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Usina expande programas socioambientais

OESP, Especial, p. H2-H3
28 de Nov de 2012

Usina expande programas socioambientais
Cidades beneficiadas passaram de 16 para 29; meta é proteger nascentes e, por tabela, a água que chega ao reservatório

BRUNO DEIRO
ENVIADO ESPECIAL / FOZ DO IGUAÇU

O gigante de aço e concreto que por décadas buscou remediar o inevitável impacto ambiental de suas obras, encerradas há 30 anos, hoje quer reduzir a influência que sofre de seu entorno. Desde 2003, Itaipu expandiu os programas socioambientais de 16 para 29 cidades, atuando em toda a bacia do Rio Paraná 3. O motivo, porém, vai além de contrapartidas obrigatórias: é também uma questão de sobrevivência.
Mensurar a extensão da influência da hidrelétrica sobre o ecossistema local é quase impossível - na época da construção, a prioridade era econômica, e não ambiental, e não foi feito um inventário detalhado da fauna e flora. Sabe-se, por exemplo, que hoje há cerca de 70 novas espécies de peixe na região, mas os dados anteriores à usina são pouco abrangentes.
Há quem se apoie nesta fragilidade de informações para questionar as mudanças na região. Corre na Justiça um pedido de indenização de R$ 2 bilhões feito por 1,3 mil produtores rurais de 13 municípios que margeiam o lago de Itaipu. Eles alegam que a usina causou alterações microclimáticas em uma área de 700 km2, supostamente provocando queda de 40% na produtividade. Uma comissão técnica, com a participação do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), estuda a alegação, descartada pela empresa. A "cortina verde" formada no reservatório, alegam ainda, causa danos às lavouras e seria responsável por supostos prejuízos acumulados há 25 anos.
A reconstrução da mata ciliar ao redor do reservatório, porém, é um dos maiores orgulhos de Itaipu e está praticamente concluída. O desafio agora é fazer o mesmo nos 540 km de sub-bacias que desembocam no lago.
"Começamos elegendo uma bacia por município para recuperar com áreas de proteção, em acordo com os prefeitos. Hoje, já há cidades que estão perto de 100% de reflorestamento", diz o diretor-geral de Itaipu, Jorge Samek. "O processo só não tem sido mais ágil por conta da discussão sobre o novo Código Florestal, que causou indefinição."
O programa Cultivando Água Boa intensificou a preocupação com as nascentes, que podem prejudicar a qualidade da água e ameaçar a vida útil da usina pela aceleração do assoreamento, entre outros problemas. Após redefinir o ecossistema da região de Foz do Iguaçu, no oeste paranaense, a maior obra de engenharia já realizada no País foi atrás de comunidades que, desde 1991, eram beneficiadas apenas pelo pagamento de royalties.
"Ainda há muita desconfiança quanto aos programas. A percepção de meio ambiente é associada a multas e fechamento de fazendas", afirma o diretor de Coordenação e Meio Ambiente de Itaipu, Nelton Friedrich.
A construção da usina, porém, deixou marcas duradouras. A maior delas foi o fim das míticas cataratas de Sete Quedas de Guaíra - decisão unilateral do regime militar. Centrada só no fornecimento de energia por muitos anos, a binacional deu margem a mitos que sobrevivem até hoje: um estudo recente da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP mostrou que 75% da população de Foz acreditam que há possibilidade real de a barragem ruir.
O valor da produção de energia de Itaipu, porém, é inquestionável. Responsável por cerca de 20% do total produzido no País, a usina deve superar a própria marca - por conta das chuvas no início do ano, já produz 3% a mais que o mesmo período de 2008, quando atingiu o recorde mundial de 94,6 milhões de megawatts/hora.

Influência do lago chega a 400 km
Em Itaipu, o enchimento do reservatório nos anos 1980 afetou biodiversidade de locais distantes dali, como a bacia do Tietê

Bruno Deiro - O Estado de S.Paulo

Em duas semanas de outubro de 1982, Itaipu iniciou uma transformação que perdura há três décadas na fauna aquática da região. O enchimento do reservatório, que deslocou a barreira natural de Sete Quedas, em Guaíra, mudou a proporção de peixes migradores no lago da usina e, a longo prazo, teve impacto na biodiversidade de locais distantes como a Bacia do Tietê, a 400 quilômetros dali.
Com a inundação, 23 tipos de peixes subiram a antiga catarata, enquanto 3 desceram. Estudos recentes da Universidade Estadual de Maringá (UEM) mostraram que o número atual de espécies na região de Itaipu é de 189, ante 113 em levantamentos anteriores à construção da usina. "Não é que hoje existam tantas mais, mas temos um conhecimento melhor", diz o veterinário Domingo Rodriguez Fernandez, da área de ecossistemas aquáticos da usina.
As águas paradas do reservatório afugentaram grandes espécies migradoras, como o jaú, o dourado e o piapara. Peixes menores como a corvina e o mapará, que se alimentam de micro-organismos, se tornaram abundantes. Mas, segundo dados da usina, após a formação do reservatório a produção aumentou 250% entre os 850 pescadores que atuam no lago.
Pioneiro no estudo de ictiofauna de Itaipu, o biólogo Angelo Antonio Agostinho, da UEM, diz que um dos casos de peixes beneficiados pelo deslocamento da barragem foi uma espécie de piranha que quase extinguiu a variação nativa do Alto Paraná - forma hoje 95% da população local de piranhas.
"As duas espécies são muito parecidas e têm dietas semelhantes, mas a que vivia na parte baixa é menor, mais competitiva e tem tendência a formar cardumes. Pelo que analisamos, ela já chegou a locais distantes como a usina de Ilha Solteira (SP), passando pelas eclusas", diz Agostinho, cujos estudos na usina deram origem ao Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupelia) da UEM.
Arraia. Outro animal que se proliferou rio acima após a construção de Itaipu é a arraia. Um estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) documentou a invasão de três espécies no Alto Paraná, onde não têm predadores naturais.
"Silenciosamente, as arraias foram subindo o rio desde 1993 e avançaram pelas eclusas de usinas como Jupiá, chegando à entrada da Bacia do Tietê ", diz Domingos Garrone Neto, um dos autores da pesquisa. "Como têm grande capacidade de camuflagem, esses animais com alguma frequência são pisados por pescadores e reagem, causando ferimentos", diz. O biólogo acredita que, caso a colonização siga neste ritmo, as arraias podem chegar até a região de Barra Bonita, a 300 quilômetros de São Paulo.
Para permitir a subida dos peixes para a reprodução (piracema), Itaipu construiu em 2002 um canal de 10,3 quilômetros que liga a parte anterior da usina ao lago. O desafio está em evitar que esta migração interfira de forma negativa na biodiversidade da bacia. "Mesmo com Itaipu, calculamos que até 20 espécies não subiram o rio, o que é bom para evitar invasores. Mas o canal tem permitido isso e temos nos manifestado para que ele não seja totalmente permeável", diz Angelo Agostinho. "Abaixo da usina tem espécies como a piranha preta, que come outros peixes e torna difícil a vida do pescador."
Em 2011, estudos em Itaipu comprovaram que quase 170 das 190 espécies da região já haviam passado pelo canal. "O canal favorece o intercâmbio genético, mas não é possível o controle total das espécies que sobem", diz Fernandez. "Podemos ampliar a passagem de espécies reduzindo a velocidade das águas e aumentando o grau de dificuldade. Mas a ideia, por enquanto, é manter a eficiência atual."

Inseminação artificial e resgate de ave são trunfos para a preservação

Um dos maiores trunfos dos programas de fauna silvestre de Itaipu é o resgate da harpia, uma ave de rapina cuja presença é cada vez mais rara no oeste paranaense. Desde 2009, foram 13 filhotes criados em cativeiro pelo Refúgio Biológico Bela Vista, um dos dois centros brasileiros que garantem a manutenção de animais da região.
Outra iniciativa bem-sucedida envolve a inseminação artificial de gatos-do-mato-pequenos e da jaguatirica. Nos próximos anos, alguns desses animais podem ser reintroduzidos na natureza.
"O trabalho com fauna foi recomeçado em 1987. Até então havia animais, mas não existia a proposta de reproduzir espécies ameaçadas", diz o veterinário Wanderlei de Moraes. Na faixa de proteção do reservatório, nas reservas e nos refúgios da margem brasileira do lago há 44 espécies de mamíferos, 305 de aves e 37 de répteis.
Além disso, para se integrar à proposta da criação de um corredor de biodiversidade nas fronteiras do País com o Paraguai e a Argentina, foi reconstituída a ligação verde entre a faixa de proteção do reservatório e o Parque Nacional do Iguaçu. / B.D.

OESP, 28/11/2012, Especial, p. H2-H3

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