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A triste saga de um povo guerreiro: o clima é tenso na estrada que cerca a reserva Xavante no Mato Grosso. Seiscentos índios disputam a terra com 1,5 mil brancos. Donos da área garantem que derramarão sangue se posseiros não se reiterarem

CB, Brasil, p.15
06 de Dez de 2003

A triste saga de um povo guerreiro: o clima é tenso na estrada que cerca a reserva Xavante no Mato Grosso. Seiscentos índios disputam a terra com 1,5 mil brancos. Donos da área garantem que derramarão sangue se posseiros não se reiterarem

De um lado, seiscentos xavantes impacientes. Do outro, 1,5 mil brancos irritados. O clima é de guerra na estrada que cerca a reserva indígena Maraiwatsede, no Mato Grosso, a 1,1 mil quilômetros de Brasília.

Os xavantes prometem derramar sangue se posseiros não abandonarem a reserva de 168 mil hectares, já demarcada e registrada em cartório. Os invasores batem o pé, dizem que perderiam o dinheiro do cultivo.

Na manhã de ontem, o secretário de Segurança de M ato Grosso, Célio Wilson de Oliveira, foi até a região e acreditou ter convencido os posseiros a deixarem o local.

Eles saíram da estrada, mas retornaram cinco minutos depois que o secretário foi embora.
'A chance de acontecer uma tragédia é enorme', desabafa Edson Beiriz, coordenador da Fundação N acional do Índio (Funai) em área X avante. Os invasores não respeitam o estado. A li não tem apenas posseiros sem-terra.
Há fazendeiros por trás. Confesso que estou muito preocupado'.

Pelos gabinetes

A preocupação de Beiriz cresceu nas últimas 24 horas. Até ontem, ele achava que o caso estava praticamente resolvido. Passou a semana perambulando com uma comissão de xavantes por gabinetes de autoridades do governo federal e do Judiciário.

Os xavantes conversaram com assessores do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, desfiaram suas preocupações para o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, e suplicaram ao desembargador Fagundes de Deus que reavalie sua decisão de favorecer os posseiros.

Uma liminar assinada pelo desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região proibiu os índios de entrarem na reserva demarcada.

O desembargador prometeu pensar, mas não garantiu suspender a liminar. 'O conflito armado é quase inevitável'., calcula Cláudio Romero, coordenador geral do Instituto de Estudos e Pesquisas da Funai. 'H á um risco de massacre', emenda o deputado Eduardo Valverde (PT-RO) da Frente Parlamentar de Defesa dos P ovos Indígenas.

Medo de morrer

Há no Brasil 12 mil xavantes divididos em 170 aldeias, todas no Mato Grosso. Eram muito mais.
Espalhavam-se até São Paulo e Goiás. Nos anos 4 0, começou a destruição. O governo resolveu civilizar os xavantes. Os conflitos aumentaram, as doenças também.
'Não temos medo de morrer', avisa o cacique Boaventura, acostumado com a ira dos brancos.

Boaventura e seus 600 parentes não são rejeitados apenas pelos posseiros. F oram expulsos da aldeia Pimentel Barbosa, outro reduto X avante, onde moram 1,8 mil índios. Viviam ali, de favor, desde os anos 60.

Na época, uma missão da Força Área Brasileira resolveu transferir os xavantes de Marawitsede para uma missão de padres salesianos. Foram carregados de avião, deixaram para trás aldeias, malocas e tradições. Não se adaptaram e outra vez foram transferidos. A gora, para Pimentel Barbosa. Não conheciam os parentes, falavam a mesma língua, mas pertenciam a clãs diferentes 'A adaptação nunca foi perfeita e agora os parentes não os aceitam de volta.., explica Edson Beiriz. 'Índio é assim. É diferente de branco'.

Para saber mais

A'ewê Uptabi, os verdadeiros
'Que você s possam ouvir minha palavra, enquanto eu ainda estou vivo. Que vocês possam me ver, que seus filhos possam ver os meus filhos, para que se mantenha viva a força da criação. Estou aqui com a verdade, para doar o mais verdadeiro de minha tradição. E isso dói no meu coração. M e traz dúvida e dor. Porque não sei se vocês vão ser capazes de compreender o que eu trago para compartilhar'.

Sereburã, velho cacique xavante

Eles se chamam de A'ewê Uptabi. Significa ..povo verdadeiro... E v alente. Os xavantes são bons de briga. Nos séculos XVI e X VII enfrentaram os bandeirantes que atravessavam o Brasil atrás de ouro e pedras preciosas. Justiçavam os invasores em rituais de guerra. Enfrentavam até o que não conheciam. Em 1946, desafiaram um pássaro gigante e brilhante'.

A Força Aérea Brasileira tentava contactar os xavantes. Um avião sobrevoava a aldeia de Pimentel Barbosa. Os índios ficaram desesperados, não conheciam aquele bicho reluzente. Esconderam os filhos, desandaram a lançar flechas e bordunas contra o invasor.

O jornalista David Nasser testemunhou a guerra perdida dos x av antes. Relatou o dia-a-dia da invasão na revista O Cruzeiro. As palhas das malocas tremiam, sacudidas pela ventania e aquele selvagem, agitando as mãos fechadas, à altura do rosto crispado'

A pesar do contato com o branco já durar meio século, os xavantes se desdobram para manter sua cultura. Suas histórias estão em livros como Wamrêmé Zara - Nossa Palavra: Mito e História do P ovo Xavante, organizado e traduzido pelo Núcleo de Cultura Indígena e publicado pela Editora Senac.

CB, 06/12/2003, Brasil, p.15

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