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Um bosque para Heber Queiroz, o plantador de florestas do Xingu

Instituto Socioambiental - https://www.socioambiental.org
Autor: Clara Roman e Ludmilla Balduíno
23 de Dez de 2021

Plantio em homenagem ao coordenador do ISA, vítima da Covid-19, reuniu amigos, parceiros e familiares em Nova Xavantina, em Mato Grosso
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"Eu vou plantar papai", disse Lívia, (quase) 3. Era dia de plantar papai, para ela e o irmão Breno. Plantar marido, para Bruna Dayanna. Genro, para dona Nini. Filho, para dona Cleusimar.

Plantar o amigo e colega para tantos ali, coletores de sementes e plantadores de florestas do Instituto Socioambiental (ISA) e da Rede de Sementes do Xingu. Um dia para celebrar a vida de Heber Queiroz, a semente que virou 18 milhões de árvores, coordenador da Adequação do Programa Xingu, que faleceu em decorrência da Covid-19 em maio de 2021.

Na manhã do sábado, 11 de dezembro, dia do plantio, Lívia ficou tímida e até um pouco nervosa com tanta gente chegando na sua casa. Mas foi só mexer nas sementes que ela esqueceu de tudo e abriu um grande sorriso, assim como seu irmão Breno, 6, e as outras crianças que misturaram as 87 espécies de sementes que foram plantadas no terreno de 1.366 m².

Foi tudo uma ideia de dona Nini, sogra do Heber, que tinha ele como um filho. "A gente já tinha plantado um pé de ipê branco no dia dos pais. O Breno e a Lívia [filhos do Heber] que plantaram. Eu achei pouco. Porque eu não amava ele pouco não", contou ela. "Daí eu falei pra Bruna que queria fazer uma coisa maior para lembrar dele. Queria fazer uma florestinha".

E assim começou a nascer o bosque Heber Queiroz Alves, no terreno de dona Nini, em Nova Xavantina (MT). Bruna Dayanna, esposa de Heber e filha de dona Nini, envolveu os parceiros do componente de Adequação do Programa Xingu do ISA, responsável por restaurar matas e plantar florestas em áreas desmatadas nas bacias do Xingu e Araguaia, no Mato Grosso.

Era essa a especialidade do Heber. "E aí foi essa coisa linda. Fiquei muito feliz com cada pessoa que veio. Eu vou cuidar tanto, tanto desse bosque", conta Nini.

Para Bruna, o sentimento foi de alegria, apesar de toda a tristeza desse ano. "É uma sensação de muita alegria mesmo. É um sentimento muito bom. Reunir amigos, família para fazer o que ele mais amava é muito especial para mim. Não é doloroso, não é triste. Mesmo o choro quando ele vem é de gratidão por ter encontrado esse ser humano", disse ela.

O povo Ikpeng, que vive no Território Indígena do Xingu (TIX) e parceiro da Rede de Sementes, considera-se descendente de árvores, como explicou Oreme Ikpeng, técnico em restauração e facilitador indígena da Rede, e que também participou do plantio.

"Surgimos das árvores. Então eu vim aqui para reafirmar a existência dele, falar que ele está aqui entre a gente. Plantar árvores em homenagem ao Heber é uma forma de dizer que nós respeitamos ele, que ele é uma pessoa importante para nós, e ressurgindo ele em forma de árvore", explica. Por isso as aldeias Ikpeng, assim como a casa de dona Nini, são cheias de árvores. "Significa que a vida continua", diz ele.

Além do bosque de dona Nini, também foi plantado o bosque Heber Queiroz Alves na chácara de Mariozan, tio da Bruna e irmão da dona Nini. Da mesma forma, Mariozan cedeu a área com muito carinho para homenagear o Héber. No domingo, 12 de dezembro, foram plantadas 767 mil sementes de 87 espécies em 5.000 metros quadrados na chácara.

Muvuca pela vida

"Quantas espécies vocês acham que tem aqui?", perguntou Guilherme Pompiano, técnico em restauração do ISA, antes de começar a muvuca de sementes para o plantio.

A técnica consiste em misturar várias espécies diferentes de sementes para "imitar" a natureza. Cada uma dessas sementes, coletada pela Rede de Sementes do Xingu, tem uma função: o feijão de porco, o feijão guandu, a crotalaria, o fedegoso e a abóbora, por exemplo, são as primeiras a nascer, matando o capim e fixando o nitrogênio no solo, processo necessário para fertilizar a terra.

Depois vêm as pioneiras: lobeira, mamoninha, carvoeiro, caju, entre outras e só então as árvores maiores como o jatobá e a copaíba. "Quando a gente foi escolher as espécies pro plantio, a gente pensou: tem que colocar a mais bonita para mostrar para ele que a gente nunca vai esquecer ele, né? Até hoje na verdade ninguém esquece, ninguém acredita", afirmou Pompiano.

Ele aprendeu com Heber a preparar o plantio, que envolve um cálculo preciso sobre quantas sementes e quais espécies necessárias para uma floresta de determinado tamanho.

O cálculo envolve uma conta complexa: cada espécie tem uma porcentagem de germinação e de sobrevivência a partir do número de sementes plantadas. É essa conta que vai definir o número de sementes necessárias para plantar determinada área.

Além da parte "matemática", Heber não esquecia da beleza: "A gente trouxe essa lona azul que ele sempre brigava com a gente por isso: tem que pôr a lona azul que dá para ver melhor as sementes e as cores", brincou Pompiano. "Ele era chefe, mas também era um grande amigo", disse.

"Primeiro era a lona azul, que tinha de ter, depois aquela muvuca bonitinha para tirar foto, que ele sempre enchia o nosso saco", complementou Lara Aranha, também técnica de restauração do ISA. "O primeiro pensamento que eu tive hoje, no plantio, é que ele está em paz, pelo tanto de pessoas que ele reuniu aqui hoje, ele está em paz, muita paz", disse.

Primeiro, as 767 mil sementes são colocadas na lona azul. Depois, tem que misturar bem todas elas. Só então cada um pega uma sacolinha cheia dessas sementes misturadas e, tentando compor uma linha reta para imitar uma "semeadeira", espalham as sementes por todo o terreno.

Quando todas elas foram espalhadas, é hora de passar o trator na área para cobri-las com terra. Depois a chuva faz sua parte - e por isso os plantios só são feitos entre outubro a dezembro, a estação chuvosa na região.

"Foi uma sensação muito doida, porque ele não estava aqui presencial, mas parece que ele estava aqui, parece que estava naquelas sementes", afirmou Claudia Araújo, gestora de produção e qualidade da Rede de Sementes do Xingu.

Na muvuca, Pompiano não esqueceu de incluir muitas sementes do ipê branco, a árvore preferida do Heber. E do pequi, outra paixão. "O pequi, vou te falar, era um caso sério. A árvore e o fruto. O fruto era o preferido dele. O pequi do Cerrado, o pequi da Amazônia. O do Xingu ele era apaixonado", explica Bruna. "Ele queria comer pequi o ano inteiro", diz Dona Nini. "Eu guardava no freezer todos os pequis pra ele pra ele comer quando vinha pra cá", relembra.

"É uma mistura de sentimentos que é igual ele explicava na muvuca, né? Veio tudo isso. É aquele sentimento de família, sabe? Eu acho que ele está aqui presente entre nós, quando eu olho pro Breninho", diz Claudia.
Legado

Além das 18 milhões de árvores que ele ajudou a plantar, Heber deixou um legado para cada pessoa com quem trabalhou e conviveu.

Rodrigo Junqueira, secretário-executivo do ISA e ex-coordenador adjunto do Programa Xingu do componente da Adequação, acompanhou toda a sua trajetória, desde quando ele começou como estagiário até se tornar coordenador. Chegou tímido. Tornou-se técnico de geoprocessamento, responsável pelos mapas. E foi se consolidando na coordenação. Só aceitou o cargo efetivamente quando já havia se tornado um coordenador de direito, isto é: quando já tinha o respeito de toda equipe.

"Ele era um menino que virou um rapaz que virou um homem com todas essas qualidades e que dava muita segurança pra quem tava do lado dele. Ele teve que buscar essa coragem e essa determinação para superar sua timidez e seus medos. E ele tava fazendo isso com muita maestria", disse.

"Ele conhecia cada curva de rio porque ele desenhou cada curvinha de rio daquele mapa do Xingu", relembrou Rosely Sanches, assessora técnica do ISA, e que também conviveu muito com Heber. "Ele manjava horrores dos desenhos, dos mapas, aquela precisão dele de desenhar mapas. Uma precisão, sempre, muito preciso", relembrou.

Para Bruna Dayanna, o maior legado de Heber são os dois filhos que ele deixou, Lívia, e Breno. "Esse presente que ele deixou na minha vida. É o que me dá forças todos os dias", disse. "Ele também deixou a restauração do meio ambiente, que é um bem para a humanidade. Ele amava o que fazia então ficava fácil", conta. Bruna também destaca a organização do marido, em todas as instâncias da vida. "Ele me ensinou muito isso, a organização. Ele também me ensinou a não dar muito peso pras coisas, não dá muito peso ao que vem de fora", relembrou.

"Qualquer atitude que eu tomo de repente eu escuto a voz do Heber dizendo 'É assim assado, não, você podia fazer assim', então sim, é um legado que a gente vai continuar, e é ele quem passou pra gente", explicou Aranha. Para Pompiano, o maior aprendizado foi a paciência. "Isso é uma coisa que eu admirava muito nele: essa paz interior", diz ele. Também foi algo relembrado pela Lara, que disse que aprendeu com ele a respirar fundo e pensar antes de fazer e antes de falar. "Ele me ensinou que tudo tem o seu tempo, cada um tem o seu jeito e ninguém é igual a ninguém".

No dia seguinte ao plantio, a chuva caiu em Nova Xavantina, germinando as primeiras sementes. Com a força da natureza e a ajuda amorosa de dona Nini, vão nascer os ipês, os jatobás, os pequis, os barus, os urucuns, os xixás, as lobeiras e os bacuris. A florestinha da dona Nini: o bosque Heber Queiroz Alves.

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