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Uma história de destruição da Mata Atlântica

O Globo, Sociedade, p. 29
25 de Mai de 2016

Uma história de destruição da Mata Atlântica
Relatório expõe danos ao bioma, mas ambientalista diz que ainda há tempo para regeneração

"O poder público não pode cuidar sozinho de criar e fiscalizar todas as áreas de proteção" Marcia Hirota Diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica

CESAR BAIMA
cesar.baima@oglobo.com.br

Quando Cabral desembarcou no Brasil, a Mata Atlântica cobria cerca de 1,3 milhão de quilômetros quadrados (km²) do território nacional. Passados mais de cinco séculos, porém, atualmente restam apenas cerca de 163 mil km², ou pouco mais de 12%, da floresta original, o que faz dela o grande bioma mais devastado da História do país. Mas engana-se quem acha que tal destruição ficou num obscuro passado em que não existiam preocupações ambientais. Fazendo valer a máxima de que só se preserva aquilo que se conhece, em 1990 a Fundação SOS Mata Atlântica, com a participação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), produziu o primeiro levantamento das áreas remanescentes do bioma no Brasil e, a partir do ano seguinte, em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), passou a monitorar sua taxa de desmatamento, com números retroativos a 1985.

E os resultados foram entristecedores. Então, eram destruídos anualmente mais de 100 mil hectares (ha) de Mata Atlântica. Embora esse ritmo tenha diminuído nos últimos anos, principalmente a partir de 2000, o bioma ainda sofre com a ação humana, como mostra a última edição do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, divulgado hoje pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Inpe. De acordo com o levantamento, entre 2014 e 2015 foram desmatados mais 18.433 ha, ou 184 km², deste tipo de floresta no país, numa leve alta frente às perdas do período anterior (2013-2014), que chegaram a 18.267 ha.
- A História do Brasil é a história da devastação da Mata Atlântica, com a destruição da floresta para diferentes usos - destaca Marcia Hirota, diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica. - Quando fizemos o primeiro levantamento, em 1990, identificamos que pouco restava do que havia originalmente de Mata Atlântica. Aí, começamos a fazer o monitoramento destas áreas e vimos que elas ainda eram muito desmatadas. E isso foi algo espantoso, já que imaginávamos que o bioma tinha sido destruído nas décadas do passado e constatamos que na verdade isso é um processo contemporâneo.

Segundo os levantamentos produzidos pela fundação e o Inpe com dados dos últimos 30 anos, desde 1985 foram desmatados cerca de 1,9 milhão de hectares de Mata Atlântica no Brasil, ou o equivalente ao mesmo número de campos de futebol nas dimensões máximas da Fifa (120 x 90 metros). Marcia alerta que as diferentes metodologias, resoluções e áreas incluídas nos estudos feitos no período não permitem afirmar se houve avanço ou recuo na cobertura de floresta nestes 30 anos. Apesar disso, ela considera que mesmo que o desmatamento zero ainda não seja uma realidade, é hora de concentrar esforços na regeneração do bioma.

- A área de cobertura pela floresta possivelmente aumentou em algumas regiões, mas decresceu em outras, então não dá para dizer que houve uma recuperação geral - diz. - De qualquer forma, nosso principal desafio hoje é a regeneração das áreas devastadas, principalmente as que são de preservação permanente, como as matas ciliares dos rios. Garantir a proteção dos rios e suas nascentes é fundamental para que tenhamos água para nosso consumo, algo diretamente relacionado com nosso futuro.

PRESERVAÇÃO EM TROCA DE ISENÇÃO

Assim, Marcia defende mais incentivos para que a própria sociedade participe deste processo, como as chamadas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), mecanismo pelo qual donos de terras se comprometem a preservar de forma permanente partes de suas propriedades em troca de isenção do Imposto Territorial Rural e outros benefícios.

- O poder público não pode cuidar sozinho de criar e fiscalizar todas as áreas de proteção - avalia. - Precisamos da participação da sociedade nisso, com população e empresas ajudando no desenvolvimento deste potencial de conservação. Se não, estamos comprometendo os serviços ambientais para as futuras gerações.

Por fim, apesar de expressar certo otimismo quanto a este futuro, Marcia também está preocupada com alguns retrocessos verificados na última edição do mapa da fundação. Entre eles, um dos mais lamentáveis foi a volta de Minas Gerais à liderança no desmatamento, com mais de 7,7 mil ha devastados entre 2014 e 2015. Neste número estão incluídos os 169 ha destruídos pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco na cidade de Mariana, que responderam por 65% dos 258 ha de Mata Atlântica perdidos pelo município no ano passado.

- A legislação ambiental não existe só para proteger a natureza, a floresta e a biodiversidade, mas também para garantir a segurança das pessoas para que não aconteçam tragédias como esta - lembra. - O caso de Mariana deve ficar como um alerta para toda sociedade.

O Globo, 25/05/2016, Sociedade, p. 29

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/mata-atlantica-perde…

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