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UCs de proteção integral da Terra do Meio ainda não saíram do papel

Socioambiental
Autor: Oswaldo Braga de Souza/ISA
11 de Out de 2006

A segunda reportagem do Especial publicado pelo ISA sobre a Terra do Meio, no Pará, mostra que a falta de pessoal do Ibama está impedindo a utilização da verba para a implementação das UCs locais. Informações de membros do movimento social dão conta de que o desmatamento teria sido retomado e estaria se sofisticando para driblar a fiscalização.

A Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio, com 3,3 milhões de hectares, e o Parque Nacional (Parna) da Serra do Pardo, com 445 mil hectares, não saíram do papel mais de um ano e meio depois de sua decretação. As primeiras etapas para a implantação das duas Unidades de Conservação (UCs) federais - a demarcação de seus perímetros, o levantamento fundiário das posses existentes em seu interior e o mapeamento dos pontos críticos de desmatamento -ainda não foram realizadas. Apenas algumas poucas placas indicativas foram instaladas no Parna. As duas áreas estão localizadas na Terra do Meio, no Pará, entre os municípios de Altamira e São Félix do Xingu, região considerada como de alta prioridade para a conservação da biodiversidade no discurso oficial do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

A desorganização administrativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) está impedindo a execução do orçamento destinado às UCs. A conta bancária para a movimentação do dinheiro disponibilizado no ano passado pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) para as duas áreas só foi aberta em agosto e, até hoje, nem um único centavo foi gasto. Somente para 2006, estão liberados R$ 873 mil desde abril. Com o início das chuvas, entre este mês e o próximo, é bem possível que a gerência-executiva do órgão ambiental em Altamira não consiga aplicar os recursos em operações de campo até o fim do ano. Quando a verba prevista não é utilizada, ela retorna ao Arpa. O problema pode dificultar a obtenção de novas dotações orçamentárias no ano que vem.

A decretação das duas UCs fez baixar o preço das terras no movimentado mercado local de grilagem. Além disso, segundo dados preliminares do MMA divulgados no início de setembro, a taxa de desmatamento na Esec da Terra do Meio pode ter caído em até 76%, na comparação entre os períodos 2004-2005 e 2005-2006 (confira abaixo tabela com números do ISA sobre desmatamento na Esec e no Parna). O Ibama admite, porém, que o corte de madeira nos limites das duas UCs continua. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Estação Ecológica registrou, em agosto, 460 focos de calor, sendo a terceira UC mais queimada em todo o País. Em setembro, a situação melhorou na Esec, mas o Parna apresentou 47 focos. Ambos têm regime de proteção integral, em que são proibidas queimadas.

Fontes não-oficiais também contrariam a avaliação de que a região estaria livre de atividades ilegais. Recentemente, o Greenpeace sobrevoou a Terra do Meio e constatou a persistência de uma pista de pouso clandestina na Esec, apesar das operações de explosão realizadas pela Polícia Federal, em fevereiro de 2006. Ainda segundo a organização, queimadas, extração ilegal de madeira, movimentação de caminhões e tratores continuam ocorrendo em toda a região.

Desmatamento sofisticado

O integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Prelazia do Xingu, em Altamira, Tarcísio Feitosa, admite que as medidas do governo federal na Terra do Meio tiveram conseqüências positivas ao inibir a grilagem e outras atividades ilegais. "Parou de correr dinheiro ilegal na Transamazônica que era fruto de madeira e de carro roubados, de drogas, de desvios da Sudam [Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia]. Isso aconteceu pela presença da fiscalização, da Receita Federal, do Ministério Público Federal, da Justiça Federal, do Ibama."

Feitosa, entretanto, também contraria os números do governo e acredita que o desmatamento teria voltado à Terra do Meio. "No primeiro ano, quem desmata ficou assustado com o decreto de criação das áreas. Aí o Estado foi lá. O Ibama ficou 15, 20 dias e foi embora. O que eles pensaram? "O governo não tem fôlego para agüentar a gente." E lembra que cresceu a venda de sementes de capim em São Félix do Xingu, indício da retomada da ocupação de novas áreas. O membro da CPT avalia que há uma mobilização orquestrada por grupos do município para ocupar e descaracterizar a Esec e o Parna.

Segundo Feitosa, as madeireiras ilegais e os fazendeiros vêm sofisticando suas estratégias. Para evitar a fiscalização, estariam trabalhando durante a noite e até em época de chuva, quando o corte de árvores usualmente é suspenso na Amazônia. Estariam ainda multiplicando os pequenos desmatamentos, com menos de 25 hectares, que não são identificados pelos satélites do sistema de Detecção em Tempo Real de Desmatamento na Amazônia (Deter), desenvolvido pelo Inpe para fornecer informações sobre desmates em curto espaço de tempo e subsidiar ações rápidas de fiscalização em campo.

Desmobilização

"O que está acontecendo com as áreas de proteção integral? O pessoal está desmobilizado. Eu me deparei com essa desmobilização", confessa Roberto Scarpari, gerente-executivo do Ibama em Altamira, referindo-se aos seus próprios subordinados. O economista entrou no órgão há pouco menos de um ano e foi nomeado chefe do escritório local em dezembro de 2005. Ele argumenta que faltou formação aos seus funcionários para movimentar os recursos das duas UCs. Scarpari admite que as ações para a implantação das duas áreas ainda são "incipientes". Nenhuma grande operação para encontrar e desativar desmatamentos ilegais no local foi realizada neste ano, mas apenas algumas pequenas incursões de fiscalização, realizadas em 'caronas' de ações originalmente destinadas às Resex Riozinho do Anfrísio e do Iriri.

Scarpari reclama ainda do pequeno número de funcionários de sua gerência. Incluindo a base operativa prevista no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia do governo federal, a gerência do Ibama em Altamira conta hoje com 20 servidores e dez policias para cobrir sete municípios - 231,7 mil quilômetros quadrados, uma área quase do tamanho de Rondônia. "É óbvio que vamos ter de correr atrás agora, principalmente as pessoas diretamente envolvidas da equipe. Vamos ter de priorizar. De repente, estamos acordando para isso." Scarpari afirma que até o fim do ano deverão ser realizadas ações para assegurar uma presença mais efetiva do Ibama na região. A demarcação física da Esec e do Parna deve começar só no primeiro semestre de 2007.

"Desde que as duas UCs foram criadas, no ano passado, trabalhamos duro para aprovar verbas para elas com nossos financiadores. Não havia servidores indicados para abrir a conta e movimentar o dinheiro, por isso ele ainda não foi gasto", explica Ronaldo Weigand, coordenador do Arpa, instituição gerida pelo MMA. Ele lembra que o Ibama poderia utilizar outros caminhos administrativos para financiar ações nas duas UCs. "O Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio) disponibiliza R$ 10 mil reais por mês que podem ser repassados diretamente para a gestão das áreas, sem trâmites burocráticos complicados." A partir do ano que vem, o Arpa iniciará um procedimento que vai diminuir os recursos para as UCs que não conseguirem executar seu orçamento no ano anterior.

"Obviamente, temos enormes insuficiências", assume Valmir Ortega, titular da Diretoria de Ecossistemas do Ibama, órgão responsável pelas UCs de proteção integral em todo o País. Ele argumenta que os quase 70 milhões de hectares de UCs federais existentes hoje sobrecarregam o Ibama, o qual também tem dificuldades de manter equipes permanentes em locais isolados da Amazônia. Ortega avalia que o ingresso de novos servidores no órgão e a regulamentação do instrumento da compensação ambiental - pelo qual proprietários rurais que estejam inadimplentes com suas obrigações ambientais investem em UCs - poderão acelerar o processo de implantação das áreas.

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