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Uma lagoa sufocada

O Globo, Rio, p. 8
15 de Abr de 2015

Uma lagoa sufocada
Para especialistas, troca das águas com o mar e gestão eficiente poderiam minimizar danos

CAIO BARRETTO BRISO
caio.barretto@oglobo.com.br
EMANUEL ALENCAR
emanuel.alencar@oglobo.com.br
Colaborou Luiz Ernesto Magalhães

Patrimônio da Cidade Maravilhosa e palco de competições de canoagem e remo nos Jogos de 2016, a Lagoa Rodrigo de Freitas sofre mais uma vez com um desolador cenário de mortandade. Até o fim da tarde de ontem, a Comlurb havia retirado de suas águas 32,4 toneladas de peixes nos últimos seis dias. Dinâmica que, entra ano e sai ano, continua a desafiar gestores e especialistas. Desde 2008, o governo do estado e a prefeitura investiram R$ 100 milhões em ações de saneamento que beneficiaram a lagoa, de acordo com a Cedae. O insuficiente, no entanto, para melhorar a ligação do espelho d'água com o mar e evitar mortandades.
Especialistas em dinâmicas de lagoas e biologia marinha ouvidos pelo GLOBO contestaram ontem a informação de que a queda brusca de mais de 3 graus Celsius da temperatura, entre os dias 5 e 8 de abril, tenha causado a mortandade, que atinge principalmente savelhas. Eles argumentam que, embora a Lagoa seja um ambiente que acumula sedimentos por natureza, os problemas são potencializados pela matéria orgânica de esgotos e a falta de troca de água com o mar. Solução apresentada em 2009 pela Fundação Coppetec, da UFRJ, para ajudar na troca das águas da Lagoa, a instalação de dutos subaquáticos ficou no papel depois da derrocada do projeto Lagoa Limpa, que vinha sendo coordenado pela prefeitura, com recursos do empresário Eike Batista, em meados de 2013.
Para o oceanógrafo David Zee, a sujeira carregada por canais em frente à Rua General Garzon, na altura do Jockey Club, provocou aumento de bactérias e, consequentemente, queda de oxigênio.
TROCA DE ÁGUA COM O MAR COMPROMETIDA
Zee não tem dúvidas ao afirmar que, se a explicação do choque térmico fosse real, estariam morrendo peixes de todas as espécies, e não apenas savelhas.
- Se (a mortandade) é seletiva, estamos falando de falta de oxigênio. Os peixes não estão morrendo em grande velocidade, tem sido aos poucos. Os cardumes estão ficando presos nessa região assoreada. Não encontram saída com o pouco oxigênio e acabam morrendo. E os que ainda estão lá, apodrecendo, diminuem ainda mais o oxigênio.
Especialista em lagoas do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Christina Castelo Branco lembra que a mortandade pode ser evitada com monitoramento constante da qualidade das águas e gestão eficiente. Ela adverte que a troca de água doce com a salgada é fundamental para garantir a vida no ecossistema.
- A abertura do Canal do Jardim de Alah deve ser constante. Dragar e abrir a comporta são fundamentais e é preciso investigar se a prefeitura está fazendo o dever de casa. Com monitoramento, é totalmente possível reduzir esses efeitos nocivos - afirma. - Mortandades de peixes ocorrem há mais de 50 anos na Lagoa. A hipótese de choque térmico não me parece plausível. O problema é quando esquenta muito e falta oxigênio. Isso não ocorreu.
Christina avalia que são três as causas possíveis a serem investigadas: falta de troca suficiente de água com o mar; vendaval que revolveu o fundo e elevou para a coluna d'água nutrientes e gás sulfídrico (H2S), ou uma mudança na dinâmica da população de plânctons, causando desequilíbrios e contaminação. Savelhas podem ter se contaminado com esses micro-organismos. A hipótese de relação das mortes de peixes com a queda na temperatura também é rechaçada por Francisco Esteves, professor de Ecologia da UFRJ:
- Savelha é um peixe que não morre com mudança de temperatura. A Lagoa continua recebendo enormes quantidades de esgoto doméstico.
Na mesma linha, Estefan Monteiro da Fonseca, oceanógrafo e professor do departamento de geologia e geofísica da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que problemas de saneamento básico não podem ser ignorados:
- A explicação do choque térmico não faz sentido, não condiz com a realidade. Há uma zona na lagoa com grande concentração de enxofre, por causa de matéria orgânica. Se temos vento na direção nordeste, esse material sobe. É histórico.
Gerente de monitoramento da Secretaria municipal de Meio Ambiente, Vera Oliveira garante que o acompanhamento é eficaz e constante. Ela explica que a água é monitorada a cada 30 minutos por uma sonda que fica no meio da lagoa, a um metro de profundidade. Há também o acompanhamento manual, realizado duas vezes por semana em seis pontos diferentes. Apesar disso, ela reconhece que a secretaria foi pega "desprevenida".
- Houve uma queda de 4 graus na temperatura da água em 48 horas. O nível de oxigênio caiu muito, mas não chegou a um ponto crítico, que seria abaixo de 2 mg/l.
Segundo Vera, as chuvas da semana passada caíram num momento em que o nível de água da Lagoa estava baixo, o que provocou a redução na temperatura. Vera afirma que entrou uma grande quantidade de água pelo Canal do Jardim de Alah, também por causa da chuva.
- Essa queda provocou o desequilíbrio interno da savelha, que é um peixe sensível. Tanto é que foi a única espécie a ser atingida pela mortandade.
'A LAGOA AINDA VAI NOS DAR PREOCUPAÇÃO'
A gestão da Lagoa Rodrigo de Freitas não é responsabilidade única da pasta municipal de meio ambiente. Comlurb e Fundação Rio Águas também participam do trabalho. Ontem, representantes das três unidades foram ao local acompanhar o trabalho de retirada dos peixes mortos, feito por 62 garis a cada turno. Por ora, é impossível saber quantas toneladas de peixe ainda estão na água. Para Vera Oliveira, o pior ainda não passou.
- As microalgas ainda estão em floração e vão começar um processo de degradação da matéria orgânica, que consome mais oxigênio da água. Temos ainda uma carga de peixe morto que afundou, isso também altera o oxigênio. A lagoa está instável e ainda vai nos dar preocupação.

De acordo com a Cedae, a galeria de cintura ao redor da lagoa e oito elevatórias que encaminham o esgoto da região para tratamento estão em pleno funcionamento. A empresa afirma que "não há mais lançamento de esgoto na Lagoa".

Problema que se repete

FEVEREIRO DE 2010: A quantidade de peixes mortos chegou a 86 toneladas. Segundo a Secretaria do Ambiente, o forte calor provocou proliferação excessiva de algas, que produziram uma toxina que contaminou os peixes.
FEVEREIRO DE 2002: Novo registro de morte de peixes na Lagoa por falta de oxigênio na água.
FEVEREIRO DE 2001: Altas temperaturas são apontadas como causa de nova mortandade. Em apenas oito horas, 3 toneladas de peixes foram recolhidas.
MARÇO DE 2000: A poluição, associada a altas temperaturas, levou à morte 152 toneladas de peixes. Eles foram recolhidos das águas em poucos dias, mas o mau cheiro na região persistiu por semanas.
FEVEREIRO DE 1993: 220 toneladas de peixes são removidas da Lagoa e levadas para o Aterro Sanitário de Gramacho. A poluição das águas é apontada como responsável pela mortandade.
FEVEREIRO DE 1984 : Em menos de uma semana, 206 toneladas de peixe foram retiradas pela Comlurb das margens do espelho d'água. Enquanto os garis trabalhavam, dezenas de urubus sobrevoavam a Lagoa, atraídos pelo mau cheiro.
JUNHO DE 1978: Apenas nos seis primeiros meses do ano, 128 toneladas de peixes mortos, principalmente savelhas e tainhas, foram removidas pela Comlurb. Na época, as autoridades não deram uma explicação para as causas da mortandade.
JUNHO DE 1973: Garis retiraram quase 50 toneladas de peixes mortos. Na época, já eram discutidas soluções para tentar eliminar o problema.
SÉCULO 17: O primeiro grande caso conhecido de mortandade peixes na Lagoa teria ocorrido no século 17, em 1645. A pesca chegou a ser proibida e foram instituídas multas para aqueles que não respeitassem a decisão.

O Globo, 15/04/2015, Rio, p. 8

http://oglobo.globo.com/rio/troca-de-aguas-com-mar-gestao-eficiente-pod…

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