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Uma reforma agrária movida a biodiesel

OESP, Nacional, p. A12
19 de Dez de 2004

Uma reforma agrária movida a biodiesel
Novo programa vai estimular produção de diesel a partir de mamona e dendê, por pequenos agricultores, integrando 35 mil famílias

Roldão Arruda

Uma das grandes apostas do governo de Luiz Inácio da Silva para estimular a agricultura familiar nas Regiões Norte e Nordeste do País, em 2005 e 2006, é o programa nacional de estímulo à produção de biodiesel. De acordo com informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário, até o fim de 2005 cerca de 35 mil famílias estarão integradas a projetos privados de produção de biodiesel. Em 2006 poderá haver um salto para quase 250 mil famílias.
Por recomendação de Lula, nos últimos dois anos os técnicos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) participaram de quase todos os debates organizados pelo Ministério de Minas e Energia sobre o programa de biodiesel. "Nossa missão era assegurar que a produção da matéria prima, especialmente a mamona e o dendê, mais comuns nas Regiões Nordeste e Norte do País, ficasse na mão da agricultura familiar, dos setores mais pobres do meio rural", explica o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto."Essa é uma questão estratégica para o governo."
Em 2004 o governo dedicou-se a definir as diretrizes do programa. Elas estão contidas em duas medidas provisórias, hoje no Congresso à espera de aprovação, e no decreto regulamentador, que deu a partida no programa. Nele estão contidas as definições sobre a adição do diesel obtido a partir de mamona, dendê e outros produtos agrícolas ao diesel de petróleo. Hoje o Brasil importa 6,4 bilhões de litros de diesel por ano - o equivalente a 17% do consumo, em torno de 40 bilhões de litros.
A meta inicial é substituir 2% do consumo com biodiesel. Com isso o governo quer reduzir os gastos com importação e pôr em marcha um conjunto de atividades econômicas que podem dar vida nova a comunidades rurais pobres das Regiões Norte e Nordeste do País e também ao norte de Minas Gerais. De acordo com o deputado Ariosto Holanda (PSDB-CE), um dos maiores entusiastas do programa no Congresso, ele constitui uma excelente oportunidade de geração de empregos e redistribuição de renda, principalmente no meio rural.
Rossetto também se mostra entusiasmado com os progressos feitos até agora. "As empresas de produção de diesel que comprarem matérias-primas dos pequenos produtores e se comprometerem com a natureza de inclusão social e econômica do programa passarão a desfrutar de um regime fiscal especial", diz. "Em termos de tributos federais, poderão chegar à tributação zero no Norte e Nordeste. O objetivo é fazer com que a renda gerada pelo programa seja apropriada majoritariamente pelos setores mais pobres do meio rural."
VERTICALIZAÇÃO
O MDA deve empregar suas linhas de financiamento e assistência técnica para estimular o que Rossetto chama de verticalização de baixo para cima. "Vamos empurrar a organização de cooperativas, associações e empresas com os próprios produtores."
Se der certo, será uma espécie de reforma agrária sob a batuta da iniciativa privada e com maiores possibilidades de sucesso, uma vez que os pequenos produtores terão garantias de compra de suas safras. Nos projetos em andamento no Nordeste, os assentamentos se organizam em torno das indústrias processadoras, que garantem assistência técnica e a compra da safra.
Rossetto acredita que o programa terá enorme impacto positivo nas comunidades do semi-árido, cujas terras são boas para o cultivo da mamona. Segundo suas explicações, serão privilegiados os contratos que impedem a monocultura. O objetivo é estimular o cultivo consorciado de mamona ou dendê com alimentos.
BOAS PERSPECTIVAS
Não é só o biodiesel que anima o ministro em relação a 2005. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ainda não tem números oficiais sobre assentamentos neste ano. Mas estima-se que vai fechar o balanço com 90 mil famílias assentadas, além de outras 10 mil que obtiveram acesso à terra por meio do crédito fundiário.
Embora o número indique o fracasso do governo em relação à meta básica do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que previa o assentamento de 115 mil famílias neste ano, o ministro acha que há motivos para comemorar. Lembra que foram assentadas quase três vezes mais famílias que no ano passado e que o Incra vai começar 2005 em condições de assentar quase 50 mil famílias a curto prazo.
Mas o que o Rossetto mais enfatiza ao falar das atividades do ministério em 2004 é a chamada qualificação dos assentamentos. "Avançamos muito na área de assistência técnica. Chegaremos em breve a 100% de cobertura em 16 Estados da Federação. Também avançamos em relação à eletrificação rural e à saúde das famílias assentadas."
Na opinião dele, a reforma teria obtido melhores índices se contasse com mais recursos: "Durante dois anos convivemos com limitações orçamentárias. Neste ano executamos 100% dos recursos que foram destinados à obtenção de terras. Teríamos gastado mais, se tivéssemos à disposição. Mas isso não significa falta de esforço do governo. Prova desse esforço foi a suplementação de verbas que recebemos neste ano. O orçamento inicial para o programa, no valor de R$ 1,4 bilhão, foi suplementado com outros R$ 900 milhões".
O Incra gasta cerca R$ 30 mil para assentar famílias em lotes de 20 hectares, na média. Os assentamentos podem ser instalados em terras consideradas improdutivas e desapropriadas para a reforma agrária, ou em terras produtivas que o governo federal compra. Em dois anos do governo Lula foram desapropriados 1,7 milhão de hectares e outros 2 milhões estão em processo de desapropriação.
AGRONEGÓCIO
Segundo o ministro, esse trabalho faz parte da agenda econômica do governo e não se opõe de maneira alguma ao agronegócio: "A reforma é um instrumento para assegurar a produção em terras ociosas. Trata-se de transformar recursos naturais ociosos em produtivos, como determina a Constituição. Com isso podemos criar oportunidades de trabalho, aumentar a produção de alimentos e melhorar a qualidade de vida de parcela importante da população. Neste ano, com 100 mil famílias abrangidas no programa, demos uma nova chance a cerca de 400 mil pessoas. Elas saem de uma situação de instabilidade, sem perspectivas, para outra, com estabilidade, oportunidade de trabalho e cidadania".
O ministro não considera a reforma um trabalho assistencial: "Estamos falando de atividades produtivas, geradoras de riquezas e de rendas. Não se trata de um programa assistencial. Ele tem um forte conteúdo social, por se tratar de inclusão, mas é inclusão produtiva, econômica. Todos os programas do ministério pressupõe condições para gerar renda e colaborar com a economia nacional. É essa a estratégia do presidente Lula. Está comprovado que a agricultura familiar, a agricultura dos assentados, quando apoiada com tecnologia, organização de preços e crédito, tem enorme vitalidade".
Sobre as tensões sociais na zona rural, que aumentaram em 2002 e 2003 em relação aos dois últimos anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, o ministro diz: "É inaceitável o ambiente de violência e de mortes no campo. Temos trabalhado com outros órgãos do governo federal, com os Estados, os sindicatos, a Justiça, para reduzir os conflitos. Em 2004 tivemos momentos difíceis, especialmente no mês de abril, e momentos de violência inaceitáveis, como os assassinatos de trabalhadores".

OESP, 19/12/2004, Nacional, p. A12

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