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Um caminhão, 3 toras e muitas dúvidas

Estado de S. Paulo-São Paulo-SP
25 de Mai de 2005

Foi o resultado de uma operação do Ibama para verificar a ação de madeireiros ilegais
ÓBIDOS - A operação começou com grandes promessas, mas terminou com um caminhão quebrado e dúvidas sobre o que fazer com a madeira apreendida. Foi no ínicio da semana, em Óbidos, município a 780 quilômetros de Belém, no Pará.
A equipe de técnicos do Ibama, que partiu da cidade vizinha de Oriximiná, foi deslocada com dois policiais militares para verificar a ação de madeireiros ilegais armados em um quilombo na região. O grupo demonstrou apreensão, na noite anterior, de que houvesse pistoleiros escondidos na mata e, portanto, preferiram esperar pela chegada de reforço policial que viria de Santarém.
A mudança de prioridades beneficiou o prefeito local, que havia recebido denúncias sobre a retirada de árvores de terras em seu nome, localizadas na zona rural de Óbidos. A equipe chegou ao local, acompanhada pelo carro da reportagem do Estado, pouco antes de 9 horas. No caminho de terra estava um caminhão velho, com três toras de itaúba (Mezilaurus sp.), árvore resistente muito visada pela indústria de navios.
Mesmo sem medir, os técnicos calculavam que havia mais de uma árvore cortada na boléia. Além da itaúba, são bastante visadas na região a maçaranduba (Manilkara sp) e o pau d'arco ou ipê amarelo (Tabebuia seratifolia).
O veículo não conseguia passar pela estrada de terra, em condições precárias pela falta de conservação e o excesso de chuvas. Mesmo assim, a equipe do Ibama insistiu para que o motorista, Janari Viana Machado, levasse o caminhão com as toras embarcadas para a cidade.
Depois de permanecer com o motor ligado por mais de dez minutos, enquanto os técnicos manobravam o próprio carro para abrir espaço na estrada, o caminhão parou de funcionar. É a bateria, disse Machado. "Ele fez de propósito", comentavam os técnicos entre si, enquanto se perguntavam como levar a madeira para a cidade e onde ela seria armazenada.
Machado, de bermuda, sem camisa e de chinelos, esperava pela decisão do Ibama sentado no chão. "Sei que não podia tirar a árvore, mas foi um pedido do meu irmão", disse. "Não pode tirar mais madeira nenhuma!" Nenhum dos técnicos seguiu até o local onde ocorreu a extração para conferir se aquelas toras eram realmente as únicas retiradas, como defendia Machado, ou apenas parte de um lote maior, como diziam os moradores de uma comunidade local que assistiam à ação.
Passou-se quase uma hora de deliberações. A equipe do Ibama resolveu apreender todo o material do motorista e de seu acompanhante. Os dois seriam encaminhados à delegacia, onde ficariam retidos até que a madeira pudesse chegar à cidade. O carro da reportagem - que já havia sido cedido para tentar movimentar o caminhão - foi usado para levar os acusados e o material para a cidade.
À tarde, a prefeitura tentava encontrar um trator que pudesse remover caminhão e toras da estrada de terra. Todas as demais ações programadas pela equipe para a região - inclusive a ida ao quilombo - foram adiadas.
'A senhora tem o telefone da Marina?'

ÓBIDOS - "A senhora tem o telefone da Marina?" "Qual Marina? A Silva?" O pedido de Manoel José Coelho dos Santos à reportagem do Estado contém urgência e decepção.
Santos é coordenador de meio ambiente da associação que reúne quilombos distribuídos pelos municípios paraenses de Alenquer, Óbidos, Oriximiná e Santarém. Há uma semana ele contata a prefeitura de Óbidos para pedir providências contra madeireiros ilegais que agem em suas terras - algumas vezes pessoalmente, após percorrer de barco os 18 quilômetros que separam sua comunidade, Castanhanduba, da cidade.
Há duas semanas, 15 homens - armados com quatro motosserras, dois caminhões, uma serrafiadeira (usada para cortar a madeira) e pelo menos um rifle - cortam árvores ilegalmente nas terras, declaradas reserva legal. A população quer evitar conflitos.
No 10.o dia, técnicos do Ibama, além de dois policiais militares, haviam prometido que iriam até o local. Problemas com a ação matutina (leia texto ao lado), além do receio da equipe de encontrar pessoas armadas na mata sem uma equipe maior de policiais, atrasaram a ida à comunidade quilombola. Talvez amanhã, disseram a Santos. Talvez depois de amanhã, disseram à reportagem. Talvez a ministra do Meio Ambiente possa ajudar, pondera ele. "Enquanto isso, perdemos a madeira, perdemos a floresta, o meio ambiente foi mexido." A madeira cortada sem permissão, diz, deveria ser aproveitada para fazer casas.
Ele se despede da reportagem antes de passar na Secretaria do Meio Ambiente de Óbidos. Santos fará uma última tentativa de levar o Ibama naquele dia para o quilombo. O telefone do ministério onde trabalha Marina Silva vai no bolso.
'Isso tudo é pressão da nova fronteira agrícola'
Para o prefeito de Óbidos, a soja que toma o lugar da mata pode trazer desenvolvimento para a região
ÓBIDOS - A cidade tem nome de vila portuguesa - herança da Coroa, que em 1697 construiu um forte no trecho mais estreito e profundo do Rio Amazonas, ponto estratégico na selva. A estrutura, contudo, é de cidade brasileira deficiente. Óbidos tem mais de 47 mil moradores que dependem do funcionalismo público para viver. Da metade que vive no campo, a maioria realiza cultivos de subsistência. Segundo pesquisa do IBGE, o desmatamento e as queimadas têm influenciado negativamente a vida da população. O prefeito Jaime Silva (PTB) admite que madeireiros e produtores de soja têm se instalado na região, sem perceber a ação como problema, mas, sim, como forma de desenvolvimento.
O desmatamento é problema para Óbidos, como indica o IBGE?
Não estou sabendo. De onde o IBGE tirou isso?
Do próprio município. Os dados foram coletados em 2002 e 2003. Então quem disse foi a gestão anterior. Assumi o cargo em janeiro. Não tem nada disso, não.
Aquelas clareiras ao norte da cidade não são desmatamentos?
Ah, sim, claro. É, tem um pessoal se instalando ali. Sabe o que é?
Isso tudo é pressão da nova fronteira agrícola. Com a pressão que existe no sul (da Amazônia), o sojeiro vem para cá e se instala. Não tem mais terra em Mato Grosso, então os sulistas investem aqui. Como esse sojeiro pretende escoar a produção?
Há algumas estradas que cortam o município e ele pode usar o porto. Prefeito, esses produtores de soja têm terras tituladas?
Vou falar uma coisa sobre terras tituladas: 25% da nossa área pertence a propriedades rurais. O restante está legalmente protegido. Os maiores detentores de terras aqui são os índios. O produtor não tem propriedade grande. Antes até 500 hectares recebiam titulação, aí foi diminuindo e chegou a 100. Só que cada um dá um número sobre quanto deve ser preservado. O responsável pelo desmatamento é o próprio governo, que não define o que é reserva legal. Até pouco tempo atrás, eram 50%, agora são 80%. A pessoa já desmatou para montar a produção. O que fazer? Replantar? Quem paga? Aí não consegue financiamento. Não tem como ele recompor a floresta se não tem título nem financiamento.
Sem grandes propriedades, a soja ainda assim pode trazer desenvolvimento?
Um dia os grandes produtores vão chegar. Já estão chegando. Espaço tem, mercado tem. O Brasil é o maior exportador de soja do mundo e quer manter essa posição. O que precisa é pensar em um modelo de desenvolvimento sustentável do setor rural na região.
A extração de madeira no município ocorre de forma legalizada?
A maioria do que conheço acontece em terra legalizada. Mas vou dizer uma coisa: o Estado de direito não existe mais neste País. Dez, 15 anos atrás, Óbidos vivia do extrativismo. Aí aparece uma pessoa revestida de ambientalista, que diz que estamos desmatando e caçando e cria uma área de proteção. Há um grande mito sobre a Amazônia, de que aqui não tem ninguém. Só lembram da Amazônia quando se está desmatando. Ninguém preserva o verde com o bolso no vermelho. O governo precisa dar nova opção de atividade para a população ou ela vai tirar madeira. É fácil dizer que não pode.

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