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Vale deve retomar repasse a índios do PA, diz Justiça

FSP, Dinheiro, p. B9
06 de Dez de 2006

Vale deve retomar repasse a índios do PA, diz Justiça
Empresa suspendera verbas a duas comunidades de índios xicrins em outubro

Interrupção do pagamento ocorreu após indígenas terem invadido propriedade da mineradora dias antes, o que impediu embarques

Renata Baptista
Da agência Folha

A Justiça Federal em Marabá (a 568 km de Belém) concedeu liminar que obriga a Companhia Vale do Rio Doce a dar continuidade ao repasse de recursos financeiros às comunidades de índios xicrins do Cateté e Djudjekô, nos municípios de Água Azul do Norte e Parauapebas, no Pará.
A decisão foi tomada em apreciação a uma ação cautelar ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
A Vale declarou que vai recorrer da decisão no TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, em Brasília.
A empresa anunciara, no final de outubro, o corte da verba de R$ 9 milhões que repassava anualmente às duas aldeias. A medida era uma resposta à invasão promovida, no dia 17 daquele mês, por cerca de 200 xicrins às instalações da Vale em Carajás (a 694 km de Belém).
Na ocasião, a Vale deixou de embarcar 650 mil toneladas de minério por causa dos dois dias de paralisação, o que gerou um prejuízo de cerca de US$ 10 milhões, segundo a empresa.
O valor que a Justiça determinou a ser pago pela Vale é o mesmo que havia sido acordado entre as partes em julho deste ano -R$ 596.915,89 mensais, sendo R$ 243.578,29 aos xicrins do Cateté e R$ 353.337,60 aos do Djudjekô. Segundo a companhia, desde 1989 a Vale contribui com comunidades indígenas próximas a sua área de atuação.
No acordo de julho com os xicrins, a empresa ainda se comprometeu a promover melhorias nas comunidades e nas estradas da região -isso, somado às verbas mensais, representava um total de R$ 9 milhões por ano. A invasão dos índios aconteceu porque eles queriam renegociar os valores do repasse.
Segundo a decisão do juiz federal Carlos Henrique Borlido Haddad, os valores deverão ser depositados na conta das associações indígenas até o dia 10 de cada mês, iniciando-se o cumprimento em dezembro. A Vale fica sujeita à multa diária de R$ 50 mil se não cumprir.
Na decisão, o juiz destacou que a Vale teve no terceiro trimestre de 2006 a melhor performance de sua história, com receita bruta de R$ 11,6 bilhões.
"Diante de números tão expressivos e considerando, ainda, o antigo, constante e duradouro repasse de recursos às comunidades indígenas e a extrema necessidade dos silvícolas quanto a esse numerário, constata-se que a concessão da tutela antecipada não trará prejuízos irreparáveis à CVRD [Vale], ao contrário do que se pode supor em relação àqueles que necessitam das verbas pleiteadas", afirmou Haddad.
O advogado da Associação Indígena Bep-Noi de Defesa do Povo Xikrin do Cateté, Jorge Luís Ribeiro, disse que a situação das aldeias é caótica. "As dívidas com o comércio estão se acumulando e os salários estão atrasados. Faltam remédios."
Segundo Ribeiro, o governo federal e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) deram auxílios complementares em novembro, quando não houve o repasse da Vale, para gastos com combustível.
Dados da Funai e da Vale dão conta de que a população das duas aldeias é de aproximadamente 900 índios. O cacique da aldeia Cateté, Bep-Kaminhoroti Xikrin, diz, no entanto, que a população é de 1.400 pessoas.
Ainda ontem, a Vale, por meio de seu diretor de Projetos Institucionais Estratégicos, Walter Cover, reuniu-se com a direção da Funai para discutir uma nova forma de gestão dos recursos que ela repassa aos índios. Segundo o procurador-geral da Funai, Luiz Fernando Villares, há consenso de que o modelo atual de gestão não funciona e deve ser modificado.
"O repasse direto a comunidades indígenas, sem nenhuma exigência quanto à aplicação dos recursos e sem supervisão, gera conflitos e não leva à auto-suficiência dos indígenas", disse o procurador.
Colaborou a Sucursal do Rio

Outro lado

Decisão parte de premissa falsa, afirma empresa

Da agência Folha

Pedro Bentes, um dos advogados da Vale do Rio Doce no Pará, afirmou que a empresa irá recorrer no TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, em Brasília, da decisão da Justiça de Marabá que restabeleceu o repasse de recursos da companhia aos índios xicrins.
De acordo com Bentes, a decisão do juiz foi tomada com base em uma informação equivocada. "A decisão parte da falsa premissa de que a Vale teria a obrigação legal de amparar os índios, mas não há lei que a obrigue a fazer o repasse. A Vale fazia voluntariamente."
Bentes disse ainda que a área de mineração da Vale não está em terra indígena. "A unidade mais próxima de mineração fica a cem quilômetros dali [das aldeias]."
De acordo com Bentes, nunca foi outorgado o direito real de uso das terras à Vale. Na decisão da Justiça, é citado que a União concedeu à Vale o direito, o que traria responsabilidades com a preservação da área, até de comunidades indígenas.
Em nota, o diretor-presidente da Vale, Roger Agnelli, cobrou uma política nacional para a questão indígena.
"Se você dá o dinheiro para o índio, vem uma ONG e diz que o índio está morrendo de enfarte porque, [com] o dinheiro que você dá para ele, ele está comprando batata frita e o colesterol está subindo. Então, eu não posso dar o dinheiro para o índio. Muito bem. Então, para quem eu dou o dinheiro?", disse Agnelli, na nota.
"A responsabilidade é da Funai. Cadê a política da Funai? Nós não temos nenhuma intenção de virar as costas para a causa indígena. Nós respeitamos", afirmou o executivo da empresa.
No último dia 13, a Vale ingressou com denúncia na OEA (Organização dos Estados Americanos) contra o governo brasileiro, acusando-o de não possuir políticas públicas efetivas de proteção dos povos indígenas. (RB)

FSP, 06/12/2006, Dinheiro, p. B9

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