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Uruguai tinha sociedade complexa

FSP, Ciencia, p.A6
04 de Dez de 2004

Uruguai tinha sociedade complexa
Da redação
Os antigos manuais de antropologia ensinam: os índios da América do Sul estão divididos em poderosos impérios, como o dos incas, nas terras altas dos Andes, e povos bárbaros no resto do continente. Se alguém ainda acredita nessa divisão, a descoberta de sociedades complexas que habitavam aldeias de alta densidade demográfica no insuspeito Uruguai há 4.200 anos deve dar uma boa pausa para reflexão.
Arqueólogos do Uruguai, do Panamá e dos EUA escavaram no sudeste do país, perto da fronteira com o Rio Grande do Sul, vestígios de uma sociedade indígena que já praticava agricultura, construía aterros e organizava suas malocas em torno de uma grande praça circular há mais de quatro milênios. Uma realidade bem diferente da que se supunha para a pré-história da bacia do Prata, o Uruguai em especial -achava-se que a região tivesse sido ocupada apenas por caçadores-coletores.
As escavações nos aterros artificiais do sítio batizado de Los Ajos revelaram a exploração de milho, abóbora e feijões numa época em que a agricultura ainda engatinhava no continente. Também apareceram ferramentas de pedra e indícios de modificação da paisagem numa escala compatível com assentamentos permanentes e densidades populacionais altas no Holoceno Médio (que vai de 6.600 anos a 4.000 anos atrás).
"Nossos dados têm correspondência com desenvolvimentos culturais documentados recentemente durante o Holoceno Médio e Superior na Amazônia, na costa atlântica do Brasil e possivelmente no Pantanal, regiões que, juntamente com a bacia do Prata, eram consideradas marginais", escrevem os autores, liderados por José Iriarte, do Centro Smithsoniano para Pesquisa Tropical, no Panamá. Eles publicaram seus achados na última edição da revista científica "Nature" (www.nature.com).
Tradição
O pressuposto de que os índios das terras baixas da América do Sul eram uns tapados que viviam à sombra dos Estados andinos é uma tradição na antropologia norte-americana que não só pegou, como criou raízes profundas. O mito foi criado pelo americano Julian Steward, editor do "Handbook of South American Indians" ("Manual dos Índios Sul-Americanos"), de 1946, considerado a bíblia da etnologia no continente.
Grosso modo, o manual de Steward dividia as sociedades nativas em centrais, com Estados (nos Andes), intermediárias, com cacicados ou chefaturas (no Caribe) e marginais (nas terras baixas).
Subestimando o impacto da conquista européia sobre as populações indígenas, usando um registro arqueológico falho e munido de um determinismo ambiental assustador -que apregoava, por exemplo, que os solos pobres da Amazônia jamais poderiam suportar grandes populações de agricultores, tese hoje desacreditada-, o pensamento estabelecido pelo "Handbook" pautou as pesquisas arqueológicas na América do Sul até os anos 1980.
A partir daí, uma série de descobertas passou a literalmente reescrever a pré-história. A arqueóloga americana Anna Roosevelt propôs que a complexidade cultural tenha surgido na bacia amazônica, não nos Andes -é no Pará que está a cerâmica mais antiga do continente, com 8.000 anos. O sítio de Los Ajos adiciona mais uma região, o Prata, a um quadro que mostra um passado movimentado. "Nossas expectativas para as realizações indígenas deveriam ser maiores", escreveu o antropólogo Peter Stahl, da Universidade de Binghamton (EUA), em comentário ao estudo na mesma edição da "Nature".

FSP, 04/12/2004, p. A6

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