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Um desenvolvimento insustentável

Folha de Boa Vista - http://www.folhabv.com.br
Autor: Sebastião Pereira do Nascimento
04 de Jul de 2011

Por que não funcionam de forma sustentável os projetos de desenvolvimento dos povos tradicionais? Esta é a pergunta que não quer calar. No Brasil, assim como em outros países que compartilham a Amazônia continental, muitos especialistas vivenciam um dilema refratário que vem reprimindo ao longo do tempo as tentativas de sucessos dos projetos de desenvolvimento sustentável na região.

Em síntese, são vários os problemas apontados quando se questiona por que estas ações não funcionam. Por um lado, estão as questões geopolíticas, onde os governos dos países que compartilham da região amazônica sempre viveram de costas para a região, embora esta represente consideráveis faixas dos seus territórios nacionais. Outra questão diz respeito às diretrizes dos projetos de desenvolvimento que não consideram o comportamento natural dos povos da floresta; querendo que eles ajam segundo as regras do capitalismo e do homem urbano.

Os projetos de desenvolvimento da Amazônia sempre foram supostamente "racionais". Porém, por trás das retóricas propostas sempre predominaram os interesses mercantilistas e as pressões dos setores produtivos em cima dos povos tradicionais e das unidades de conservação. Os projetos de desenvolvimento da Amazônia estão focados nas demandas setoriais, mas não funcionam devido ao autoritarismo com que o governo trata as questões da região. Nesse caso, as peculiaridades da região, que deveriam ser levadas em conta por meio dos agentes sociais, nunca foram inseridas em qualquer projeto de desenvolvimento regional. Mesmo as consultas públicas, quando feitas pelos órgãos que deveriam buscar a representatividade da sociedade local, não passam de medidas burocráticas de alcance reduzido.

Todas essas condições que sustentam as dificuldades de inserir a Amazônia nos desejados projetos de desenvolvimento sustentável estão associadas à enorme desarticulação física da região em relação aos países que a congregam, à diversidade cultural, à baixa densidade demográfica, à frágil economia extrativista e às singularidades da região.

Alheio isso, a Amazônia percebida pelos países amazônicos é aquela onde reina a pobreza, o contrabando, o narcotráfico e está cheia de índios; a Amazônia controlada pelos Estados é focada na defesa das fronteiras, mas a Amazônia vivida por sua população é outra. As intenções de levar projetos de desenvolvimento a partir de um pressuposto qualquer seguem a lógica do mercantilismo, onde os Estados polarizam seus interesses monetários, esquecendo, contudo, de que as populações tradicionais não têm o domínio do capitalismo, condição fundamental para viabilizar um projeto de natureza puramente econômica.

Ainda que favoreça esta concepção, onde está a fronteira? Para o povo que vive no interior da Amazônia, especialmente nas regiões fronteiriças, não há nacionalidade. No geral, os moradores dessas regiões falam línguas miscigenadas (o típico "portunhol"), usam pesos, bolívares e reais como moeda corrente, convivem na heterogeneidade e enfrentam problemas similares de sobrevivência. Assim, as verdadeiras fronteiras estão quase imperceptíveis, não está no modo como o sistema capitalista lida com as questões amazonianas.

No contexto emblemático da sustentabilidade, esta palavra virou moda nos discursos dos plenipotenciários. Eles até imaginam os benefícios que podem oferecer aos povos tradicionais da Amazônia, porém o resultado é um campo de ruínas de projetos. Por outro lado, a questão primordial é que todos os projetos são baseados no pressuposto de commodities; mais dinheiro, mais consumo, mais "felicidade". O problema é que a motivação do homem urbano não corresponde à motivação do homem da floresta.

O homem urbano vive correndo contra o tempo, trabalha em um sistema hierárquico pujante de ostracismo. Já o homem da floresta é o oposto. O que orienta suas atividades são as forças da natureza e não as monetárias. Ele não quer fazer todos os dias a mesma atividade e trabalha para a sua subsistência. Para o homem da floresta, ser feliz é fazer as coisas ao seu jeito, e nenhum projeto de desenvolvimento leva isso em consideração porque vai totalmente contra as bases do capitalismo.

O homem da floresta também desfruta a vida de uma maneira diferente: não acumula para o futuro. Quando há fartura ele compartilha; em épocas de escassez ele ajuda o outro. Assim, quando chegam os benefícios de um determinado projeto de desenvolvimento eles aceitam e desfrutam, mas não levam as atividades adiante quando cessam os benefícios. Isso resultaria numa mudança de vida na qual ele transgrediria indubitavelmente sua vontade comum.

Assim, para nossa a reflexão deixemos as seguintes questões: O que queremos com os projetos de desenvolvimento sustentável? Fazer com que os povos da floresta renunciem seu modo de vida para aderirem ao sistema capitalista?

http://www.folhabv.com.br/noticia.php?id=111774

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