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Vaticano pede a bispo que encerre greve

FSP, Brasil, p. A16
Autor: CAMPOS, José Nilson B.; MACHADO, Thomaz da Mata
15 de Dez de 2007

Vaticano pede a bispo que encerre greve
D. Lorenzo Baldisseri, representante de Bento 16, enviou carta a d. Luiz Cappio; na BA e no DF, grupos anunciam "jejuns solidários"
Cappio diz que carta mostra preocupação com sua saúde e torce para ele interrompa greve o quanto antes, mas não exige fim do protesto

Leandro Beguoci
Da reportagem local

Fábio Guibu
Da agência Folha, em Sobradinho (BA)

O representante do papa Bento 16 no Brasil, núncio apostólico d. Lorenzo Baldisseri, enviou ontem a d. Luiz Flávio Cappio, 61, carta em que pede ao bispo que termine o quanto antes a greve de fome, que já dura 18 dias. Ao mesmo tempo, a nota da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) convocando os cristãos a se unirem ao bispo de Barra (BA) animou os grupos que apóiam o religioso.
À Folha Cappio disse que a carta é "amiga, fraterna, mostra preocupação com a minha saúde, torce para que eu interrompa o jejum o quanto antes e volte ao trabalho na diocese, mas não é uma mensagem do Vaticano me mandando parar".
D. Aldo Pagotto, arcebispo da Paraíba, comemorou a mensagem do núncio. Ele é contra a greve de fome de Cappio, a favor do projeto de transposição do governo e foi um dos religiosos brasileiros que pediram a carta a d. Lorenzo: "A igreja reprova esse ato contra a própria vida, esse ato que não é um jejum religioso, mas político".
Em 2005, d. Lorenzo também enviou carta a Cappio em que pedia o fim da greve. Era assinada pelo cardeal italiano Giovanni Battista Re, "ministro" do papa que responde tanto pelos bispos de todo o mundo como pela América Latina. À época, Cappio disse que não colocou fim à greve por causa da mensagem. Mas dois dias depois de recebê-la, o religioso encerrou o protesto.
Agora, o quadro é diferente por causa da nota da CNBB em apoio ao bispo.
Protestos, jejuns temporários e invasões de prédios públicos foram anunciados ontem em vários locais, como atos de solidariedade ao bispo após o chamado da entidade.
O recrudescimento das ações foi comemorado pelas entidades que acompanham Cappio na igreja de Sobradinho (a 540 km de Salvador). Todos temiam o isolamento do religioso depois da reunião de quarta-feira, em Brasília, entre a cúpula da CNBB e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No encontro, Lula disse que não paralisaria a obra de transposição das águas do rio São Francisco, como reivindica o bispo, e declarou que caberia à igreja buscar uma solução para acabar com a greve de fome.
Cappio, que tinha esperança em um acordo, se surpreendeu com a declaração. No mesmo dia, conversou por telefone com seu amigo, o presidente da CNBB, d. Geraldo Lyrio Rocha.
Os dois voltaram a conversar no dia seguinte. D. Geraldo quis saber como estava a situação dele na cidade. Foi informado que a obra não havia sido paralisada dois dias após a Justiça determinar sua suspensão, por meio de liminar. O assunto foi citado na nota.
Cappio acredita que as novas mobilizações populares pressionarão ainda mais o governo. "Quem parte para a guerra está preparado para lutar. Estou preparado."
Seus aliados já definiram as formas de luta. Desde anteontem, o anúncio dos chamados "jejuns solidários", realizados por períodos determinados, se intensificaram. Em Brasília, 15 pessoas ligadas ao MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) iriam ficar sem comer na paróquia Santa Maria.
Em Salvador, manifestantes anunciam uma vigília a partir de hoje na praça da Sé. Em Guanambi (BA) e Irecê (BA), escritórios da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) foram invadidos por pessoas solidárias ao bispo de Barra.
A Via Campesina e pastorais sociais promoverão um ato público em Brasília na segunda-feira. Os organizadores anunciam a presença dos atores Osmar Prado e Letícia Sabatella.

AGU recorre ao supremo para liberar obra em rio

O governo recorreu ontem ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a liminar da Justiça que, na segunda, determinou a suspensão imediata das obras de transposição de parte das águas do rio São Francisco. Segundo a AGU (Advocacia Geral da União), a ação do Ministério Público Federal contra a obra deveria ter sido ajuizada no Supremo, e não no TRF (Tribunal Regional da Federal) da 1ª Região. "[A ação do Ministério Público] já deveria ter sido ajuizada no próprio Supremo. Nem deveria ter sido ajuizada lá [no TRF], porque envolve o interesse de várias unidades federativas", afirmou a AGU.

Artigo de Geddel motiva o apoio da CNBB a bispo

Da reportagem local

O artigo do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, publicado na segunda-feira, em que chama o protesto de d. Luiz Cappio de antidemocrático e afirma que há bispos contrários à greve de fome do religioso foi fundamental para a CNBB sair em defesa do frade franciscano -embora não concorde com seu método.
Segundo a Folha apurou com bispos que participaram da redação da nota que conclama os cristão a se unirem em "jejum e oração" a Cappio, o artigo de Geddel passou o seguinte recado: o governo sabe que há bispos contrários ao protesto e aposta na divisão entre os membros da CNBB para isolar e enfraquecer Cappio.
Nos últimos anos, a Igreja Católica no Brasil tem evitado reeditar os embates públicos entre membros da entidade que foram comuns nos anos 80 e meados dos anos 90.
"Geddel sabe que a opinião sobre a transposição não é unânime, mas nós acreditamos em Cappio quando ele diz que o governo não cumpriu o acordo de 2005, para abrir o diálogo", afirma d. Orani Tempesta, arcebispo de Belém e presidente da Comissão Episcopal para a Cultura, Educação e Comunicação Social da CNBB. "A igreja não desejaria que Cappio fizesse aquele gesto, mas nós nunca vamos deixá-lo sozinho."
É a mesma linha seguida por d. Pedro Luiz Stringhini, bispo auxiliar de São Paulo e presidente da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB. "Não vamos pedir a ele que encerra a greve, porque tem liberdade de consciência. A nota da CNBB é mais de apoio a Cappio do que ao jejum. É um bom homem e não será isolado."
Os dois bispos participaram da redação da nota, que também foi assinada pelo presidente da CNBB, dom Geraldo Lyrio, e pelo secretário-geral da entidade, dom Dimas Lara Barbosa.
D. Demétrio Valentini, responsável pela Cáritas, entidade que financia obras assistenciais católicas, apóia Cappio. Ele afirma que o apoio da CNBB ajudará o bispo a encerrar a greve. "O importante é que ele não se sinta abandonado, porque um homem sozinho é capaz de gestos extremos. A melhor maneira de encerrar o jejum é mostrar que estamos com ele." (LEANDRO BEGUOCI)

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"Transposição é necessária para o Brasil"

Da reportagem local

Nilson Campos defende a transposição do São Francisco. Ele é é professor da pós-gradução da área de engenharia civil com ênfase em recursos hídricos da Universidade Federal do Ceará e afirma que o projeto beneficiará grandes e médias cidades dos Estados do Nordeste que não são banhados pelo rio. Campos pondera que o problema da seca do Nordeste não será resolvido com a obra, porque as populações rurais e das pequenas cidades não serão atingidas. (Leandro Beguoci)

Folha - O Brasil precisa da transposição?

Nilson Campos - Sim, é preciso uma fonte externa segura para trazer água para o Ceará e o semi-árido de uma maneira geral, onde os rios são intermitentes e todo o recurso de água está em reservatório. Levará águas para cidades médias e grandes. No momento, a fonte externa economicamente mais viável é o São Francisco.

Folha - Uma das críticas que se faz é que a transposição vai concentrar água onde não falta água.

Campos - Essa crítica não faz sentido. O Castanhão concentra água e a partir dele é feita a distribuição para regiões de maior necessidade.

Folha - Mas a transposição vai resolver a chamada "seca no Nordeste"?

Campos - Nem a transposição nem o Castanhão são adequados para resolver o problema da seca da população rural difusa, que vai continuar precisando de caminhão pipa. Esse é um outro projeto.
Quem se posiciona só a favor coloca virtude onde não tem. Quem é só contrário coloca defeito que não existe. O ponto central é levar água para Estados fora da bacia do rio. Isso tem de ser feito. Quem fala que é um projeto econômico tem de lembrar que já há projetos de irrigação econômica no rio hoje.

Contra

Especialista desaprova o projeto

Da reportagem local

Thomaz da Mata Machado, presidente do Comitê da Bacia do rio São Francisco, médico sanitarista e professor da UFMG afirma que a transposição não resolverá o problema da seca no Nordeste porque levará água de onde tem, o São Francisco, para um lugar onde não falta água, o açude Castanhão, no Ceará. Diz que as agências internacionais de financiamento perceberam o problema e que, por isso, o governo federal terá de custear a obra com recursos próprios. (LB)

Folha - O país precisa da transposição do São Francisco?

Thomaz da Mata Machado - Não.

Folha - Por quê?

Machado - Ela tira água de onde tem, do São Francisco, e concentra água onde também tem, no açude Castanhão, no Ceará, e no Armando Ribeiro, no Rio Grande do Norte. 85% da água vai para esses pontos, especialmente para o Ceará. Você não resolve o problema concentrando água, resolve distribuindo. Esse projeto não leva água para a população difusa nem para as pequenas cidades.
Até hoje, nenhuma agência internacional teve coragem de financiar a transposição porque todo mundo vê que o projeto não cumpre o objetivo que deveria cumprir.

Folha - A quem interessa o projeto?

Machado - A articulação pró-transposição foi bem-feita dentro do governo, o [deputado federal e ex-ministro da Integração Nacional ]Ciro Gomes fez bem isso. Nunca houve um diálogo do governo conosco, com a área do meio-ambiente, o governo não nos escutou. A transposição é um projeto da elite do Ceará para o desenvolvimento econômico.
Não tenho nada contra o desenvolvimento econômico. Mas não com o argumento de que revolverá o problema do semi-árido.

FSP, 15/12/2007, Brasil, p. A16

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