que "poucos no Brasil se surpreenderam quando um júri reverteu a condenação de um fazendeiro da Amazônia" pela morte de Dorothy Stang. "Muito mais surpreendente é o fato de ele ter sido condenado antes."
OESP, 08/05/2008, Nacional, p. A10
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