VOLTAR

Um prêmio à pioneira da agroecologia

OESP, Vida, p. A21
22 de Jul de 2012

Um prêmio à pioneira da agroecologia
A agrônoma Ana Primavesi luta há 65 anos pela vida dos solos; em setembro, receberá o principal prêmio mundial da agricultura orgânica

TÂNIA RABELLO
ESPECIAL PARA O ESTADO

A modéstia permeia as declarações da engenheira agrônoma Ana Primavesi quando ela se refere ao One World Award - o principal prêmio da agricultura orgânica mundial, conferido pela International Federation of Organic Agriculture Movements (Ifoam). Neste ano, foi ela a escolhida para receber a homenagem, na Alemanha.
"Eles distribuem o prêmio entre os vários continentes. Agora, foi a vez da América do Sul", comenta uma das precursoras do movimento orgânico no Brasil. "Estão me premiando por toda parte... Não sei para que isso", acrescenta, quase encabulada.
E ouve, em seguida, que a homenagem que receberá no dia 14 de setembro, com a participação de mais de mil pessoas, entre elas a vencedora do prêmio Nobel Alternativo da Paz, a indiana Vandana Shiva, é mais do que merecida, pelo trabalho que vem fazendo, há 65 anos, pela agricultura ecológica, auxiliando lavradores a tornarem suas terras produtivas e limpas, em harmonia com o ambiente, eliminando o uso de agrotóxicos e adubos químicos.
"Pois é... Pelo jeito...", sorri Ana Primavesi, que arremata: "Dizem que eu inventei a agricultura orgânica. Conscientemente, não. A gente sempre trabalhou dessa forma".
Impactos positivos. Instituído em 2008, o One World Award é conferido a cada dois anos a ativistas da agricultura orgânica no mundo. São pessoas cujo trabalho impacte positivamente a vida dos produtores rurais.
Em 2008, quem ganhou o prêmio foi o veterinário e professor alemão Engelhard Boehncke, por suas práticas e estudos em relação à criação orgânica de animais. Há dois anos, foi a vez do indiano pioneiro em agricultura orgânica Bhaskar Salvar, que, logo no início da década de 1950, contrapôs-se à Revolução Verde - que inaugurou o uso de adubos sintéticos e agrotóxicos nas lavouras -, ensinando agroecologia aos produtores, com o uso de fertilizantes orgânicos, a manutenção da vida no solo e o fortalecimento das plantas por meio de um ambiente equilibrado.
Neste ano, Ana Primavesi será a agraciada. Aos 92 anos, austríaca naturalizada brasileira, formada pela Universidade Rural de Viena, é Ph.D. em Ciências Agronômicas e especializada em vida dos solos. Publicou vários artigos científicos e livros sobre o assunto, mas um deles, Manejo Ecológico do Solo (Editora Nobel, 552 páginas, reeditado mais de 20 vezes), é uma das bíblias da produção orgânica e leitura obrigatória nas faculdades de Agronomia do País.
A obra é citada no livro Plantas Doentes pelo Uso de Agrotóxicos, de Francis Chaboussou, no qual prova que pragas e doenças não atacam plantas cujos sistemas estejam equilibrados. E que são os adubos químicos e os agrotóxicos que atraem os parasitas, gerando um ciclo de dependência, com nefastas consequências para o planeta.
Preservação. Desde 1947, quando iniciou sua vida profissional, e por meio de aulas na Universidade Federal de Santa Maria (RS), Ana Primavesi vem batendo na tecla da preservação da vida no solo. Em aulas, palestras, conferências, debates, assistências técnicas diretas aos produtores rurais e a suas associações, a engenheira agrônoma repete frases que se tornaram mantras.
E quem as coloca em prática vê os resultados na produção, na preservação e na saúde de quem planta e de quem consome os alimentos agroecológicos: "O segredo da vida é o solo, porque do solo dependem as plantas, a água, o clima e nossa vida. Tudo está interligado. Não existe ser humano sadio se o solo não for sadio e as plantas, nutridas."
Observação. Tanto que a primeira coisa que ensina aos agricultores que a procuram é olhar para a terra. "Se o solo tem uma boa estrutura, o agricultor tem grande chance de modificá-lo e convertê-lo para a agricultura orgânica", diz. "Terra com boa estrutura forma grumos, que nada mais são que o entrelaçamento de microrganismos que conferem vida ao solo e saúde às plantas, além de permitirem a infiltração da água. Em solos compactados e sem vida, água vira enxurrada e provoca erosão."
Ana Primavesi lembra que uma planta precisa de no mínimo 45 nutrientes para se desenvolver e produzir de forma saudável. "A agricultura convencional dá, no máximo, 15 desses nutrientes para as plantas. E nem sempre esses 15 nutrientes são integralmente ministrados às lavouras convencionais", diz.
O resultado são plantas deficientes nutricionalmente e frágeis aos ataques de pragas e doenças, dependentes, portanto, do uso de agrotóxicos.
É justamente a maneira de devolver esses nutrientes ao solo que Ana Primavesi ensina aos agricultores. Ela lembra de agricultores na cidade de Diamantina, em Minas Gerais, que há cerca de 15 anos a procuraram porque já não conseguiam produzir com o pacote convencional.
"Eles estavam a desanimados, quase falindo, porque a cada ano a terra respondia menos às adubações", conta. "Começamos a melhorar o solo e a qualidade dos nutrientes, passando a aplicar adubações orgânicas", continua. "Demorou uns quatro a cinco anos, mas agora eles produzem com fartura. Há uns anos voltei lá e vi como estavam felizes com a produção orgânica", conta Ana, ressaltando que a recompensa sempre vem. "O problema é que ela não é rápida, e muitos desistem."

O sítio, legado do cultivo limpo, está à venda
Ana Primavesi não quer, porém, destinar a qualquer pessoa uma área onde provou, na prática, suas teorias

Um laboratório vivo de agroecologia e manejo ecológico dos solos. Ou, simplesmente, um sítio. O sítio de Ana Primavesi, situado em Itaí, região de Avaré (SP), a 300 km da capital.
Quando Ana Primavesi o comprou, há 32 anos, o solo estava degradado, infértil, cheio de voçorocas - a erosão em seu mais alto grau. E sem nenhuma nascente. Reportagem de 28 de outubro de 1980, no Jornal da Tarde, do jornalista Randau Marques, noticia quando Ana adquiriu o sítio de 96 hectares: "A doutora Ana Primavesi está deixando São Paulo por um pedaço de terra árida e marcada pela erosão. É a terra que ela transformará numa fazenda rica e produtiva, gastando pouco e sem usar agrotóxicos".
Dito e feito. Ao longo de três décadas, vivificou o solo, eliminou voçorocas e recuperou mata nativa e nascentes. "Hoje temos cinco nascentes ali", orgulha-se. Numa região cercada por cana e pasto, o solo vivo do sítio se destaca. "O café produzido ali, organicamente, atrai vários compradores, que dizem que os grãos dão uma bebida especial", comenta a filha de Ana, a psicopedagoga Carin Primavesi Silveira.
Ali a agrônoma produziu, com fartura, milho e café, além de criar gado. Tudo organicamente. Em 25 de janeiro deste ano, porém, mais por questão de idade do que de saúde, Ana teve de deixar o sítio onde provou na prática todos os seus ensinamentos. "Hoje o solo do sítio está vivo", garante ela, que voltou para São Paulo, ao bairro do Campo Belo, na casa que construiu e mora com Carin e família.
Futuro. Agora, sem condições de seguir o cuidado desenvolvido no local, a família optou por colocar o sítio à venda. E, sendo a propriedade um legado da agroecologia, há várias pessoas em busca de uma solução que permita a preservação e a continuidade do trabalho. Em especial, um grupo de 20 pessoas ligadas ao movimento orgânico no Brasil, que tem se reunido para encontrar uma solução. A ideia que mais tomou corpo foi a da criação da Fundação Dra. Ana Maria Primavesi, que daria conta de gerir o sítio e torná-lo um polo difusor de agroecologia.
"Para tanto, precisamos de investidores, sejam pessoas físicas ou jurídicas, a fim de adquirir a propriedade", diz o professor Manoel Baltasar, da Agroecologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e um dos membros do grupo de discussão.
Também foi criado um blog (anaprimavesiana.blogspot.com.br) para difundir tudo o que se relacione ao trabalho de dona Ana. Espera-se, em breve, que ele possa divulgar a atuação da fundação no sítio. O e-mail de Carin (carin.bp@gmail.com) está aberto a contatos e mais informações. Sobre o sítio, Ana repete a todos que só quer uma coisa: manter o seu solo vivo. / T.R.

OESP, 22/07/2012, Vida, p. A21

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um-premio-a-pioneira-da-agr…
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-sitio-legado-do-cultivo-l…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.