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Turismo - o antigo e as novas tendências

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: MACEDO, Roberto
22 de Set de 2005

Turismo - o antigo e as novas tendências

Roberto Macedo

Num espaço de três dias vi uma trinca de notícias sobre turismo. Aparentemente desconexas, têm algo em comum. Duas são insólitas. Uma delas dizia que operadoras oferecem passeios em favelas do Rio para estrangeiros (Folha de S.Paulo, 19/9); a outra, que visitantes pagam quase R$ 17 em excursão para conhecer o lixo de Chicago (este jornal, na mesma data). Dois dias antes, a terceira, também deste jornal, abordara números pouco conhecidos da devoção a Nossa Senhora Aparecida, relativos ao Santuário Nacional localizado na cidade paulista do mesmo nome, para a qual convergem mensalmente cerca de 600 mil peregrinos, ou 7,2 milhões por ano. Este ano doaram R$ 1,26 por mês e pessoa, gerando uma receita mensal de R$ 1,13 milhão, que quase cobre o custo fixo da Basílica, cerca de R$ 1,5 milhão por mês. Há também 300 mil doadores cadastrados que contribuem mensalmente, o que também gera recursos para obras, como a construção, em andamento, do gigantesco Centro de Eventos, com capacidade para 10 mil pessoas, cujo valor é estimado em R$ 22 milhões, a serem gastos em três anos.
São números impressionantes, mas gostei particularmente da observação do administrador do santuário, padre Darci Nicioli. Disse ele que ali "a Lei de Responsabilidade Fiscal já funciona faz tempo; as obras são tocadas à medida que as doações chegam". Assim, além de lá se penitenciarem por seus pecados - fiscais e outros mais, publicados ou não -, administradores públicos têm muito a aprender com o padre Nicioli, pois ele demonstra que em matéria de administração financeira mesmo em Aparecida não se faz milagre. Mas já seria algo nessa linha se ao menos aprendessem a se endividar com moderação.
Antes dessas notícias, eu assistira a uma palestra de um consultor espanhol de turismo, Eulogio Bordas, que assessorou equipe que está formulando no Brasil o projeto Turismo Sustentável e Alívio da Pobreza, desenvolvido pelo Ministério do Turismo em parceria com o Banco Mundial. O objetivo da iniciativa é desenvolver estratégias e políticas para que programas e projetos de turismo estimulados pelo governo contribuam para aliviar a pobreza nas localidades onde se situam. Devem também assegurar sustentabilidade, tanto no sentido de identificar e assegurar demanda permanente, como no de garantir que não sobrevenham danos sociais, ambientais e culturais.
A palestra de Bordas me ajudou a compreender que as duas primeiras notícias refletem novas tendências do turismo, as quais guardam correspondência com as observadas na evolução da sociedade em termos de produtos e serviços que tipificam sua história. A última onda até aqui identificada, que marcou as duas últimas décadas, foi a da sociedade da informação, caracterizada por serviços, que sucedeu à sociedade industrial, na qual se destacavam os produtos e que veio na seqüência da agrária, esta nascida há tempos longínquos. Agora começam a ser identificados os traços de uma nova era, a sociedade emocional ou dos sonhos, em que os serviços marcantes são as experiências pessoais.
Assim, enquanto a sociedade da informação valoriza o racionalismo, o pragmatismo, a tecnologia, o conforto físico e a inteligência racional, a dos sonhos privilegia as histórias, os valores, as emoções, o conforto espiritual e a inteligência emocional. No turismo a sociedade da informação encontra valor econômico nos serviços, tem o descanso como o desejo principal e busca um turismo de interesse geral, que leva à "comoditização" de pacotes, como o de uma visita ao Rio de Janeiro ou à Disneylândia. Já no turismo que surge com a sociedade das emoções, o valor está nas experiências e histórias vividas, o desejo na busca de emoções, e ele é voltado para interesses pessoais e a tendência é a personalização dos pacotes.
É claro que essas duas fases não são estanques e a nova tendência convive com a que se consolidou no passado, a diferença é que o turismo nessa fronteira da sociedade das emoções cresce com maior velocidade, revelando crescente interesse pelo que o setor chama de produtos novos. Ainda segundo Bordas, neles se destacam o turismo de aventura, o esportivo, o da aventura na natureza, o da busca do bem-estar físico e espiritual, o do luxo autêntico, original e exclusivo, o da viagem ao interior pessoal, o das causas, convicções e militâncias e o cultural. Assim, o interesse pela favela do Rio ou pelo lixo de Chicago também se integra nessa tendência que busca novas experiências, histórias e emoções, de acordo com interesses específicos do cliente. Se houver interessados em conhecer o gabinete onde trabalhava Severino Cavalcanti e/ou o restaurante que foi de Sebastião Buani, que venham os pacotes.
Quanto às peregrinações de massa, como as que têm Aparecida como destino, já existiam muitíssimo antes de receberem o nome de turismo religioso, mas igualmente dizem respeito às inquietações da mente humana, sempre em busca de respostas, sejam as experiências dessa sociedade das emoções, cujos traços agora se revelam, seja o antigo e tradicional apego à fé expresso na religiosidade. Assim, o que essa nova sociedade revela é também um retorno a caminhos que nunca foram abandonados, mesmo quando muita gente se apegou ao culto de produtos da era industrial e aos serviços da sociedade da informação. Afinal, somos seres humanos, sempre a explorar as infinitas possibilidades da nossa mente.
Dadas essas tendências, o certo é que não podem ser ignoradas por quem trabalha em turismo, seja como negócio, seja no desenvolvimento e gestão de políticas e programas governamentais. Sem conhecê-las não será possível identificar os interesses da demanda, nem criar produtos e serviços capazes de atraí-los, mesmo sem nunca terem passado pela imaginação da distinta clientela.
Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

OESP, 22/09/2005, Espaço Aberto, p. A2

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