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União e Funai são condenados a indenizar povo Panará

ISA
Autor: Marco Antonio Gonçalves
14 de Set de 2000

Decisão representa vitória histórica de um povo indígena vitimado pelas políticas públicas promovidas pelo Estado na década de 70.

Teseia Panará em Brasília para conferir o julgamento Foto Orlando Brito

Em decisão inédita, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal de Brasília condenou hoje, por unanimidade, a União e a Funai a pagar uma indenização de 4 mil salários mínimos corrigidos (cerca de R$ 1 milhão) ao povo indígena Panará pelos danos materiais e morais provocados pelo trágico contato promovido a partir de fevereiro de 1973, por conta da construção da rodovia Cuiabá-Santarém. A decisão confirma sentença proferida em outubro de 1997 pelo juiz Novely Vilanova da Silva Reis, da 7ª Vara da Justiça Federal em Brasília. A ação indenizatória foi movida e acompanhada pelos advogados do Instituto Socioambiental (ISA). Participaram do julgamento os juízes Saulo José Casali Bahia (relator), Antonio Ezequiel e Eustáquio Silveira. O Ministério Público foi representado pela procuradora Deborah Duprat.

Esta é a primeira e única decisão do Judiciário brasileiro a reconhecer a responsabilidade do Estado com relação à sua política para os índios. "A decisão é histórica, pois possibilita, por um lado, às populações que se sentirem violentadas pelo Estado, reclamarem seus direitos e, por outro lado, põe em alerta as políticas públicas desrespeitosas às populações indígenas", afirmou o advogado Carlos Frederico Marés, que representou o povo Panará durante o julgamento. Cinco representantes do povo Panará acompanharam o julgamento.

Representantes dos Panará aguardam início do julgamento no TRF.
Foto Orlando Brito

À beira do extermínio

Habitantes da bacia do rio Peixoto de Azevedo, norte do Mato Grosso, os Panará foram objeto de sucessivas tentativas de contato promovidas por frentes de atração do governo federal a partir de 1967, inicialmente motivadas por suas repentinas aparições em uma base aérea localizada na Serra do Cachimbo, parte do território tradicional Panará. As tentativas, no entanto, fracassaram.

Em 1970, com o anúncio da construção da BR-163 - um dos projetos contidos no Plano de Integração Nacional (PIN) -, uma nova expedição de contato foi organizada pela Funai para tentar remover os chamados "índios gigantes" do caminho da rodovia. Os obras, no entanto, evoluíam em direção ao centro do território tradicional dos Panará sem que o contato tivesse sido consumado. Em 4 de fevereiro de 1973, quando finalmente os índios admitiram a aproximação com os sertanistas da Funai, máquinas, soldados e operários que trabalhavam na construção da rodovia já se encontravam perigosamente próximos das áreas de circulação dos índios. Mesmo assim, nenhum plano de proteção ou assistência aos Panará foi implantado pela Funai ou por outro órgão governamental.

Despreparados para enfrentar as previsíveis conseqüências da intensificação da convivência com os brancos, os Panará foram dizimados por epidemias de gripe, diarréias, prostituição e alcoolismo em poucos meses. Em janeiro de 1975, quando a extinção dos Panará parecia iminente, a Funai decidiu transferi-los para o Parque Indígena do Xingu, distante de suas terras tradicionais. Nessa época, parte considerável de seu território tradicional estava entregue a sanha dos garimpos e das fazendas que se instalaram na região. Entre o contato oficial, em 1973, e a transferência, dois anos depois, a população Panará foi reduzida de estimados 300 indivíduos para apenas 79. Em 1994, quatro dos sobreviventes conseguiram elaborar uma lista com os nomes de 176 parentes mortos, vítimas do contato.

A volta por cima

Insatisfeitos com a vida no Xingu, a partir de 1991os Panará passaram a reivindicar o retorno para suas terras tradicionais, no Peixoto de Azevedo. Com o apoio de indigenistas, advogados e antropólogos da Fundação Mata Virgem, do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) e do Núcleo de Direitos Indígenas (as duas últimas, entidades formadoras do Instituto Socioambiental), famílias Panarás visitaram a região várias vezes e ficaram indignados com o nível de destruição de suas terras. Abriram mão de terras sobre as quais teriam direitos, para evitar novos conflitos com os brancos, e decidiram reestabelecer aldeias e roças em uma área com 488 mil hectares, nas cabeceiras dos rios Iriri e Ipiranga, numa região que sobrevivera aos garimpos e fazendas. Em 1993, reivindicaram sua demarcação à Funai.

Em agosto do ano seguinte, com a assessoria de advogados do Instituto Socioambiental e o apoio da RainForest Foundation dos EUA, a comunidade indígena Panará entrou com a ação indenizatória contra a União e a Funai julgada hoje em segunda instância. Mais uma vitória na volta por cima dos Panará, que em novembro de 1996 tiveram as terras reivindicadas formalmente reconhecidas pelo governo brasileiro, através de uma portaria assinada pelo então ministro da Justiça, Nelson Jobim. Hoje, vivem na Terra Indígena Panará pouco mais de 200 índios.

Conheça o livro Panará A Volta dos Índios Gigantes” de Ricardo Arnt, Lúcio Flávio Pinto e Raimundo Pinto (texto) e Pedro Martinelli (ensaio fotográfico e relato) na nossa loja virtual.

Conheça também o vídeo O Brasil Grande e os Índios Gigantes (Panará) com a direção de Aurélio Michiles, realização do ISA de 1995.

Maiores informações com Ana Valéria Araújo Leitão: (61) 349-5114.

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