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Tríplice esperança

Isto É, Brasil, p.94-96
14 de Dez de 2005

Tríplice esperança
Pesquisa Unicef/Itaipu revela drama de jovens na fronteira e direciona a energia social da hidrelétrica para combater as desigualdades

Chico Silva e Dárcio de Jesus (fotos)

Um gigante de 31,5 milhões de toneladas de concreto armado, 23,6 milhões de metros cúbicos de terra, 478 mil toneladas de aço e 196 metros de altura está se transformando no maior gerador de esperança para milhares de habitantes da Tríplice Fronteira, região onde Brasil, Argentina e Paraguai se encontram e se afastam. Maior hidrelétrica em operação no mundo, a Itaipu Binacional está mostrando à sua comunidade que pode produzir bem mais do que os milhões de megawatts responsáveis por 24% da energia consumida no País. Para isso está à frente de mais de 33 programas de responsabilidade socioambiental, espalhados por 28 municípios da região, que beneficiaram 500 mil pessoas. No esforço pelo aprimoramento de seus projetos, a Itaipu recrutou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para o desenvolvimento de uma pesquisa que revelasse a situação de crianças e adolescentes na fronteira. O trabalho é o primeiro do tipo feito em um local marcado pela violência, tráfico de drogas, contrabando e prostituição.
ISTOÉ teve acesso ao levantamento, realizado em 62 municípios dos três países. De acordo com Gleisi Hoffmann, diretora financeira executiva de Itaipu e responsável pelo orçamento dos projetos sociais da usina, o estudo não tinha o objetivo de se tornar uma denúncia sobre as condições da infância na área. "Queremos descobrir efetivamente onde estão as carências e as suas causas para direcionarmos nossas energias para combatê-las", diz Gleisi. A usina, que só este ano investiu US$ 13,7 milhões em programas, busca no presente a reparação pelos danos causados no passado. Na formação de seu lago, milhões de alqueires de terras de índios e produtores rurais foram inundados, deixando-os sem seus meios de subsistência. Outro problema foi o desemprego causado com o final da obra. Após o término da construção, parte dos 40 mil barrageiros, os peões de Itaipu, foi abandonada à própria sorte. A usina foi construída durante a ditadura militar, tempo em que o desenvolvimento e a preocupação social não marchavam juntos. A adolescente Ana Paula Zorzan não era nascida quando a usina entrou em operação, em maio de 1984. Aos 17 anos, ela não tem tempo para se preocupar com o passado. Seu olhar está voltado para um horizonte que vai além dos 196 metros de altura da barragem principal. A garota é um dos 262 adolescentes hoje atendidos pelo Programa de Incentivo e Iniciação ao Trabalho (PIIT). O objetivo do programa é qualificar jovens carentes, além de auxiliar no combate à exploração infantil. Funcionária aplicada, Ana conheceu um novo mundo em Itaipu. "Tudo que sei aprendi aqui. Para mim, esse foi o melhor emprego do mundo", diz a eufórica estagiária que passou em primeiro lugar no vestibular de pedagogia de uma faculdade de Foz.
Por uma triste coincidência, sua mãe, A.I., também é atendida por uma das ações coordenadas pela Itaipu. Durante 16 anos ela foi vítima da violência do marido e pai de suas três filhas. "Ele me batia na frente das crianças. Era horrível. Mas não podia deixá-lo. Não tinha dinheiro e nem para onde ir", relata. Depois de uma surra que a deixou desacordada, a dona-de-casa resolveu abandonar o marido. Na companhia das filhas ela foi acolhida pela Casa Abrigo, parceria entre usina, delegacia da mulher e a ONG Maria Porta do Céu. Além da hospedagem, a Casa Abrigo presta assistência psicológica e profissional às mulheres que desejam reconstruir suas vidas.
A cerca de 150 quilômetros dali, um grupo de 230 índios da etnia ava-guarani comemora a reconstrução de sua dignidade. Em 1982, eles tiveram suas terras submersas pelas águas do Yñeboteya, ou o grande lago de Itaipu em tupi-guarani. Desde então aguardam o Tekoha Añetete, ou terra prometida, na língua mater. A espera terminou em 1997, ano em que Itaipu adquiriu uma área de 1,7 mil hectares em Diamante do Oeste, a 90 quilômetros do local originalmente habitado por eles. Lá os avas plantam, criam animais, desenvolvem a apicultura e, mais importante, mantêm suas tradições. Os curumins têm aulas de tupi-guarani na escola improvisada da aldeia. As ocas são similares às típicas moradias guaranis do Sul do País. O conjunto de iniciativas diminuiu drasticamente as taxas de mortalidade infantil e desnutrição entre os indiozinhos, o que garantirá a perpetuação do grupo. A realização só não é plena porque a tribo ainda não está completa. Parte dos avas vive em uma localidade conhecida como Ocoí, em São Miguel do Iguaçu. Ali, as condições não são as mesmas. A pequena nação ava sonha com o dia em que viverá junta novamente. Quem sabe em breve isso não aconteça? Afinal, há uma terceira ponte sendo erguida na fronteira. É a ponte da esperança, quem sabe a mais sólida de todas.

Isto É, 14/12/2005, Brasil, p. 94-96.

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