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Um programa para ficar no discurso

OESP, Nota e Informações, p. A3
11 de Fev de 2007

Um programa para ficar no discurso

A pergunta de R$ 10 bilhões é a nova atração do governo-espetáculo: como será executado o Programa de Desenvolvimento da Biotecnologia? No show de lançamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que parece ter um prazer mórbido em "fazer o país de bobo" - anunciou investimento com aquele valor no tal programa nos próximos dez anos. O governo, segundo prometeu, contribuirá com 60%. Mas não contou de onde sairá esse dinheiro nem revelou como o setor privado será induzido a aplicar os outros R$ 4 bilhões. Ouvido o lado empresarial, o mistério permaneceu.

Hoje as quantias aplicadas são modestas, na casa dos milhões, disse ao Estado o gerente-executivo de Competitividade Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Maurício Mendonça. "Tenho dificuldade para entender como chegar a números tão significativos partindo de uma base tão pequena", acrescentou.

Informa-se que o governo começou a juntar os pedaços desse programa - ou mero elenco de intenções - em setembro de 2004. Maurício Mendonça estranhou que tenha esperado tanto para lançá-lo, uma vez que passou o primeiro mandato inteiro discutindo o assunto. Mesmo assim, não foi capaz de apresentar um plano de financiamento para as ações anunciadas nos campos da saúde, do agronegócio, da indústria e do meio ambiente. Também não deu nenhum passo para criar as condições institucionais necessárias. Quanto a isso, o ministro da Ciência e Tecnologia reconhece que para começar vai ser preciso alterar a Lei de Biossegurança. Sem alteração das normas de funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), diz o ministro, o setor privado não será atraído.

Com esse comentário ele só mostrou uma parte do problema. Mesmo sem o programa lançado na quinta-feira pelo presidente Lula, seria preciso mudar a Lei de Biossegurança. Depois de tramitar durante anos, essa lei foi adaptada, por interferência do Executivo, para atender aos grupos inimigos da biotecnologia e do agronegócio, liderados pela ministra Marina Silva.

Em conseqüência da capitulação do presidente, a CTNBio deixou de ser um organismo técnico e científico e converteu-se num colegiado fortemente influenciado por bandeiras ideológicas. Os técnicos e cientistas perderam poder. O funcionamento da comissão passou a depender dos caçadores de bruxas até para o quórum necessário a votações. Isso tornou extremamente difícil a autorização de uso comercial de transgênicos. O comitê, afirmou há meses seu presidente, virou uma assembléia.

O presidente Lula reconheceu a distorção e declarou-se disposto a pedir a mudança da lei, para restabelecer as condições de trabalho da comissão. Até agora, ficou na promessa. A politização do trabalho, nesse caso, foi tão desastrosa quanto a subordinação dos projetos de infra-estrutura a organismos ambientais interessados não em conciliar preservação e desenvolvimento, mas empenhados basicamente em dificultar a execução de obras de infra-estrutura, como estradas, portos e centrais elétricas.

Todas as linhas de ação previstas na Política de Desenvolvimento da Biotecnologia são muito importantes para o País. Muitas, se não todas, já constam das pautas de trabalho do governo e do setor privado, como a fabricação de vacinas, a criação de centros para produção de hemoderivados, o desenvolvimento de plantas resistentes a pragas e a condições adversas do clima, a produção de etanol e biodiesel, etc.

Algumas, com a participação do setor privado, já deram resultados notáveis. O caso mais notável é o do etanol. Outras linhas de trabalho dependem de mais investimentos. Outras, ainda, de melhores condições institucionais, indispensáveis à mobilização de recursos do setor empresarial.

Tomadas em conjunto, só poderão compor um programa com alguma chance de êxito se tiverem uma competência gerencial até agora desconhecida na administração petista. Para tratar disso, Lula anunciou no discurso de quinta-feira a criação de um Comitê Nacional de Biotecnologia formado por 10 ministros, agências financiadoras e de pesquisa. É a garantia de que no final do segundo mandato o programa estará onde estava ao final do discurso de quinta-feira.

OESP, 11/02/2007, Nota e Informações, p. A3

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