O Globo, Opinião, p. 7
Autor: BERZOINI, Ricardo
18 de Jan de 2005
Triste Brasil rural
Ricardo Berzoini
Mas, rapaz, como é que você agüenta trabalhar numa situação dessas. Está muito difícil arrumar trabalho melhor por aqui?
- Arrumar trabalho melhor é difícil. O daqui até que podia estar bom. O problema é que o patrão é um ignorante!
O diálogo acima, entre um auditor fiscal e um trabalhador, ocorreu semanas atrás numa fazenda de porte médio no Nordeste. Ele retrata a triste realidade de algumas áreas rurais do Brasil, apesar de também ocorrer em menor escala nas regiões metropolitanas.
Fiscalizar, autuar e formalizar são tarefas cotidianas da história do ministério, embora bastante aceleradas nos últimos dois anos. Em 2004, por exemplo, na área rural - tema deste artigo - nas 61 operações do Grupo Móvel de Fiscalização contra o Trabalho Escravo foram alcançadas 256 fazendas em 12 estados; 3.112 trabalhadores foram formalizados e 2.328 "libertados". As indenizações trabalhistas somaram R$ 4.053 milhões.
Apesar de o diálogo ter ocorrido na Região Nordeste, é no Norte do Brasil que se registra um número maior de denúncias contra o chamado "trabalho escravo". Ali, as matas escondem mais facilmente trabalhadores recrutados em áreas de pouco desenvolvimento econômico e social. Aliciados geralmente para atividades de desmatamento, o trabalho, muitas vezes ilegal, os obriga a se ausentarem por meses a fio de suas famílias e cidades. A fiscalização os encontra em alojamentos precários, sem água potável e sem alimentação adequada.
Em meados de 2004, o grupo composto por auditores fiscais do ministério, Procuradoria do Trabalho e Polícia Federal realizou uma operação na Terra do Meio (entre Altamira e São Félix do Xingu), no Pará, junto com o Ibama e a Força Aérea Brasileira. Foram encontradas mais de 100 pessoas espalhadas em clareiras de difícil acesso. A "propriedade" estava em área de preservação amazônica.
Os trabalhadores, em sua maioria, estavam no local havia mais de três meses, impedidos de retornar às suas casas e sem receber notícias das famílias. Alguns deles acidentados; outros, doentes de malária.
Para se chegar ou sair da região, somente por via aérea ou fluvial. A maioria, contratada no Norte de Goiás, chegara de avião fretado pelos patrões, ao custo de R$ 600 a passagem. A dívida, neste caso, iniciou antes do começo do trabalho, coisa que geralmente ocorre na cantina da fazenda. Todos foram libertados e indenizados, além de serem abrigados por três meses pelo seguro-desemprego.
O ministério autua contra a precariedade e exige condições decentes para o trabalhador urbano ou rural. Junto a essa obrigatoriedade, estamos formulando alternativas de projetos econômico-sociais nas regiões onde podem ser encontrados trabalhadores mais vulneráveis à cooptação para o trabalho degradante.
Há meses, junto a outros, o ministério estuda propostas emergenciais para auxiliar também os trabalhadores estrangeiros que, ilegais no país, temem ser alcançados pela fiscalização. Muitas vezes, eles não sabem que vivem, de acordo com a legislação trabalhista brasileira, em situação análoga à escravidão. Esse é um dos motivos para a não-concretização de denúncias. Na área rural, em especial no Norte, as denúncias foram eqüitativas às ações de fiscalização. E como se pode ver, foram mais freqüentes em áreas da Amazônia.
Deve-se mirar a floresta e o desenvolvimento econômico com olhos críticos. O Norte do Brasil é vasto em riquezas naturais, não apenas de produtos da "terra" e da água, como em biotecnologia e minérios ainda muito pouco usufruídos por trabalhadores nativos.
O Brasil cresce e junto a ele são enraizados valores de cidadania. Em 2004, foi criado 1,875 milhão de empregos com carteira assinada. Nesse período, outros tantos podem ter conquistado um trabalho indireto ou sem registro. O ministério estará atento à sua formalização, porque objetiva condições decentes ao trabalhador, nas fazendas, carvoarias ou nas indústrias.
Todos têm direito ao trabalho e todo trabalho deve conter no mínimo as condições sociais conquistadas pelos cidadãos trabalhadores do nosso país.
Ricardo Berzoini é ministro do Trabalho.
O Globo, 18/01/2005, Opinião, p. 7
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