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Três dias após incêndio, professor de Antropologia do Museu Nacional remarca aulas

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05 de Set de 2018

Carlos Fausto, professor da pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS) no Museu Nacional, assistia a um jogo de futebol no domingo, quando a namorada, também professora na mesma instituição, ligou. "Ligue nas notícias, porque o Museu tá pegando fogo", disse ela. Fausto, que é professor especializado em etnologia indígena na instituição desde 1994, além de ter sido aluno no mesmo local antes disso, faz uma comparação, hoje, ao lembrar-se das cenas que viu em seguida, tendo mudado de canal na televisão imediatamente.

"Lembra do 11 de setembro? A sensação foi parecida com isso. A cena é tão absurda, que demora muito pra cair a ficha, vendo na televisão. Fiquei triste, sim, mas na mesma hora percebi o essencial: a instituição Museu Nacional, como a gente conhecia, acabava ali. Não adianta chorar o leite derramado, não adianta se lamentar, não podemos chorar defunto. Agora é daqui para frente".

Carlos Fausto, professor da pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS) no Museu Nacional, assistia a um jogo de futebol no domingo, quando a namorada, também professora na mesma instituição, ligou. "Ligue nas notícias, porque o Museu tá pegando fogo", disse ela. Fausto, que é professor especializado em etnologia indígena na instituição desde 1994, além de ter sido aluno no mesmo local antes disso, faz uma comparação, hoje, ao lembrar-se das cenas que viu em seguida, tendo mudado de canal na televisão imediatamente.

"Lembra do 11 de setembro? A sensação foi parecida com isso. A cena é tão absurda, que demora muito pra cair a ficha, vendo na televisão. Fiquei triste, sim, mas na mesma hora percebi o essencial: a instituição Museu Nacional, como a gente conhecia, acabava ali. Não adianta chorar o leite derramado, não adianta se lamentar, não podemos chorar defunto. Agora é daqui para frente".

Com ajuda do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (o IFCS, também ligado à UFRJ), que concordou em ceder espaço, Fausto conseguiu remarcar aulas para esta quarta-feira, três dias após o incêndio na noite de domingo. Após uma mobilização dos professores do PPGAS, ele afirma que as aulas do curso voltarão à ativa na semana que vem, em um dos anexos do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, que permaneceram intactos.

Apesar de já pensar no futuro do curso, é impossível contornar o estrago causado pelas chamas, o que Fausto expressa ao confundir o tempo dos verbos, entre presente e passado. Ele conta que trabalha (ou trabalhava) sob uma das áreas cujo teto não cedeu, o que pode garantir após as imagens aéreas divulgadas na imprensa. Ainda assim, tendo sido impedido de entrar no prédio na segunda-feira, quando dezenas de manifestantes chegaram a confrontar a polícia pelo direito de chegar perto do prédio histórico, ele ainda não consegue precisar a quantidade de itens perdidos, além dos danos causados às estruturas das salas.

ARTEFATOS INDÍGENAS PERDIDOS

No setor de etnologia indígena, no entanto, estavam armazenados 21 mil itens, vários dos quais muito frágeis, como uma coleção de arte plumária Mundurucu. O povo indígena situado entre Pará, Amazonas e Mato Grosso, ao longo do rio Tapajós, estava representado com dezenas de artefatos típicos, material coletado ainda sob a influência de Dom Pedro II e imortalizado nas pinturas do francês Hércules Florence, do século XIX. A série de diademas, mantos, coifas, cobre-nucas, braçadeiras e outros artigos, muitos feitos de penas, plumas e outros materiais frágeis, "virou pó", como diz Fausto.

Destino não muito diferente, calcula o professor, deve ter tido uma coleção de artigos dos Caapores, grupo indígena que habita o Maranhão. As joias feitas por meio de uma técnica delicada que envolvia penas de pássaros em mosaico, também existem no Museu do Índio, diz Fausto, mas nem de longe se comparam àquelas que o Museu Nacional tinha, em quantidade "dez vezes maior".

Apesar das conhecidas más condições do prédio bicentenário, assunto que Fausto garante ter sido amplamente debatido - e preterido pelas políticas públicas - tanto os artigos Caapores quanto os Mundurucus tinham uma boa conservação. Com papéis antiácido e em armários próprios, as peças em sua maioria, no entanto, não foram fotografadas para registro posterior, e agora "se perderam sem que a maioria das pessoas vissem".

"Mais do que uma infinidade de itens preciosos para cada área do conhecimento tratada, as coleções atingidas contavam a história do desenvolvimento científico nacional a partir de D. Pedro II. Vários desses artigos foram feitos por naturalistas e viajantes europeus, que eram colecionadores no século XIX e já contribuíam para o acervo. Na minha opinião, o único museu brasileiro que se aproximava do Nacional, nesse sentido, é o Museu Paraense Emílio Goeldi, e mesmo assim com uma defasagem grande".

Considerando que a combinação de óleo de baleia nas paredes, que é inflamável, e madeira nas estruturas foi um grande responsável pelas chamas, o etnólogo, no entanto, acredita que os últimos quatro anos de cortes no orçamento do Museu foram decisivos para a tragédia. Ele lembra que, por conta de um curto período, não haviam sido repassados os recursos prometidos pelo BNDES (R$ 21,7 milhões), o que calcula ser uma trágica coincidência que poderia ter acontecido em qualquer outra época. Afirmando não ter perdido muito de sua produção, porque acredita que é preciso ter sete cópias em lugares diferentes para se guardar algo "por uns 500 anos", ele lamenta a sorte dos outros colegas do PPGAS.

PROGRAMA É 'ESTRELA' ENTRE OS CURSOS
O programa de pós-graduação é conhecido por ter renome internacional, uma estrela dentro dos cursos oferecidos pelo Museu Nacional. Com cerca de 150 estudantes de mestrado e doutorado, além dos de pós-doutorado, o site da instituição faz questão de ressaltar que desde 1968, quando foi criado, ele mantém o grau máximo de avaliação na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão responsável pela avaliação dos cursos de pós graduação no país).

A instituição abrigava importantes registros e pesquisas antropológicas que existiam antes mesmo de sua fundação, caso da produção do etnólogo alemão Curt Nimuendajú, cujos escritos sobre diferentes tribos indígenas brasileiras no início dos anos 1900 eram armazenados perto da sala de Fausto. Além disso, o Museu, garante o professor, foi a instituição à qual os irmãos Villas-Bôas recorreram para organizar suas expedições para o Xingu nos anos 40.

Herdando uma tradição antropológica que já aflorava no país a partir desses exemplos, além de vários outros, o programa de pós-graduação foi organizado e ganhou grande repercussão internacional, conforme mais parcerias com instituições estrangeiras eram feitas, além do volume apurado de pesquisas realizadas por membros da instituição, o que Fausto conta com orgulho. Pela relevância institucional e porque acredita que "já é hora de olha para frente", o professor adota um discurso de mudança.

"Eu e meus colegas professores estamos desnorteados, mas já nos organizando para continuar com os trabalhos. Isso é nosso dever, simplesmente não temos outra opção. Há pessoas que estão muito piores que eu, que perderam registros importantes que tinham feito, patrimônio imaterial que não podemos mais recuperar, como trabalhos sobre idiomas indígenas, dentre outras coisas. Não devemos chorar defunto, no entanto. E eu, mesmo, já remarquei minhas aulas para essa quarta-feira", completa.

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