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Um círculo virtuoso pela preservação

Valor Econômico, Opinião, p. A17
Autor: GONZÁLEZ, Arancha; SCANLON, John
04 de Out de 2016

Um círculo virtuoso pela preservação

Arancha González e John Scanlon

Populações pobres e do meio rural do mundo inteiro dependem das plantas e dos animais para garantir teto, comida, renda e remédios. Na verdade, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (a SDG 15) sobre ecossistemas sustentáveis reconhece a estreita relação com a natureza de muitas sociedades em desenvolvimento, ao defender o aumento da "capacidade das comunidades locais de buscar oportunidades de subsistência sustentáveis". Mas como se consegue isso?
A Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES, nas iniciais em inglês), de 1975, constitui um marco regulatório viável para reduzir a pobreza e ao mesmo tempo conservar a natureza. Regula a captura e o intercâmbio de mais de 35 mil espécies silvestres entre um grande número de localidades.
A natureza tem sido descrita como o "PIB dos pobres". O marco regulatório CITES, associado a sólidas políticas conservacionistas nacionais, consegue, ao mesmo tempo, proteger as espécies selvagens e beneficiar as populações pobres, do meio rural e indígenas, ao incentivar os países e comunidades a adotar planos saudáveis de gestão ambiental.
De acordo com o previsto no CITES, as comunidades dos Andes, por exemplo, tosquiam a vicunha para obter sua excelente lã, que vendem para o setor de moda de luxo de outras partes do mundo. Os camaroneses coletam casca de cerejeira africana para exportá-la para laboratórios farmacêuticos europeus.
No entanto, fora do CITES, há pouca orientação para que o comércio legal seja sustentável e proveitoso para os pobres. O comércio sustentável depende, muitas vezes, da conservação, pelas comunidades pobres e do meio rural, de seus próprios recursos em nível local. Para verificar como isso funciona, o Centro de Comércio Internacional (ITC, nas iniciais em inglês) examinou recentemente a maneira pela qual as pessoas do Sudeste Asiático administram, de maneira sustentável, o comércio de pele de jiboia, produto arrolado no CITES.
As peles de jiboia são comumente usadas como matéria-prima no setor de moda de luxo, e as pesquisas do ITC entre capturadores, criadores, processadores e exportadores de pele de jiboia do Vietnã e da Malásia detectaram que o comércio reforça a resiliência dos meios de subsistência ao se constituir numa fonte adicional de renda.
No Vietnã um número estimado em mil famílias cria e comercializa jibóias e a captura de jibóias na Malásia fornece renda para trabalhadores de baixa qualificação e baixa renda durante períodos em que outras oportunidades de emprego estão fora de época ou são simplesmente escassas devido a fatores econômicos de maior magnitude. Pesquisadores descobriram que a maior parte dos caçadores de jibóias implementam planos de gestão sustentável simples e eficientes, e que isso reduziu as pressões sobre as populações selvagens desses ofídios.
No entanto, as peles de jiboia, a exemplo de muitos produtos da fauna e flora silvestres, são uma commodity, portanto as comunidades que as capturam têm possibilidade limitada de agregar valor a esses produtos para aumentar os retornos. As mulheres dos Andes peruanos podem limpar a lã de vicunha à mão para aumentar em US$ 50 o preço obtido por quilo do produto, enquanto vender um cachecol de lã lhes renderia de US$
150 a US$ 200; o preço de uma pele de jiboia da Malásia é US$ 200, enquanto uma bolsa de pele de jiboia pode ser vendida por US$ 2 mil.
Mesmo assim, alguns países emergentes estão elevando a cadeia de valor e obtendo uma parcela maior dos retornos, como vem sendo demonstrado por marcas locais como a Kuna, que comercializa lã de alpaca e de vicunha no Peru, e a Natura, uma marca brasileira de cosméticos naturais.
As maiores ameaças ao comércio legal de produtos da fauna e flora silvestre são a exploração ilegal, o contrabando, as licenças indevidas de comércio e os maus tratos a animais. Todas essas ameaças têm de ser enfrentadas por reguladores e por participantes da comunidade rural em nível local. Nas circunstâncias certas, um círculo virtuoso, pelo qual os produtores locais tenham interesse direto em proteger a fauna e a flora (por se beneficiarem de seu comércio legal) é a melhor - e às vezes a única - solução de longo prazo para o problema da sustentabilidade.
Para contribuir nessa tarefa, os governos podem aumentar os direitos de uso de riquezas naturais e da fauna e flora pelas comunidades rurais de modo a que elas possam gerir e proteger de maneira sustentável seus recursos naturais. Por exemplo, na década de 1970, quando o Peru concedeu às comunidades andinas o direito de usar a lã de vicunha, o governo peruano salvou a vicunha da extinção e criou fluxos de renda novos, de longo prazo, para a comunidade.
Um dos setores promissores é o turismo, que também se enquadra no marco regulatório do CITES. Para tomar um exemplo, desde que Ruanda começou a compartilhar as rendas do turismo da fauna selvagem com as comunidades locais, a população de gorilas-das-montanhas cresceu. Como vemos reiteradamente, quando as comunidades locais são incluídas, podem se tornar decididas defensoras da fauna e da flora.
Como demonstram os exemplos acima, a conservação e a melhoria do sustento dos pobres do meio rural são viáveis, e até se reforçam mutuamente. Com mais vontade política e investimentos inteligentes, não há motivo para não alcançarmos os SDGs para, ao mesmo tempo, reduzir a pobreza e proteger a vida selvagem para as gerações futuras.
No ano passado, a ONU aprovou uma resolução histórica para enfrentar o tráfico ilícito de animais e flora silvestres, que reconhece a eficácia do quadro jurídico do CITES. A resolução conclama os 182 países membros do CITES a proteger a fauna e a flora, bem como a fornecer benefícios tangíveis às comunidades pobres e rurais. Esperamos que os representantes desses países-membros que se reunirão na Conferência Mundial da Vida Selvagem, na África do Sul, tenham ouvido esse apelo. (Tradução de Rachel Warszawski)

Arancha González é diretora-executiva do Centro de Comércio Internacional, o órgão conjunto da ONU e da Organização Mundial de Comércio (OMC).
John E. Scanlon é secretário-geral da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES). Copyright: Project Syndicate, 2016.

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Valor Econômico, Opinião, 04/10/2016, p. A17

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