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Uma missionaria boa de briga

CB, Brasil, p.16
12 de Abr de 2005

Uma missionária boa de briga
No Pará, freira norte-americana colecionou inimigos e foi indiciada duas vezes pela polícia de Altamira. Este ano, ela seria julgada por formação de quadrilha, suspeita de ajudar lavradores a invadir uma propriedade
Leonel RochaDa equipe do Correio
A missionária norte-americana Dorothy Stang não tinha medo do perigo. Ela foi morta aos 73 anos por dois pistoleiros em Anapu, centro-oeste do Pará, há exatos dois meses, em uma disputa de terras. Com doçura e coragem, ela encarou grileiros, fazendeiros e madeireiros. Enfrentou a polícia e a Justiça. Acusada pelo crime de formação de quadrilha pela promotora Helena Muniz, da comarca de Tucuruí, Dorothy seria julgada ainda este ano. A acusação: organizar a invasão da Fazenda Anapu. Com sua morte, o caso foi encerrado para a Justiça.
A irmã foi indiciada duas vezes pela polícia de Altamira. No inquérito número 4003 774, do ano passado, a missionária foi acusada de ajudar a 15 lavradores sem-terra a invadir a fazenda Rio Anapu, ocupada pelo cearense Yoakin Petrola. No conflito, morreu o segurança Moiséis Andrade. Interrogado, o lavrador José Mendonça confessou que levou o rancho” enviado pela freira aos invasores.
Segundo os próprios atiradores que entraram na fazenda, os lavradores Júnior Alves de Carvalho, Everton Luiz Mota de Oliveira e Paulo Neves Júnior, a irmã Dorothy teria sido a mentora da tentativa de invasão.
Os três estão presos em Altamira, mas tiveram licença para ir ao velório da missionária. O processo, agora, será desmembrado. Apenas dois dos três lavradores que participaram da tentativa de invasão e do assassinato do segurança serão julgados. Ela era líder antiga dos trabalhadores rurais e defensora de invasões em fazendas ocupadas por grileiros em terras da União.
Americana de Ohio, formou-se em Ciências e Pedagogia pela Universidade de Belmont, Califórnia. Fez pós-graduação no Instituto de Padres Jesuítas (Ibrades), no Rio de Janeiro. Sua monografia foi um sinal da sua luta e coragem : Projetos governamentais da Sudene”. Desde 1948 pertencia à Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, criada em 1804 pela esquerda cristã.
Quando chegou ao Brasil, em 1966, optou pela pobreza. Primeiro em Coroatá, Maranhão. Em 1974, mudou-se para Marabá, quando o Exército reprimia os últimos focos da Guerrilha do Araguaia. Militou no Jovens da Ação Católica (JAC), no Movimento de Educação de Base (MEB) e na Comisão Pastoral da Terra (CPT).
Ajudou a formar líderes como o atual senador Sibá Machado (PT-AC). Radical, a missionária foi aconselhada pelos petistas de Anapu a passar uns meses fora da cidade para não assustar o eleitorado.
Na cidade, ela tinha o apoio do presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Francisco de Assis de Souza, o Chiquinho do PT, ex-vice prefeito da cidade. Chiquinho é filho de um lavrador que a irmã Dorothy ajudou a assentar na antiga e falida fazenda Bacajax, com 3 mil hectares e 6 mil cabeças de nelore e vaca holandesa, invadida pelos liderados da missionária há 12 anos.
Ameaças
O ex-gerente da fazenda Antônio Porcidônio Pinto Lessa lembra do embate: Eles invadiram e ameaçaram. Depois, venderam a terra. Hoje, apenas duas famílias estão por lá”, conta o técnico agrícola, ex-secretário de Agricultura de Altamira. Os sem-terra poderiam invadir as glebas abandonadas ou terras devolutas vizinhas à Bacajax, mas optaram por uma fazenda já formada”, relembra Antônio.
Tem muito mais gente na região que detestava a freira e é por isso que a polícia desconfia de outros fazendeiros, além de Vitalmiro Matos de Moura, o Bida, e de Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, acusados de serem os mandantes. Em abril de 2003, a Câmara de Vereadores de Anapu votou uma moção considerando a missionária persona non grata” do município. Aquela senhora não era fácil”, relembra o delegado Waldir Freire, que investigou o assassinato da missionária.
Quando estava implantando o Projeto de Desenvolvimento Sustentável – um programa coletivista de reforma agrária em terras federais ocupadas por fazendeiros sem documento oficial, uma espécie de kibutz ou comuna – a missionária disputou duro os três mil hectares de uma fazenda que o governo desapropriou uma semana depois da sua morte quando enfrentou um pistoleiro covarde e não teve chance.

Tato depõe contra Bida
Acusado de ser o intermediário do assassinato da missionária Dorothy Stang, 73, Amair Feijoli da Cunha, o Tato, afirmou em depoimento à polícia e ao Ministério Público Estadual que o fazendeiro Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, negociou pessoalmente com outro pistoleiro para matar a freira. Segundo depoimento de Tato, Bida teria levado a Anapu um pistoleiro de Marabá (568 km de Belém), conhecido como Saint Clair, para matar a missionária na primeira semana de fevereiro. Dorothy foi assassinada no dia 12 do mesmo mês.
No entanto, ainda conforme relato de Tato, a negociação fracassou porque a freira estava viajando. O pistoleiro teria, então, desistido da oferta de Bida. De acordo com Tato, diante da negativa, Bida pediu a ele que encontrasse outra pessoa. Tato, que negava participação no caso desde que foi preso, em 19 de fevereiro, disse na semana passada ter contratado, a mando dos fazendeiros, Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, para matarem a freira. Fogoió confessou ser o autor dos disparos. Ambos estão presos em Belém.
A Polícia Civil do Pará procura pelo suposto pistoleiro com base numa espécie de retrato falado. Segundo a polícia, o novo personagem poderia confirmar a intenção de Bida e do outro fazendeiro envolvido no suposto consórcio”, Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, no assassinato.

CB, 12/04/2005, p. 16

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