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Vazamento: Minc alerta para risco de Crise sanitária

O Globo, Rio, p. 17
13 de Jan de 2007

Vazamento: Minc alerta para risco de Crise sanitária
Lama de rejeitos químicos ameaça agora Itaperuna, que pode ter abastecimento de água suspenso hoje

Daniel Engelbrecht

O secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, alertou ontem para uma "crise sanitária", caso os problemas provocados pelo vazamento de dois bilhões de litros de resíduos químicos da mineradora Rio Pomba Cataguases, no Rio Muriaé, se prolonguem. Depois de Laje do Muriaé, aonde a lama química oriunda de Minas Gerais chegou anteontem à noite, a cidade de Itaperuna, onde vivem cem mil pessoas, é a próxima no Estado do Rio a ser afetada, podendo amanhecer hoje inundada pela mistura de argila e bauxita e sem abastecimento de água. Italva, próxima cidade fluminense no curso do Rio Muriaé, aguarda análises para decidir quando suspenderá a captação de água.

- A situação é grave e, se prolongada, pode gerar uma crise sanitária. Estamos monitorando a água - disse Minc ao "RJ-TV", da Rede Globo.

Em Itaperuna, as inundações provocadas pela cheia do Muriaé já deixaram três mil pessoas desabrigadas ou desalojadas. Em Laje do Muriaé, o nível do rio começou ontem a baixar.

A cidade continua com o abastecimento interrompido desde as 22h30m de anteontem - quando chegou a lama química - devido à impossibilidade de se tratar a água. O maior temor agora é de que a lama atinja Itaperuna, paralisando o abastecimento também na principal cidade da região.

- Quando a lama chegar a Itaperuna, vai ser o caos. Os cerca de 40 caminhões-pipas que estão na cidade são insuficientes para atender cem mil pessoas - previu o diretor do Interior da Cedae, Heleno Silva. - Somos reféns do desastre ocorrido em Minas.

Hospital fica ilhado e dezenas de lojas não abrem
A estação de tratamento de água de Itaperuna tem capacidade para 340 litros por segundo. No entanto, desde anteontem, está tratando 270 litros por segundo, por causa da enchente. A população foi orientada a armazenar água. A maior preocupação ontem, contudo, ainda era com a inundação, que começou quarta-feira e atingiu dois distritos e seis bairros, incluindo o Centro. De acordo com o engenheiro Guilherme Soldati, da Defesa Civil municipal, 700 casas foram atingidas. O Rio Muriaé subiu 83 centímetros além do seu nível máximo de transbordo, que é de 4,50 metros, atingindo 5,33 metros às 6h de ontem. No fim da tarde, a água já havia baixado para 4,98 metros.
O Hospital estadual São José do Avay, no Centro, um dos principais da região, ficou filhado durante boa parte do dia.

Dezenas de lojas não puderam abrir e as secretarias municipais de Saúde e de Meio Ambiente ficaram alagadas. O trânsito também ficou confuso.

O local mais atingido foi o distrito de Retiro do Muriaé, onde a água subiu até meio metro dentro das casas. Muitas pessoas, como a professora Isabel Rosa de Souza, de 23 anos, abandonaram suas residências e foram para casa de parentes.

- Levamos para a casa de um tio tudo que deu e o restante, como móveis pesados, suspendemos. Só vamos saber o que perdemos depois. Agora, é esperar baixar a água e lavar tudo antes que a lama seque e grude - disse ela, que ficou com mais 12 pessoas numa casa de três quartos.

A última grande inundação em ltaperuna havia ocorrido em 1997. Para o prefeito Jair Bittencourt, os efeitos da chegada da lama podem ser ainda piores.

- Não sabemos quanto tempo vai levar para essa lama passar, nos deixando sem abastecimento. Sem água, as indústrias de beneficiamento de leite, como a Parmalat, e de charque, terão que parar, sofrendo grande prejuízo - disse Bittencourt.

Itaperuna é o segundo município do Rio em produção leiteira e tem oito empresas de charque.

Em Laje do Muriaé, a 25 quilômetros de ltaperuna, a água já havia baixado cerca de um metro até o fim da tarde de ontem. No dia anterior, o Centro da cidade ficou dois metros debaixo d'água. O trabalho de limpeza da cidade, que ficou coberta de lama, começou ontem mesmo. A prefeitura mobilizou tratores e caminhões para retirar o barro e moradores limpavam suas casas nos trechos onde a água já havia baixado. A RJ-116 continuava inundada.

O prefeito José Geraldo Pereira Carvalho calcula que 350 casas tenham ficado danificadas. A falta d'água é outra dificuldade, que deve ser mais sentida a partir de hoje. Quatro carros-pipas estão na cidade e outros quatro devem chegar.

- Ainda está saindo água de algumas torneiras, mas certamente será por pouco tempo - queixou-se Vanderlei Barolo Barreto, de 41 anos, morador há 36 de Laje do Muriaé.

Mineradora põe a culpa na chuva
Empresa pode ser multada pelo Ibama em até R$ 153 milhões por uma sucessão de crimes ambientais

Daniel Engelbreeht, Sérgio Duran e Aloysio Balbi

Responsável pelo desastre ambiental que atingiu a Zona da Mata de Minas e o Norte Fluminense, a mineradora Rio Pomba Cataguases culpou ontem a chuva pelo vazamento que poluiu o Rio Muriaé: - A empresa também está se sentindo uma vítima das chuvas. A responsabilidade aí é parcial, é limitada - alegou Carlos Gilberto Ferlini, diretor da empresa.

A mineradora poderá receber do Ibama multas que somam R$ 153 milhões.

Técnicos do órgão federal e da Feema estão vistoriando a região afetada pelo vazamento para, em conjunto, elaborar os laudos necessários. Os resultados também serão encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF), para que mova uma ação penal contra a empresa e seus dirigentes. O maior risco, no momento, é de que o acúmulo de sedimentos no Rio Muriaé comprometa a cadeia alimentar.

- O maior problema é a morte da microfauna, organismos que vivem no fundo do rio e servem de alimento para outros - disse o chefe da Agência Regional da Feema, Renê Justen.

Segundo ele, a atual quantidade de lama no trecho fluminense do rio ainda não é suficiente para causar mortandade de peixes. Na região de Miraí (MG), porém, foi registrada morte de peixes.

Segundo o gerente regional do Ibama, Rogério Rocco, além da multa de R$ 75 milhões aplicada à Rio Pomba Cataguases pelo governo de Minas, pelo menos outras quatro, totalizando R$ 51 milhões, poderão ser emitidas pelo Ibama. Caso seja apurado que a empresa é reincidente específica nessas infrações, o valor pode ser triplicado.

Entre as infrações pelas quais a mineradora pode ser multada estão causar poluição que interrompa o abastecimento público de água (até R$ 50 milhões); causar perecimento de espécies de peixes (até R$ 1 milhão); destruir ou danificar vegetação de área de preservação permanente (até R$ 50 mil por hectare); e impedir ou dificultar a regeneração de florestas de preservação permanente (até R$.300 por hectare), todas previstas na Lei dos Crimes Ambientais. Por essa mesma lei, os dirigentes da empresa poderão ser condenados a até 12 anos de prisão.

Uma série de processos pode ser desencadeada contra a mineradora.
A Cedae vai entrar com uma ação, indenizatória, na segunda-feira. A Secretaria estadual de Ambiente entrou ontem com pedidos que podem resultar em duas ações: uma indenizatória e outra penal por crime ambiental. A Cedae pretende responsabilizar os donos da mineradora pelos gastos que a companhia teve com o deslocamento de funcionários, o aluguel de carros-pipa e a perda de arrecadação com a suspensão do fornecimento de água. Por outra frente, foi feito um pedido para que o Ministério Público estadual e o federal entrem com uma ação penal para que os donos da mineradora sejam responsabilizados por crime ambiental.

Em reunião ontem de manhã em Miraí (MG) com promotores de Justiça do Rio e de Minas, diretores da mineradora Rio Pomba Cataguases comprometeram-se a custear caminhões-pipa para garantir a chegada de água potável a todas as cidades que tiverem o abastecimento prejudicado pelo vazamento de resíduos químicos. Segundo o promotor Marcelo Lessa, nesse primeiro encontro foi acertado apenas o socorro às populações afetadas pelo acidente. A empresa comprometeu-se ainda a prestar socorro imediato às vítimas e a atender a todas as demandas das Defesas Civis dos dois estados.

Sem resíduos tóxicos na água do rio
0 Técnicos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas não encontraram resíduos tóxicos na lama que atingiu o Rio Muriaé.

A Feema ainda analisa algumas coletas e espera ter resultados na segunda-feira. O vazamento de resíduos de minério é motivo de preocupação para especialistas: podem causar problemas de saúde.

Para Gandhi Giordano, do Departamento de Engenharia Sanitária da Uerj, Gandhi Giordano, o alumínio dissolvido na água é potencialmente perigoso se ingerido. Segundo o professor João Alfredo Medeiros, do Instituto de Química da UFRJ, o maior perigo é se for constatada a presença de soda cáustica na água.

O Globo, 13/01/2007, Rio, p. 17

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