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Trilhas dos novos rondonistas

O Globo, Megazine, p.16-17
01 de Fev de 2005

Trilhas dos novos rondonistas

Cristiane Jungblut Tabatinga, AM

Selva! O grito de saudação dos militares que atuam na Amazônia foi incorporado ao vocabulários dos 200 estudantes e professores universitários que integraram o novo Projeto Rondon. A Amazônia foi o cenário escolhido para o relançamento do projeto criado em 1967 - no regime militar - e desativado em 1989. Do dia 15 a 27 de janeiro, os novos rondonistas se aventuraram pela região com o objetivo de apontar soluções para os problemas das comunidades locais.

O primeiro desafio dos estudantes de 40 universidades, que em sua maioria nunca tinham ido à Amazônia, foi um treinamento em Manaus no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS). No programa de ambientação, uma caminhada de 850 metros pela mata na qual receberam explicações sobre a vegetação; aprenderam sobre a Sapopema, uma árvore de raiz oca usada como "o tambor da selva" para chamar e orientar quem está perdido; provaram frutos da região e viram de perto animais como onça pintada, cobras sucuri e jibóia, que estão no zoológico do CIGS.

O grupo também sentiu os efeitos do calor úmido e teve de se armar com repelentes para afastar os mosquitos. Caminhando em fila indiana, os novos rondonistas levaram uma hora para percorrer a trilha.

No dia 19, quando o novo Rondon foi lançado oficialmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Tabatinga, os estudantes divididos em 40 grupos formados por alunos das mesmas universidades começaram a deixar Manaus rumo a 11 municípios e dois distritos. Depois da visita, os estudantes terão que entregar um relatório. Do Rio, participaram a Rural, a Uerj, a UFF e a Estácio de Sá.

O objetivo no novo Rondon não é apenas levar às comunidades noções de saúde e meio ambiente, por exemplo, mas apresentar soluções para problemas como de falta de saneamento básico e lixo. Para os militares, o projeto ajudará a aumentar a presença do Estado e a preservar a região. O coordenador-geral do Projeto Rondon, general Gilberto Arantes Barbosa, disse que o novo Rondon quer integrar as Forças Armadas e a sociedade à nova realidade da Amazônia:

- O objetivo do novo Rondon é trazer estudantes para regiões carentes e fazer com que eles desenvolvam o sentimento de cidadania e brasilidade. É o Brasil olhando para o Brasil.

Um dos locais visitados foi a pequena cidade de Benjamin Constant, a cerca de 30 minutos de barco de Manaus, na fronteira com a cidade de Islândia, no Peru. Rumo a Benjamin Constant, num barco, os estudantes puderam ver as comunidades ribeirinhas. Quando chegaram à cidade de 27 mil habitantes, onde foi construído em 1974 um posto avançado do primeiro Projeto Rondon, depois abandonado, o grupo pôde constatar quais os principais problemas: falta de saneamento básico, de tratamento de lixo e de médicos e até mesmo de um plano diretor para a cidade. A ajuda lá chega de barco ou de hidroavião. Até mesmo os doentes são transportados de barco.

Antes de sair de Manaus, a estudante de biologia da UFF Naetê Barbosa Lima Reis, elogiou o tratamento dado aos estudantes pelas Forças Armadas. Disse que gostou da comida, do alojamento, do preparo e da inteligência dos militares. Mas quis saber de um dos instrutores militares sobre a atuação das Forças Armadas na preservação da Amazônia. E recebeu a explicação de que as Forças Armadas defendem o desenvolvimento sustentável e que são contra radicalismos.

- Na mata, quero ver araras, tucanos e me encontrar com as comunidades indígenas. Agora, penso em fazer algo na área da ecologia - disse Naetê.

A amiga e colega da UFF, Luciana Ramos Cardoso, de 22 anos, estava apreensiva com os mosquitos. Estudante de enfermagem, ela também esperava se encontrar com as comunidades indígenas. Já Aline Mendes Costa, que faz ciências agrícolas na Rural, disse que estava gostando de tudo. Não estranhou nem mesmo a viagem a Manaus a bordo de um desconfortável avião Hércules.

Diário de bordo

Aluno de jornalismo da UFF e estagiário do Núcleo de Comunicação Social da universidade, Eduardo Heleno de Jesus Santos, de 29 anos, foi um dos estudante a integrar a equipe da Fluminense no novo Projeto Rondon, relançado pelo presidente Lula. Ele participou do levantamento feito pelo grupo em cidades do Amazonas nas regiões do Alto Solimões e Alto Rio Negro. Aqui, publicamos trechos do diário de bordo de Eduardo, que achou a experiência fascinante. "No peito, a saudade das pessoas que nos acolheram e a certeza de ter vivido momentos inesquecíveis e de muito aprendizado", escreveu ele no último dia de viagem.

DIA 15-1: - Nossa aventura começou as 8h. Embarcamos num avião Hércules. A viagem não é muito confortável.Chegamos à abafada Manaus às 14h40m, hora local, e fomos recebidos com fanfarra militar e desfile da tropa de selva. Jantamos tucunaré, um peixe típico da região, com suco de cupuaçu.

DIA 16-1: - Assistimos a palestras o dia todo.

DIA 17-1: - Partimos para o Centro de Instrução de Guerra na Selva, onde participamos de um estágio de sobrevivência. Caminhamos em um curto trecho da floresta, sentimos o chamado "bafo da selva", de calor e umidade incomuns. Para coroar o dia, tivemos no meio da tarde a chegada de uma tempestade com ventos de até 70 km/h. O pessoal que estava assistindo à aula no meio do mato ficou ensopado.

DIA 18-1: - Fomos ao encontro das águas.

DIA 19-1: - Chegamos a São Gabriel da Cachoeira às 14h. Quem está acostumado às cidades grandes surpreende-se nesse rincão do país. A cidade fecha na hora do almoço. São Gabriel tem uma área duas vezes maior que todo o Estado do Rio e é o terceiro maior município do Brasil. O município tem uma população de 30 mil habitantes pertencentes a 22 etnias e distribuídas em diversas comunidades.

DIA 20-1: - Fomos recepcionados por militares e indígenas. Os rondonistas estão ansiosos para começar o seu trabalho.

DIA 21-1: - Conhecemos a prefeitura, a Funai e a Funasa.Os acidentes de trânsito são comuns em São Gabriel e o alcoolismo começa a se tornar um problema social. Aqui não há ônibus, só um microônibus ou lotadas.

DIA 22-1: - De manhã, conhecemos o lixão da cidade, a céu aberto. O local é foco de vetores como moscas e mosquitos. Famílias trabalham no depósito de lixo. Na cidade não é difícil encontrar poças de esgoto. Além da leishmaniose há outras doenças, como infecção respiratória aguda e diarréia infantil.

DIA 23-1: - Esta é uma cidade de constrastes. No meio da selva tem cybercafé, embora se acostume a medir o tempo de viagem em dias e não horas. Tem três emissoras de rádio, mas faltam programas em dialetos indígenas. O custo de vida é alto e tudo demora a chegar.
DIA 24-1: - Chegamos à primeira comunidade fora da cidade de São Gabriel, a meia hora de barco rio acima. O guia nos leva selva adentro. Em Cabari, há 85 pessoas de sete famílias e o principal alimento é a mandioca.

DIA 25-1: - O café da manhã nos reservou uma surpresa: um quati invadiu o refeitório. Hoje conhecemos Mercês e Camanaus. Nessas comunidades ribeirinhas do Rio Negro, os índios usam roupas comuns, falam preferencialmente o português e adotam o cristianismo, seja católico ou protestante.

DIA 26-1: - Hoje foi o último dia de visitas às comunidades. Descemos o Rio Negro rumo a Aquidabã e Areal. Nesta época do ano a profundidade do Rio Negro diminui, é a época da seca, o que pode dificultar a navegação. É um perigo para quem viaja nas voadeiras, que são barcos menores que lanchas e maiores que canoas. Mas agora que estamos na terceira viagem o medo se reduz. Acho que poderíamos passar mais tempo no meio dos habitantes do Rio Negro, mas esperamos que o pouco tempo de contato possibilite formular da melhor maneira possível o diagnóstico da região. Amanhã voltaremos para Manaus.

O Globo, 01/02/2005, Megazine, p. 16-17

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