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Uma decisão a favor do atraso científico

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
30 de Jan de 2009

Uma decisão a favor do atraso científico

Washington Novaes

Não poderia ser mais incompreensível e inquietante a notícia de que o Congresso Nacional reduziu em 18%, no Orçamento federal para 2009, os recursos para o Ministério da Ciência e Tecnologia (22/1) - uma redução de R$ 1,1 bilhão, do qual R$ 819 milhões destinados ao Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e R$ 180 milhões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (este último anulado terça-feira última). É um grave problema para o País. O próprio presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antônio Raupp, assim como o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis, consideraram a decisão "extremamente grave".

O ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, foi mais longe: "É uma decisão irresponsável", que obrigará aqueles órgãos a "mandar embora" grande parte dos bolsistas que financiam, no momento em que "investir em ciência e tecnologia é uma das saídas para a crise financeira que o mundo enfrenta". Nesta hora, não se pode aceitar que o Congresso corte recursos maiores que o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a maior entre todas as instituições de pesquisa do País. E no momento em que, segundo o Banco Mundial, o Brasil ainda investe apenas 1,02% de seu produto bruto anual em pesquisa - embora o presidente da República houvesse prometido chegar a 2010 com 1,5% (os países da OCDE investem em média 2,26%).

É também uma decisão muito problemática para áreas fundamentais num país que tem em seu patrimônio natural uma de suas armas mais fortes (Estado, 15/7/2008), já que recursos naturais são hoje um fator escasso no mundo (consumo já 30% além da capacidade de reposição da biosfera). Como encontrar, sem investimentos em ciência, soluções econômicas e sociais baseadas na biodiversidade e que conservem biomas como a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica, os recursos pesqueiros? Como desenvolver variedades agrícolas (soja, milho, feijão, café e outras) para substituir as que já estão tendo sua produtividade afetada pelo aumento da temperatura e pelas mudanças climáticas? Como desenvolver sistemas científicos avançados para previsões mais apuradas e com mais antecedência nessa área, para ajudar a evitar "desastres naturais" e dramas para as populações (como os que estão acontecendo hoje em vários Estados)? Como investir no desenvolvimento de energias renováveis e alternativas, que poderão ser uma das grandes armas da economia brasileira nas próximas décadas? Como aumentar o conteúdo tecnológico de nossas exportações e depender menos de importações às quais os países que nos vendem agregam todos os fatores, enquanto nós continuamos a comprar fora insumos caros e a depender fortemente de commodities cujo preço não controlamos?

Segundo o Fórum Econômico Mundial (Agência Estado, 10/4/2008), o Brasil ocupa hoje apenas o 59o lugar (entre 175 países) entre as economias que conseguem tirar proveito de novas tecnologias para aumentar a produtividade. Nosso sistema educacional é muito falho, diz o relatório. E o ambiente regulatório, "inadequado". Nosso ensino de Matemática e Ciências classifica-se em 114o lugar e o sistema educacional como um todo, em 117o. Estamos atrás do Chile, da Argentina e de outros países latino-americanos, longe da Índia, da China, de Cingapura, da Coreia do Sul, de Taiwan, para não falar de EUA, Japão e Alemanha, os primeiros colocados. 40% dos investimentos em ciência e desenvolvimento no mundo se concentram nos EUA e no Canadá (29,4% na Europa, 27% na Ásia e 1,6% na Oceania, na América Latina e no Caribe), segundo Jorge Werthein, da Rede de Informação Tecnológica da América Latina (Estado, 13/10/2008).

Estudo do Banco Mundial (Estado, 11/9/2008) aponta as razões fundamentais para nossos problemas na área: ensino básico precário, que resulta em candidatos pouco qualificados para o ensino superior; universidades "distantes do setor produtivo", voltadas mais para o conhecimento teórico do que para a prática; tradição de importar e adaptar tecnologias, em lugar de criá-las. Por isso mesmo, a participação brasileira em patentes requeridas é inferior a 1%. O Brasil, que ocupava o 15o lugar entre os países produtores de artigos científicos, já perdeu esse lugar para Taiwan, Turquia, Suécia, Suíça.

Nesse quadro, reduzir os recursos estatais para pesquisa e desenvolvimento é muito temerário, ainda mais quando se sabe que eles representam 51% do total. E mesmo nos investimentos privados 60% vêm de fora do País (OCDE, 28/10/2008). Só 10,1% dos graduados em universidades têm titulação em Ciência e Engenharia. E só 7,8% de nossa população entre 25 e 64 anos passa pelo ensino superior. Apenas 1% dos formados em nossas universidades passaram por cursos tecnológicos.

Com a decisão do Congresso em relação ao Orçamento, o total brasileiro de investimentos em ciência e tecnologia, que foi de R$ 23,7 bilhões em 2006, poderá até reduzir-se, já que o FNDCT e o CNPq são os principais financiadores de pesquisas e formação de cientistas. Não tem cabimento. E é preciso criar pressões em todas as áreas para que essa decisão seja revista.

Não nos podemos conformar com a posição de apenas produtores de commodities e importadores de bens tecnológicos, ainda mais num momento em que a cotação daquelas cai, ao mesmo tempo que sobem os preços de insumos, tecnologias e equipamentos de que elas dependem (reduzindo ainda mais sua rentabilidade líquida). Não podemos, em última análise, conformar-nos apenas com o papel de fornecedores de produtos baratos aos países industrializados, na parte que lhes convém - e que implica altos custos ambientais e sociais, sem remuneração. Essa lição já é mais do que sabida. Está na hora de mudar - inclusive aproveitando a crise financeira.

Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP, 30/01/2009, Espaço Aberto, p. A2

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