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Verba do Fome Zero para índio fica parada

FSP, Brasil, p. A8
05 de Fev de 2005

Verba do Fome Zero para índio fica parada
MS deixou de aplicar R$ 1,02 mi do programa em aldeias do Estado, onde mortalidade infantil subiu 25% em 2004

Hudson Corrêa
Da agência Folha, em Campo Grande

O governo de Mato Grosso do Sul recebeu, de agosto a novembro de 2003, R$ 5 milhões do Ministério de Desenvolvimento Social para o programa Fome Zero indígena, mas um ano e dois meses depois ainda não aplicou R$ 1,02 milhão dessa quantia no projeto. No Estado, 12% dos índios menores de cinco anos estão desnutridos -o índice é o dobro do verificado entre crianças não-índias no país.
Para completar o quadro, a mortalidade infantil aumentou, em 2004, 25% nas aldeias do Estado. O índice chegou à casa dos 60 por mil nascidos vivos. A média no Brasil é de 24,3 por mil.
O primeiro repasse para o Fome Zero indígena ocorreu em 13 de agosto de 2003, quando foram liberados R$ 3 milhões. Em 26 novembro de 2003, houve o segundo repasse, no valor de R$ 2 milhões, totalizando R$ 5 milhões para serem aplicados no programa.
Conforme o convênio assinado no mês de abril de 2003 em Dourados (219 km de Campo Grande) pelo então ministro José Graziano e o governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, o Estado ainda precisa investir no programa uma contrapartida de R$ 500 mil.
O convênio foi assinado para vigorar de 31 de julho de 2003 a junho de 2005. A prestação de contas do programa será feita apenas em agosto deste ano.
Segundo informou o governo federal, não há atraso na aplicação da verba porque o Estado tem até o próximo dia 30 de junho para aplicar o R$ 1 milhão que falta no projeto e mais a contrapartida de R$ 500 mil.
Considerado inédito no país, o Fome Zero indígena é voltado ao incentivo à agricultura nas aldeias. O dinheiro é aplicado na compra e na distribuição de sementes para plantio local e na aquisição de combustível para tratores, de cavalos, de carroças e de ferramentas agrícolas.
"Esses projetos foram elaborados dentro de gabinetes. Discordamos da forma de implantação de cima para baixo", diz o índio Fernando da Silva Souza, 37, vice-presidente do conselho distrital de saúde indígena em Dourados.
Desnutridos
A Funasa (Fundação Nacional de Saúde) diz que no Estado 1.091 índios com menos de cinco anos de idade (12% das crianças nessa faixa etária) estão desnutridos e 1.360 (15%) em risco nutricional, ou seja, abaixo do peso.
Entre os índios das etnias guarani e caiuá, alvos principais do Fome Zero, o índice de desnutridos chega a 15%, e o de risco, a 18%.
Essa pesquisa só ocorre em aldeias de Mato Grosso do Sul. Para fazer uma comparação com a população brasileira, a Funasa usa a Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde de 1996, segundo a qual 5,7% das crianças menores de cinco anos estão desnutridas. O índice, porém, pode ser menor atualmente, pois vinha caindo.
Na semana passada, a Folha foi ao Centro de Recuperação de Desnutridos em Dourados (MS), entidade não-governamental que mantém internadas, em média, 35 crianças índias que apresentam desnutrição.
Entre os pacientes está a criança J., de um ano e sete meses, que pesa apenas 9,5 kg. Deveria ter ao menos 12 kg. "A cesta do governo [com 32 kg de alimentos] acaba em dez dias", diz a mãe, Regina Batista Cabreira, 25, que tem outros dois filhos.
A menina G., de um ano e quatro meses, pesa 4,4 kg, como se fosse uma recém-nascida. O menino R., três anos e sete meses, tem 11,4 kg, peso de crianças com menos de dois anos.

Funai pede ajuda financeira ao G8
A presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Brasília pediu ao G8 ajuda financeira para os índios guaranis e caiuás que sofrem com a desnutrição nas aldeias de Mato Grosso do Sul. O G8 reúne os sete países mais ricos do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá) e a Rússia.
Odenir Pinto Oliveira, assessor técnico da presidência da Funai, disse que foi pedido ao G8 1 milhão (cerca de R$ 3,5 milhões) para aldeias dos guaranis e caiuás.
Em Mato Grosso do Sul, segundo a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), 1.091 índios com menos de cinco anos de idade (12% das crianças nessa faixa etária) estão desnutridos, e 1.360 (15%), em risco nutricional, ou seja, abaixo do peso em relação à idade.
Entre os índios das duas etnias, que já são alvos do Fome Zero indígena, o índice de desnutridos chega a 15%, e o de risco nutricional, a 18%. A marca é quase o triplo da verificada entre as crianças não índias, segundo a Funasa.
Se aprovado o projeto, a liberação do dinheiro ocorrerá pelo KfW, banco de desenvolvimento alemão, que é o interlocutor da Funai no G8, disse Oliveira.
Segundo o técnico, guaranis e caiuás vivem em terras que, antes da demarcação, eram fazendas. "Os rios estão contaminados por agrotóxicos. Há muito pasto e pouca área de floresta para caça", afirmou. Um dos objetivos é recuperar a terra para plantio e as matas, evitando a fome nas aldeias.
Indenizações
O vice-presidente da Funai, Roberto Lustosa, avalia que o principal problema no Estado é a falta de terra para a agricultura indígena. Ele cita a aldeia de Dourados (MS), onde cerca de 11 mil índios vivem em 3.000 hectares, área que daria para assentar no máximo 200 famílias de sem-terra pelo programa de reforma agrária.
Conforme Lustosa, "em um horizonte futuro" o G8 poderia financiar pagamento de indenização a fazendeiros que possuem áreas consideradas terra indígena pela Funai. Em Mato Grosso do Sul, os cerca de 27 mil guaranis e caiuás disputam na Justiça ao menos 17 fazendas com ruralistas.
A ajuda do G8 seria necessária porque, legalmente, a Funai não pode ressarcir fazendeiros, pois a Constituição não prevê indenização ao ruralista que estiver em terra indígena. Também faltaria dinheiro no orçamento da Funai que, segundo Lustosa, é de R$ 107 milhões para 2005.
O pedido ao G8 para atender aos guaranis e caiuás ocorreu no fim de 2004. As negociações estão avançando, segundo a Funai. Os países mais ricos do mundo já apóiam projetos de proteção ambiental em aldeias localizadas na floresta amazônica. (HC)

Outro lado
MS tem até junho para usar dinheiro, afirma ministério
O governo de Mato Grosso do Sul informou, sem dar mais detalhes, que está fazendo licitações (compras por meio de concorrência pública) para investir "em breve" o R$ 1 milhão restante do programa Fome Zero.
Segundo a assessoria do Ministério do Desenvolvimento Social, o governo estadual tem até o dia 31 de junho deste ano para concluir o programa e não há ilegalidade no fato de o dinheiro repassado em novembro de 2003 ainda não ter sido gasto totalmente.
Cerca de R$ 200 mil estariam sendo gastos na aquisição de sementes pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado do Mato Grosso do Sul.
A responsável pela execução do projeto é, no entanto, a Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária. Procurado pela reportagem, o secretário Sérgio Wanderly Silva informou por meio de sua assessoria que o assunto está com a Secretaria Estadual do Governo, cuja assessoria se limitou a informar sobre as licitações.
A Folha apurou que secretários estaduais estão orientados a não darem entrevistas sobre o Fome Zero indígena. Na sexta-feira passada, o governador Zeca do PT também não quis falar com a imprensa sobre o assunto.

FSP, 05/02/2005, Brasil, p. A8

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