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Um divisor de águas

CB, Brasil, p. 12
06 de Jul de 2006

Um divisor de águas
Representantes da sociedade civil participam de seminário sobre as obras para o de desenvolvimento sustentável do São Francisco. Bispo que fez greve de fome em 2005 sugere a construção de cisternas

Hércules Barros

O sonho de todo sertanejo de ver o semi-árido irrigado vai ficar para um próximo governo. Nordestino, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva até pretendia levar água para 12 milhões de pessoas no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco em quatro anos. Definiu a transposição do Rio São Francisco como a principal obra de infra-estrutura de seu governo. Mas não conseguiu ir longe. Esbarrou em interesses econômicos dos estados banhados pelo Velho Chico e na oposição de comunidades tradicionais, que temem a utilização do projeto para empreendimentos privados de irrigação. Agora, Lula está impedido de seguir com a transposição, por causa da legislação eleitoral.
Liderados pelo bispo da diocese de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, os pescadores do São Francisco alegam que a transposição não chegaria às maiores vítimas da seca, os sertanejos. E alcançaria apenas os investimentos próximos aos açudes beneficiados.Dom Cappio ficou conhecido depois da greve de fome de onze dias, que ganhou as manchetes do mundo em outubro de 2005, contra a transposição do rio. A atitude do religioso comoveu o país e obrigou o governo a suspender as obras para rediscutir o projeto.
Entre as condições para o fim da greve de fome estava prevista a realização de um debate envolvendo setores de toda a sociedade para tratar da transposição das águas do Velho Chico, antes que as obras fossem iniciadas.Fruto do acordo firmado em 6 de outubro entre o então ministro da Coordenação Política, Jaques Wagner, e o bispo, o seminário Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido e o Rio São Francisco começa hoje e vai até amanhã, em Brasília. Estarão presentes, além do bispo, 40 representantes da sociedade civil e 20 integrantes do governo. Será o primeiro encontro sobre desenvolvimento do semi-árido, transposição e revitalização do Rio São Francisco.
Também farão parte do debate da transposição, integrantes da Cáritas Brasileira, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral de Pescadores (CPP), fóruns e redes ambientais, universidades e organizações não-governamentais. De acordo com a assessora da Cáritas Marcela Menezes, responsável pelo Programa de Convivência com o Semi-Árido da Cáritas Regional na Bahia e Sergipe, o seminário vai ajudar a mapear os consensos, as divergências e apontar questões para aprofundar o debate.
Alternativa
Para Cappio, representante da Articulação do Semi-Árido (ASA), o seminário é o começo dos debates sobre propostas alternativas. Ele lembra que existem segmentos que precisam fazer parte da discussão e cita alternativas para levar água à população, como os projetos de cisternas. "Na minha diocese temos milhares de cisternas que acumulam, cada uma, 23 mil litros de água.
Com os R$ 4,5 bilhões que o governo quer gastar nas obras, eu construiria 3 milhões de cisternas e resolveria o problema de 1,5 milhão de pessoas do semi-árido", calcula. Segundo o bispo, o presidente Lula conhece essa proposta alternativa. "Existem possibilidades mais baratas, menos agressivas e não megalomaníacas", afirma.
O coordenador do projeto São Francisco da CPT, Ruben Siqueira, acrescenta que a sociedade civil não quer a extinção do projeto da transposição, mas que se leve em conta a realidade atual do rio: o impacto das barragens; a poluição por agrotóxico e a atividade industrial; além da dificuldade de acesso dos ribeirinhos à pesca devido à privatização de lagos e do rio para projetos de piscicultura, criação de gado e irrigação de monoculturas. "O pescador está sendo substituído pelo interesse industrial e mercantil", critica. Siqueira trabalhou há 25 anos no baixo São Francisco - abaixo da barragem de Paulo Afonso, na Bahia, até a foz, entre Sergipe e Alagoas. "Na época, a região tinha 12 mil pescadores. Atualmente não passam de 5 mil", afirma.
De acordo com diagnóstico da CPP, o alto São Francisco - da nascente na Serra da Canastra ao município de Ibiaí (MG) - tem problemas de poluição por metais pesados. No médio São Francisco - de Ibiaí até Xique-Xique (BA) - além de poluição, há ainda o impacto das carvoarias e do assoreamento. No submédio São Francisco - Lago de Sobradinho (BA) - há escassez de peixe devido às barragens e ao latifúndio. O mesmo quadro se apresenta mo baixo São Francisco. "A vazão do rio não é grande por causa das barragens e a piora com a irrigação das monoculturas dos latifúndios na região", explica a pescadora Alzení Tomáz, da Articulação do Baixo São Francisco.
Investigação
Há um mês, a poluição no São Francisco é investigada pela Procuradoria Geral da República (PGR). O Grupo de Trabalho de Recursos Hídricos da PGR instaurou investigação cível na 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Sob a condução do procurador regional Alexandre Camanho, o levantamento de dados permitirá o mapeamento dos pontos de contaminação nas bacias hidrográficas federais. "É justamente o tipo de dano que nós estamos querendo identificar e combater, no âmbito cível e criminal", ressalta Camanho. No Supremo Tribunal Federal, cerca de 15 ações impedem a continuidade das obras no Velho Chico.
Apesar do seminário sobre o Semi-Árido e São Francisco ter sido organizado pela Casa Civil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desconhecia a reunião. Mas os ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional garantem que vão participar do evento. "É um encontro fechado para aprofundar o diálogo sobre o desenvolvimento sustentável", ponderou o assessor Pedro Bertone, da Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil.

CB, 06/07/2006, Brasil, p. 12

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