VOLTAR

Um pouco sobre "Os índios" no Brasil de hoje

O Jornal da Zona Sul, p. 3
Autor: RICARDO, Beto; KAHN, Marina
30 de Abr de 1995

Um pouco sobre "Os índios" no Brasil de hoje

Carlos Alberto Ricardo e Marina Kahn

Informações do Instituto Socioambiental nos permitem dizer que a população indígena no país concentra 206 etnias, totalizando cerca de 270 mil pessoas, isto é, 0,2% da população nacional. A maior parte dessa população é formada por microssociedades: do total, cerca de,77% têm uma população de até mil indivíduos; apenas os grupos Kaingang (RS) e Ticuna (AM) estão em torno de 20 mil pessoas e, com cerca de 30 mil (no Brasil), apenas os Guarani. Na realidade, esta categoria genérica "índios" não pode sequer ser apontada no mapa como ocupante de determinada região do país e passível de ser enxergada, estudada e analisada isoladamente. Tanto esses 206 grupos (dos mais de mil que, segundo estudos demográficos, existiam por aqui quando da chegada dos europeus), quanto as cerca de 170 línguas nativas faladas no Brasil, talvez apenas a metade tenha sido objeto da pesquisa básica. A maior parte não está publicada e outra é acessível apestas em língua estrangeira. Há uma bibliografia didática rala, quando não preconceituosa e desinformada. Na imprensa, o assunto é tratado de forma fragmentada, com histórias superficiais e imagens genéticas, enormemente empobrecedoras da realidade, Na década de 40 só se falava dos Karajá, da ilha do Bananal. Nos anos 50 foi a vez dos Xavante que, logo após, os primeiros contatos com os "civilizados", foram mostrados vestindo ternos numa loja da rede Ducal, em São Paulo. No fim dos anos 80 foi a vez dos Yanomami, de Roraima, vítimas da invasão garimpeira. O que se diz das demais etnias? Nada. Apenas o noticiário mais afeito às grandes tragédias humanas é que vai dar espaço ao drama dos Guarani, do MS que, misteriosamente, passaram a produzir suicídios de jovens, em série. E você, leitor. Você sabe alguma coisa dos Guarani que moram aí, bem perto, na represa de Guarapiranga? Quem sabe alguma coisa logo lembra de miséria, pobreza, bêbados... 0 que mais poderia caracterizá-los para alterar essas imagens negativas? Você sabia que eles ainda falam a língua nativa e que as crianças mal falam o português? Você sabia que eles, além de serem a maior etnia no Brasil, fazem parte de um imenso e mesmo grupo que tem parentes no Paraguai, Argentina, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, além de São Paulo? E que são eles os parentes dos primeiros "índios" encontrados pelos portugueses na época do descobrimento, o que significa que sua existência até hoje representa o maior símbolo de resistência à dominação dos brancos? A miséria que você assiste só existe porque eles, em busca de uma vida melhor, trataram de espalhar-se, sobrevivendo em porções ínfimas de terras, nem sempre garantidas por lei e quase nunca satisfatórias para a preservação de um padrão digno de existência, compatível com seu modo tradicional de viver.
O Brasil, que vai completar 500 anos no ano 2000, desconhece e ignora a imensa sociodiversidade nativa contemporânea dos povos indígenas que habitam suas fronteiras.

Carlos Alberto Ricardo é antropólogo e coordenador do Programa Povos Indígenas no Brasil, do CEDI (1978/94) e atual secretário executivo do Instituto Socioambiental (SP). Marina Kakn é antropóloga e pesquisadora do Instituto Socioambiental.

O Jornal da Zona Sul, Abr 1995, p. 3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.