VOLTAR

Tribunal pára doação de mogno ilegal

O Liberal-Belém-PA
Autor: Jaqueline Almeida
07 de Jun de 2004

Relatório do TCU considera irregular contratação de madeireira por ONG. Enquanto isso, 80 mil metros cúbicos apreendidos estão sem destinação.

Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) questiona contratação da madeireira por Organização Não Governamental (ONG) para beneficiar mogno ilegal, apreendido pelo Ibama e doado para a instituição.

No documento, de 27 de maio, o TCU pede uma revisão e propõe a licitação para a madeireira terceirizada. Na prática, a decisão deixou mais tempo parado cerca de 80 mil metros cúbicos de mognos em tora, calculado em R$ 96 milhões, que seriam destinados a comunidades carentes e aldeias indígenas.
A análise do Tribunal levou em conta uma experiência nova, que foi a doação de madeira para uma organização não-governamental.

A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), de Belém, recebeu do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) 6 mil toras de mogno apreendidas em Altamira e avaliadas em R$ 7,9 milhões. A doação, com encargos e obrigações para a beneficiada, aconteceu em junho do ano passado. Como a entidade não tem como beneficiar e comercializar a madeira, a Fase contratou a madeireira Cikel Brasil Verde, de Paragominas. Como o dinheiro da venda, a entidade pretende executar projetos sociais para comunidades carentes da região. Apesar de aprovar a transação sob o aspecto legal, o TCU advertiu ao Ibama que deve haver leilão ou licitação nas próximas vezes em que o órgão ambiental deseje dar destino à madeira apreendida ilegalmente.

O Ibama, no entanto, tem posição contrária. As autoridades do órgão são contra o leilão para dar destino aos demais lotes de mogno apreendidos no Pará por achar que os processos são falhos e dão margem a irregularidades e corrupção. O diretor do Programa Nacional de Florestas, Tasso Azevedo, disse que há situações em que é melhor deixar a madeira estragar do que permitir que ela volte, depois de leilão, para as mãos das mesmas madeireiras que vinham cometendo irregularidades. Tasso também desaprova a doações simples do mogno, porque isso beneficia poucas pessoas. A idéia do Ibama, com o aval do Ministério do Meio Ambiente, é justamente doar o mogno a entidades que possam vender a madeira e com o dinheiro apurado formar um fundo para financiar projetos sociais.

Já a Cickel Brasil Verde tem sido apontada como uma das madeireiras com cuidados ambientais e sociais. É uma das sete empresas do setor com o selo verde internacional, Forest Stwardship Council (FSC).

Espera - Os 80 mil metros cúbicos valem US$ 30,6 milhões, segundo cálculos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Os lotes são resultado de três anos de apreensões sistemáticas, e a madeira não tem dono porque, em geral, os madeireiros abandonam o mogno na mata quando suspeitam de fiscalização. Hoje há lotes de mogno apreendido estocados em São Félix do Xingu, Ourilândia do Norte, Tucuruí, Redenção, Santana do Araguaia, Xinguara, Bannach e Belém (no porto de Belém, em um galpão em Icoaraci e no pátio do Batalhão de Polícia Ambiental).

"Não discordo do TCU, é a maneira como eles trabalham, mas a recomendação inviabiliza qualquer tentativa de moralizar o setor madeireiro. Agora ninguém sabe o que vai ser feito. Estamos parados.", disse Tasso Azevedo.

Ele explicou que o contrato entre a Fase, o Ibama e a Cikel foi a primeira iniciativa para reparar o dano provocado pela "máfia madeireira" que durante décadas retirou o mogno da floresta. Houve garantias contratuais de que o mogno que estava em Altamira seria vendido no exterior e o dinheiro usado em projetos sociais e de preservação ambiental como deve começar a acontecer nos próximos meses.

Dinheiro irá para projetos sociais

Apesar das críticas do Tribunal de Contas da União, o dinheiro da doação será usado de maneira correta, garante coordenador da Federação de Assistência Social e Educacional (Fase), Matheus Otterloo.

Depois de ser doado à Fase, beneficiado e vendido pela madeireira Cikel Brasil Verde no exterior, as 6 mil toras de mogno de Altamira renderam R$ 11, 2 milhões (R$ 3,3 milhões a mais do que o estimado inicialmente). O LIBERAL teve acesso ao extrato da entidade e as contas da transação. A Fase criou um fundo permanente de R$ 4,7 milhões, cujo o rendimento será usado para financiar bons projetos sociais e de educação ambiental. Serão retirados apenas os rendimentos que hoje giram em torno de R$ 83 mil.

A partir de agosto, a Fase, uma das mais antigas organizações não-governamentais do país, começa a receber propostas de projetos sociais. "Vamos aprovar 40 ou 50 projetos sociais e de educação ambiental ainda este ano", disse Otterloo.

Sobre o relatório do TCU, Otterloo disse que todo o processo de doação do mogno e contratação da Cikel foi transparente e que a madeireira foi recomendada pelo Ibama e Ministério Público. "Tivemos que correr para que a madeira não estragasse, além do mais ela estava em local de difícil acesso no rio Xingu", lembra o coordenador.

Questionado se houve favorecimento na contratação da madeireira, Ortteloo nega. "Nós estamos há 30 anos na Amazônia e sempre lutamos contra madeireiros ilegais, então quando contratamos a Cikel foi aconselhado pela Ibama". (J. A.)

TCU pede que seja feita licitação

O TCU faz pelo menos sete recomendações ao Ibama para que transações como a efetuada com a Fase e a Cikel sejam revistas. Os ministros do órgão condenaram a escolha de uma empresa privada sem licitação e principalmente porque foi a Cikel que determinou os preços do serviço e do mogno. No total, a madeireira estabeleceu um custo total de produção de R$ 4,2 milhões. Metade dos milhões foi para beneficiar o mogno. Mais R$ 1 milhão para vender a madeira a uma empresa norte-americana. A Cikel cobrou mais quase R$ 400 mil para tirar as toras do rio e carregar até a serraria e mais quase um milhão em logística para levar a madeira até o exterior. Além do lucro líquido de R$ 1,6 milhão. Foram esses custos que o TCU estranhou e achou que poderiam ter sido submetidos a outras madeireiras. "Não se sabe quais os motivos para a escolha da empresa Cikel Brasil Verde, a não ser o fato de tratar-se de madeireira certificada. Difícil saber, também, se o preço obtido pela venda da madeira no mercado internacional foi o mais vantajoso, de maneira a trazer a maior soma possível de recursos para o fundo social", escreveu o ministro Humberto Souto, relator do processo.

O TCU determina ainda que em qualquer caso de doação a empresas privadas que o Ibama assegure "a ampla participação de instituições interessadas, adotando procedimentos que garantam os princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade e publicidade. No caso de doações qualificadas ou leilões, que os lotes sejam previamente avaliados, observando os princípios da publicidade e da transparência", dizem os ministros do TCU, que acompanharam o voto do relator.

No Brasil, apenas sete madeireiras têm o FSC (Forest Stwardship Council), o selo verde internacional, entre elas, a Cickel.(J. A.)

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.