VOLTAR

Um estado em pé de guerra

O Globo, Capa e O País, p. 1 e 3
07 de Jan de 2004

Fazendeiros e índios isolam Roraima
Em protesto contra a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, anunciada pelo governo para este mês, produtores rurais e índios aliados de fazendeiros bloquearam as rodovias de acesso à capital de Roraima e a países vizinhos. Três padres são reféns dos manifestantes.

Um estado em pé de guerra
Evandro Éboli e Carter Anderson

Duas semanas depois de o governo anunciar que vai homologar a terra indígena Raposa Serra do Sol até o fim deste mês, uma onda de protestos deixou ontem o estado de Roraima isolado. Os manifestantes fecharam pontes e todas as rodovias de acesso à capital, Boa Vista. A sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) na cidade foi invadida por índios cooptados por ruralistas. Os protestos também se estenderam a outras regiões. Uma aldeia teria sido depredada e três religiosos estrangeiros foram feitos reféns no Norte do estado.
A manifestação, que contou com o apoio do governador Flamarion Portela (sem partido), foi organizada, principalmente, por produtores de arroz, que têm suas plantações dentro da reserva e terão que se retirar da área com a homologação. No protesto foram fechados trechos de duas rodovias federais: a BR-174, que liga Boa Vista a Manaus e à Venezuela, e a BR-401, que liga a capital à Guiana Inglesa.
Os plantadores de arroz, com apoio de um grupo minoritário de indígenas contrários à demarcação, invadiram a aldeia de Surumu, onde há uma missão religiosa, e fizeram reféns os padres Romildo Pinto de França e Cezar Avellaneda e o missionário Juan Carlos Martinez. Os manifestantes ainda teriam destruído um hospital e uma escola na área, que fica a 220 quilômetros de Boa Vista.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acusa os invasores de terem espancado os religiosos e expulsado os índios da aldeia. Os padres e o missionário teriam sido amarrados e estariam sofrendo humilhações. A Polícia Federal em Roraima confirmou o seqüestro dos religiosos, mas não sabia sobre as privações a que estariam sendo submetidos. A delegada da PF Juliana Cavaleiro aguardava reforço para resgatar os reféns.
- Os manifestantes nos garantiram que eles estão bem de saúde e estão sendo alimentados. Mas os três não podem permanecer em cárcere privado - disse Juliana.
O governador, os fazendeiros e um grupo de indígenas querem excluir da reserva as vilas, as sedes dos municípios de Pacaraima, Uiramutã e Normandia, as estradas de acesso e os arrozais. O anúncio feito em dezembro pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de que a terra seria homologada como foi demarcada foi o estopim para a revolta de ontem.
Governador apóia a manifestação
Em nota, Flamarion - que está sendo investigado sob suspeita de ter ajudado a inchar a folha de pagamento do estado com servidores fantasmas - não condenou o protesto. Ele disse ser favorável a manifestações pacíficas e afirmou que o governo apóia o direito dos povos indígenas à terra e também as reivindicações dos agricultores.
Organizador da manifestação e principal plantador de arroz do estado, Paulo César Quartiero acompanhou a invasão da Funai por cerca de cem indígenas. Ele disse que a declaração do ministro da Justiça deflagrou o movimento. Quartiero é dono de uma área de nove mil hectares na reserva Raposa Serra do Sol. Do total, cinco mil hectares são de plantação de arroz. Ele cria três mil cabeças de gado na terra. A reserva, demarcada em 1998, tem 1,7 milhão de hectares.
- Não vamos aceitar a demarcação como foi anunciada pelo governo. Não vamos permitir a presença de padres ongueiros e nem desse pessoal da Funai. O governo federal está inviabilizando o estado - disse Quartiero.
O comandante-geral da Polícia Militar de Roraima, coronel Ben-Hur Gonçalvez, disse que a manifestação foi pacífica e que o único transtorno foi o bloqueio das estradas. Ele disse que os índios ocuparam pacificamente a Funai. A manifestação deverá durar 48 horas.
Ruralistas ameaçam não liberar estradas
A produtora rural Isabel Cristina Ferreira Itikawa, outra organizadora do protesto, disse que as estradas só serão liberadas quando o governo federal concordar com as reivindicações da categoria.
- Tem que demarcar, os índios têm direito. Mas a demarcação tem que ser feita em ilhas, respeitando as fazendas produtivas e as estradas - afirmou Isabel, casada com o produtor rural Nelson Itikawa, dono da Fazenda Carnaúba, no município de Normandia, vizinho à capital de Roraima.
O casal integra um dos três grupos de manifestantes que usaram caminhões, tratores, colheitadeiras e outros equipamentos agrícolas para bloquear as rodovias.
- Queremos chamar a atenção do governo federal para o descaso com que está tratando o povo de Roraima, fechando as portas para o desenvolvimento do estado. Fechamos as entradas e as saídas de Boa Vista e só vamos levantar acampamento quando houver uma decisão definitiva do governo federal - afirmou Isabel.
De acordo com a ruralista, os fazendeiros da região produzem arroz, milho e soja e querem a garantia de que poderão continuar a trabalhar em suas terras. Ela acusou setores da Igreja Católica e organizações não governamentais (ONGs) de serem responsáveis por um movimento que visa, segundo ela, a expulsar oito mil pessoas de suas propriedades. Isabel disse que sua fazenda tem 2.700 hectares e produz arroz, vendido para Amapá, Pará e Amazonas:
- Ficamos apreensivos quando foi publicada a notícia de que a reserva será demarcada este mês.

O Globo, 07/01/2004, Capa e O País, p. 1, 3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.