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Universidade indígena

Tribuna de Imprensa-RJ
Autor: Magno de Aguiar
25 de Ago de 2001

Escola Indígena. Primeiro passo para a construção da universidade indígena? Ou primeiro passo dos índios rumo à universidade? A discussão foi reacesa com a recente abertura dos primeiros cursos de licenciatura para formação de professores indígenas, na Universidade Estadual do Mato Grosso. Por enquanto, 200 índios estão matriculados.
A meta do Plano Nacional de Educação é que até 2007 os quase três mil (leigos, na maioria) que atuam em 1.500 escolas de ensino fundamental em áreas indígenas estejam capacitados para trabalhar de acordo com os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Indígena, elaborados pelo MEC, que pretende, com eles, garantir uniformidade e um padrão mínimo de qualidade para o ensino oferecido a 70 mil alunos índios.
A missão destes professores não será fácil, pois enfrentarão também o desafio de resgatar a cultura local e tornar as crianças cientes de suas origens, mas senhoras de seu destino, aptas à convivência com quaisquer outras "tribos". Será que esses objetivos se encaixam no projeto de uma universidade fechada a todos os que não dividem com eles a mesma história, valores e características raciais? É preciso que comecem a refletir sobre isso.
Vejamos. Os professores das escolas indígenas (nova categoria dentro do sistema educacional brasileiro), de fato, necessitam de formação em nível superior específica, já que terão que se desdobrar como pesquisadores e codificadores do saber oral de suas comunidades: são, ao todo, 210 grupos a serem trabalhados, reunindo mais de 300 mil indivíduos, e 180 idiomas que devem ganhar uma representação escrita, sendo que 87% deles estão ameaçados de extinção devido ao escasso número de falantes.
Ao mesmo tempo, esses professores deverão adaptar a instituição escolar (algo desconhecido em sociedades indígenas) ao modus vivendi local, elaborar projetos pedagógicos e criar materiais didáticos para sua clientela.
Não se trata, enfim, de plantar nas aldeias uma escola nos moldes aos quais estamos acostumados, mas de criar uma instituição alternativa, onde o índio, através de um processo de ensino/aprendizagem especial, que não entre em conflito com seus valores e hábitos cotidianos, tenha acesso à base mínima de conhecimentos que, hoje, qualquer ser humano, de qualquer raça ou nacionalidade, deve dominar, se quiser sobreviver com alguma autonomia e dignidade.
A intenção dos RCNEI não é impor o conhecimento do civilizador, como crêem os mais radicais, normalmente não-índios, insatisfeitos até com o fato de a legislação educacional obrigar as escolas indígenas ao ensino da Língua Portuguesa, embora elas tenham plena liberdade de usar a língua materna em suas atividades.
Desnecessário frisar que o desconhecimento do idioma falado no resto do País criaria, para as crianças, enormes dificuldades no momento em que tentassem estabelecer relações fora de seu meio. Seria o mesmo que condená-las a um isolamento que não escolheram, e que nada tem a ver com o projeto de resgate cultural com o qual a escola indígena está comprometida.
Entendemos que devem ser criadas licenciaturas voltadas para a formação e aperfeiçoamento profissional dos docentes que construirão essa escola. Mas porque acreditar que esse seria o chute inicial para a criação da universidade indígena? E qual seria, exatamente, a proposta de uma instituição desse tipo? Estudar e pesquisar somente assuntos indígenas? Ora, para isso não precisamos de nova universidade, mas novos cursos.
Se uma universidade não incentiva a integração, a troca de experiências e saberes, ela não pode sequer ser chamada por esse nome, pois, fechada em seu próprio mundo, jamais conseguirá cumprir com excelência a tarefa de transmitir e gerar conhecimentos.
Se ela gira em torno dos interesses de uma minoria, não está respeitando as diferenças, e sim negando semelhanças e estimulando a divisão. Se a escola indígena cumpriu seu propósito de reforçar a identidade cultural do jovem índio, ele não se sentirá agredido ou ameaçado ao incursionar em outros territórios. Se isso ocorrer, ela terá falhado em sua tarefa.
O objetivo da educação indígena é justamente abrir os olhos dos alunos para outros horizontes, preparando-os, inclusive, para competir em pé de igualdade por uma vaga nas universidades com outros jovens brasileiros, se assim desejarem.
Será através dela que os índios poderão ser retirados da condição de vítimas e se tornarão capazes de decidir seu próprio caminho e defender seu espaço - dentro da realidade do século XXI. Os índios não podem reinventar a História, mas devem refletir bastante sobre ela e fechar qualquer brecha por onde a discriminação, sob disfarces mais atuais, possa ser realimentada.

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