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A vaca verde

O Globo, Sociedade, p. 25
22 de Jan de 2016

A vaca verde
Pesquisadores encontram forma de tornar pecuária ambientalmente correta

RENATO GRANDELLE
renato.grandelle@oglobo.com.br

Considerada uma das maiores vilãs do meio ambiente, a pecuária pode contribuir para retirar gases de efeito estufa da atmosfera. Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e escoceses no Cerrado avalia que o estímulo à intensificação das áreas de pastagens e a recuperação das áreas degradadas aumentariam a capacidade de absorção de carbono no solo. O Brasil é o maior exportador de carne bovina no mundo.
Líder da pesquisa, o matemático Rafael de Oliveira Silva, pesquisador da Universidade de Edimburgo, desenvolveu um novo modelo para medir o impacto ambiental causado pela pecuária no Cerrado. Entre os ambientalistas vigora a ideia de que, se a demanda por carne diminuir, a pecuária será inibida e a área ocupada pelo gado passará por um processo natural de recuperação. Rafael, no entanto, aposta que o mercado vai expandir. E que é possível seguir este caminho sem apelar para o desmatamento. Até a liberação de metano produzido pelas flatulências dos bois poderia ser neutralizada.
- Se a demanda for maior, os pecuaristas precisarão intensificar sua atividade - ressalta Rafael. - Para isso, eles precisarão recuperar as pastagens degradadas. O solo é capaz de absorver uma grande quantidade de carbono. Ainda teremos emissões de metano, mas elas serão compensadas pelos gases retirados da atmosfera.
SEM DEVASTAÇÃO O Brasil conta com aproximadamente 170 milhões de hectares de pastagens. Mais da metade apresenta algum nível de degradação, assinala o pesquisador. Há, por isso, área suficiente para que o pecuarista trabalhe sem precisar derrubar árvores. A recuperação das áreas degradadas é essencial para traçar o futuro da pecuária no Cerrado. Se a demanda por carne aumentar 30% até 2030, haveria uma redução de 10% das emissões.
- É uma região imensa que pode absorver carbono por décadas. Por isso, a produção de carne só deve aumentar as emissões a partir de 2120 - calcula. - Considerando que o boi brasileiro só come pastagem, e presumindo que não haveria mais desmatamento, então comer carne pode ser benéfico para o meio ambiente.
Os autores do artigo destacam que, seguindo a nova cartilha, as emissões de carbono seriam menores em todas as etapas de produção da pecuária, inclusive as associadas ao uso de insumos e ao transporte.
A invasão da agropecuária do Cerrado rumo à Amazônia causou danos visíveis à floresta. Desde os anos 1960, este bioma perdeu cerca de 15% de sua área - 80% usados como pasto. E o Cerrado foi devastado.
Segundo estimativas anuais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a agropecuária é responsável por 37% das emissões nacionais de gases-estufa. Desse total, a pecuária responderia por 14,5%. A produção de um quilo de carne leva à liberação para a atmosfera de 290 quilos de dióxido de carbono.
O metano, porém, provoca um impacto ainda mais significativo para a saúde do planeta. O gás liberado pela flatulência do gado é até 20 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. Cada boi emite anualmente cerca de 57 quilos de metano. De acordo com o pesquisador Alexandre Berndt, da Embrapa Pecuária Sudeste, a adoção de alguns projetos para aumentar a eficiência dos sistemas de produção pode reduzir a emissão anual de metano em até 35%.
- São medidas graduais: a primeira é o manejo do gado. Depois, introduzir no solo sementes, nitrogênio, calcário, algum tipo de fertilizante - enumera Berndt. - A área degradada é tão grande que, após arrumar o espaço ocupado pelos bois, uma parte poderá ser dedicada a cultivos agrícolas ou geração de energia. Consumir carne não é destruir o ecossistema.
Pesquisador da Embrapa Pantanal e coautor do estudo, Fernando Fernandes também rejeita a visão da pecuária como um setor necessariamente prejudicial ao meio ambiente.
- A carne tem sido apontada como grande culpada da degradação ambiental em fóruns internacionais, mas precisamos produzir e consumir proteína animal - ressalta. - Qualquer atividade agropecuária mal conduzida é danosa ao meio ambiente. O mesmo pode ocorrer com o cultivo da soja, por exemplo. Assim, o vegetariano também contribuiria com as emissões de gases-estufa.
Fernandes acredita que os resultados positivos colhidos pelo estudo também poderiam observados no resto do país. O pesquisador integra uma rede de trabalhos que investiga quais cultivos emitem menos gases-estufa em cada bioma.

O Globo, 22/11/2016, Sociedade, p. 25

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