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Vazio jurídico "polui" crédito de carbono

FSP, Dinheiro, p. B6
27 de Abr de 2008

Vazio jurídico "polui" crédito de carbono
Avanço do mercado de certificados de redução de emissão de gases poluentes dependerá de regulamentação do negócio
Receio é que tributação desestimule investimentos; Ministério da Ciência e Tecnologia defende que haja benefícios fiscais

Gitânio Fortes
Da Redação

Serviço, mercadoria ou valor mobiliário? A falta de definição jurídica paira sobre os negócios com créditos de carbono, certificados emitidos quando ocorre a redução de emissão dos gases poluentes do efeito estufa.
O protocolo de Kyoto combate o aquecimento global ao determinar que países industrializados reduzam as emissões de gases do efeito estufa em 5% ante o registrado em 1990. O Brasil se beneficia com projetos de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), pelos quais empresas dos países industrializados podem comprar, de emergentes, créditos de carbono -as RCEs (Reduções Certificadas de Emissões)- para completar suas metas. Cada RCE equivale a uma tonelada de CO2.
Os negócios tendem a ser promissores. Segundo Maurik Jehee, superintendente da área de créditos de carbono do banco Real, a partir de agora os projetos brasileiros de MDL registrados na ONU (Organização das Nações Unidas) têm potencial de gerar 18 milhões de toneladas por ano.
Os preços oscilam muito, de US$ 4 a 16 o crédito. À média de 10, o país tem como girar perto de R$ 500 milhões/ano.
O valor dos créditos de carbono varia em linha com as commodities energéticas, como petróleo e gás, diz Marcelo Alexander, gerente do departamento de ambiente do Banco Sumitomo Mitsui Brasileiro.

Incerteza
O vazio jurídico não impede que o mercado se desenvolva, mas cria incerteza, diz Otávio Vianna, gerente da área de mercado de capitais do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). "Dependendo da regulamentação, haverá conseqüências", afirma a advogada Roberta Leonhardt, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice.
"Um dos grandes entraves do mercado de carbono no Brasil é a dificuldade dos investidores em definir a natureza jurídica do crédito de carbono e, ainda, a própria tributação incidente", diz Fernanda Couto de Almeida, advogada do escritório Décio Freire & Associados.
As dificuldades que o vazio jurídico provoca aparecem no cotidiano das empresas. José Oscival dos Santos, consultor na área industrial de papel e celulose, dá um exemplo: "Como classificar as receitas com créditos de carbono na contabilidade das companhias?" O presidente do Comitê de Estudos sobre Mercado de Carbono da OAB-SP, Flávio Menezes, sócio do escritório Menezes, Dessimoni e Abreu Advogados, cita outra situação: "A Europa compra como valor mobiliário, e o Brasil exporta como serviço".
O embaixador Rubens Barbosa diz que a questão tributária vai ser importante. Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Barbosa defendeu a isenção tributária para as RCEs em debate realizado pelo banco Itaú.
Dessa forma, mais indústrias e instituições financeiras vão se interessar pela "oportunidade de negócios" que os créditos de carbono representam. Não convém, afirma, "tratar esse mercado com o viés de taxação do restante da economia".
Para José Domingos Miguez, coordenador-geral de Mudanças Globais de Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia, "é necessário conceder benefícios fiscais". Miguez apóia que as RCEs sejam definidas como "ativo intangível, transacionável eletronicamente", a exemplo do que foi feito no Japão.
Na China, relata a advogada Fernanda Couto, o crédito de carbono é um "recurso natural pertencente ao Estado". No Chile, tem a natureza de direito de propriedade privado. Na Argentina, fruto industrial ou civil pertencente ao proprietário da atividade que o gere.

Regulamentação
O banco Real avalia que os créditos se apresentam como "nova fonte para as empresas se financiarem", diz o superintendente Maurik Jehee. Para as instituições financeiras, afirma, interessa a regulamentação, pela possibilidade de criar produtos específicos.
Guilherme Fagundes, gerente de Produtos Ambientais e Metais da BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros), diz que a indefinição sobre a natureza dos créditos de carbono dificulta o estabelecimento de contratos de derivativos.
Em fevereiro, a BM&F e a Prefeitura de São Paulo concluíram a liquidação financeira do primeiro leilão da venda de créditos de carbono do pais, realizado em setembro: 808,5 mil toneladas de CO2 geradas pelo projeto Bandeirantes Gás de Aterro e Geração de Energia totalizou 13,1 milhões. O Fortis Bank levou os papéis.

Governo estuda assunto; OAB planeja um projeto de consenso

Da Redação

A normativa do Banco Central que possibilitou o ingresso de recursos de créditos de carbono no país em 2005 não entrou no mérito da definição jurídica. A assessoria de comunicação informou que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) não prevê regulamentação "no cenário próximo".
Adauto Lacerda, coordenador-geral de Tributação da Receita Federal, diz não haver posição definida sobre aspectos tributários. "Os rendimentos de créditos de carbono estão sendo objeto de estudo."
Recentemente, a Superintendência Regional da Receita no Paraná e em Santa Catarina publicou solução de consulta em que expõe que deve incidir o Imposto de Renda da pessoa jurídica pela sistemática de lucro presumido. A opinião não é unanimidade no Ministério da Fazenda, diz José Domingos Miguez, do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), que defende a isenção total.
O advogado Fabio Wagner, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, diz que, enquanto a regulamentação não vem, "empresas prudentes" preferem pagar Imposto de Renda da pessoa jurídica e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) sobre o ganho geral das operações com os créditos de carbono.

Congresso
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara aprovou no começo do mês a organização e a regulação do mercado de carbono. O projeto teve como relator o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP).
A proposta prevê negócios nos mercados à vista e de liquidação futura. Abrange fundos de investimentos específicos e estabelece incentivos fiscais. O texto não entra no mérito da natureza jurídica.
Quanto aos incentivos, prevê isenção do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). O texto determina que o lucro com os créditos não seja tributado pelo IR da pessoa jurídica e pela CSLL.
A tramitação do projeto prevê análise em duas comissões: na de Finanças e Tributação e na de Constituição, Justiça e Cidadania. Se for aprovado nas duas, não haverá necessidade de votação no plenário -a não ser que haja recurso, assinado por 51 deputados (10% do total). O tema também vai a plenário se houver divergência em alguma comissão.
Presidente do Comitê de Estudos sobre Mercado de Carbono da OAB-SP, Flávio Menezes diz que existem 120 projetos de lei no país com algum impacto sobre o assunto.
"É um número exagerado." Há distorções conceituais entre eles, afirma. Nos próximos meses, o comitê pretende se dedicar a preparar um texto de consenso, alinhado com o que se se faz em outros países. (GF)

Fundo Brasil Sustentabilidade, do BNDES, chegará ao mercado com R$ 400 milhões

Da Redação

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social finalizou os procedimentos para registro na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) do Brasil Sustentabilidade.
O fundo de private equity (de investimento e participações) vai financiar empresas, em geral de capital fechado, com potencial de lançar créditos de carbono, afirma Otávio Vianna, gerente da área de mercados de capitais do BNDES.
Para Hajime Uchida, gerente-geral do departamento de ambiente do Banco Sumitomo Mitsui Brasileiro, há "muito potencial" nesse tipo de fundo.
O BNDES vai aplicar R$ 100 milhões no Brasil Sustentabilidade. Outros R$ 300 milhões serão captados no mercado. Formatado para investidores qualificados, não para pessoas físicas, o fundo terá retorno pela venda dos créditos de carbono e da energia gerada pelos projetos de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo).
Segundo Vianna, o fundo propicia a chance de entrar no mercado de carbono, sem correr todo o risco, pois o retorno não virá apenas dos créditos.

Outros caminhos
Para pessoas físicas, no mês passado, o banco Real anunciou o lançamento do Fundo Floresta Real, com resultados convertidos em créditos de carbono. Produto de renda fixa com a meta de rentabilidade superior à variação do CDI (Certificado de Depósitos Interbancários), depois de quatro anos, o cotista terá direito a valor financeiro correspondente ao projeto de MDL da restauração da mata ciliar da bacia do rio Juquiá, em Registro (SP). A aplicação mínima para aplicação é de R$ 5.000. O fundo pretende chegar a R$ 250 milhões.
O Banco Sumitomo Mitsui Brasileiro investe no filão da intermediação. Desde 2006, formata operações em que reúne pequenos e médios projetos de MDL para viabilizar o acesso ao mercado internacional, sobretudo europeu e japonês, diz Marcelo Alexander, gerente do departamento de ambiente, que também atua em outros países da América do Sul.
As iniciativas relacionadas à sustentabilidade ganham força com parcerias internacionais. Neste mês, a rede de hotéis Marriott assinou com o governo do Estado do Amazonas um acordo para viabilizar o programa de redução de emissões de carbono da empresa.
Um fundo vai entrar em operação. Os dividendos serão investidos, até 2013, na reserva do Juma, em Novo Aripuanã, perto do rio Madeira.

Bronze para o Brasil
Os dados mais recentes do Ministério da Ciência e Tecnologia mostram que a Organização das Nações Unidas conta com 3.101 projetos em alguma fase do ciclo de desenvolvimento, aprovação e registro. Desses, 891 foram registrados pelo Conselho Executivo do MDL.
O Brasil conta com 280 projetos (9% do total mundial), sendo 127 aprovados e registrados (13% do total). No país, 63% dos projetos são de energia elétrica a partir de fontes renováveis -com biomassa e geração hidráulica, de grande porte ou PCH (pequena central hidrelétrica). Depois vêm suinocultura (15%) e aterros sanitários (10%). Em número de projetos, a liderança mundial está com China (1.048) e Índia (874). (GF)

FSP, 27/04/2008, Dinheiro, p. B6

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