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Trem do Pantanal pronto para voltar

JT, Especial, p.A14
10 de Out de 2004

Trem do Pantanal pronto para voltar
Os cinco carros que compõem o Expresso Pantanal, seu novo nome, estão prontos. Mas falta recuperar os 459 quilômetros de linha de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, a Corumbá, na fronteira com a Bolívia, por onde o trem correrá. A obra deve começar até o fim do ano. Até metade do ano que vem, o trem vai trafegar em um primeiro trecho. Inaugurado em 1906, o pantaneiro foi desativado em 1995

Valdir Sanches

Senhores passageiros, preparem suas câmeras. O Trem do Pantanal está renascendo. Durante 81 anos, fez sua travessia pantaneira pelo Mato Grosso do Sul, até a fronteira com a Bolívia. Em 1995, parou de correr. Os trens estavam velhos, a ferrovia em mau estado. A situação só piorou: hoje os trens apodrecem junto a estações fantasmas. Mas há boas novidades.
Num pátio ferroviário de Sorocaba, Interior de São Paulo, há cinco vagões tinindo de novos. Vagões, não. Carros. Assim são chamados os que levam passageiros. Há um carro panorâmico, com vão livre no lugar das janelas. Três carros convencionais, com poltronas reclináveis e ar-condicionado. E o carro restaurante, também climatizado.
Só falta ao Expresso Pantanal - seu novo nome - detalhes como frisos e cortinas. No pátio de Sorocaba, da Brasil Ferrovias, holding de concessionárias de estradas de ferro no País, há um prazo: o expresso fica 100% pronto esta semana.
Excelente, mas resta um problema: o trem não tem por onde correr. A ferrovia a que se destina está em más condições. São 459 quilômetros, de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, até Corumbá, na fronteira com a Bolívia.
Apenas trens de carga trafegam por esses trilhos, e assim mesmo bem devagar (20, 30 quilômetros por hora). Mas também aqui há boas notícias.
A Novoeste (braço da Brasil Ferrovias), a concessionária que opera a ferrovia, deve assinar nos próximos dias um contrato de recuperação da linha. Três construtoras (Odebrecht, Camargo Corrêa e Constran) cuidarão da reforma, que custará R$ 78 milhões.
As previsões, no momento, são de que as obras comecem antes do fim do ano. E que o Expresso Pantanal possa trafegar, por um primeiro trecho, no primeiro semestre do ano que vem.
O interesse imediato na recuperação da linha não são os passageiros. Mas a carga, de maior apelo econômico. Vêm do Mato Grosso do Sul minério de ferro, manganês e soja, vão de São Paulo vergalhões, canaletas, bobinas de aço (estas para a Bolívia). Os benefícios para a carga, no entanto, viabilizarão o trem de passageiros.
As obras (troca de dormentes, melhora dos trilhos) começam em Corumbá, na fronteira, e avançam para Campo Grande. Quando os primeiros setenta quilômetros estiverem prontos, o Expresso do Pantanal poderá levar turistas até as margens do Rio Paraguai, em fins de semana.
A presidente da Agitrans, estatal de transportes do Mato Grosso do Sul, Leatrice Couto, diz que no dia 18 recebeu autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres, ANTT, para essas "operações não regulares".
A ANTT concedeu ao governo do Mato Grosso do Sul autorização para operar o trem. Leatrice Couto diz que a operação será repassada a agências de turismo, por meio de
licitação.
Os turistas não devem ser os únicos favorecidos. Pelos planos do governo do Estado, o velho Trem do Pantanal, que atendia às populações locais, será reativado - também com novos carros. Uma pesquisa revelou que 98% da população do Estado quer a volta do trem.
Nos bons tempos, um trem partia de Campo Grande para Corumbá, e outro em sentido contrário, todas as manhãs. À noite, dois Noturnos faziam o mesmo.
Isto poderá voltar a acontecer, mas é um outro capítulo.

O que aguarda o viajante
Em quase dez horas de viagem, o trem passará por cenários marcantes, mas nem sempre dentro do Pantanal

A viagem pelo Expresso Pantanal valerá a pena. O cenário sempre terá uma feição própria. O trem poderá funcionar como meio de transporte para cidades intermediárias, pontos de partida para safáris fotográficos e hotéis-fazenda. Mas os passageiros não devem esperar ver pelas janelas, o tempo todo, jacarés e tuiuiús, a pernalta ave símbolo do Pantanal.
Serão 459 quilômetros e quase 10 horas de viagem, de Campo Grande a Corumbá. Só partes do percurso cortam realmente o Pantanal. Para saber quais, o JT procurou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, em Corumbá. O pesquisador Carlos Padovani, que trabalha com imagens de satélite, fez medições usando o computador.
Constatou que, a partir de Campo Grande, há três faixas de Pantanal cortadas pelo trem: 14 quilômetros adiante da cidade de Miranda, 45 quilômetros imediatamente antes do Rio Paraguai, e 19 depois. Portanto, um total de 78 quilômetros. "Esses trechos são o limite do Pantanal, não se alteram coma cheia", diz Padovani.
A cheia do Pantanal, nos dois últimos trechos, é influenciada pelo Rio Paraguai. Vai de maio a junho. Mas Padovani diz que o melhor período para se observar, do trem, a rica e bela fauna pantaneira, é a vazante, de junho a agosto. Quando o JT passou por lá, na semana passada, fazia 72 dias que não chovia.
Nessas condições, foi difícil encontrar espécimes da fauna. Os repórteres seguiram de carro (já que não há trem) pela rodovia de pista única, asfaltada e de conservação aceitável, que parte de Campo Grande. O asfalto vai paralelo (mas nem sempre próximo) aos trilhos, quase até o fim da viagem.
A Estação Terenos está no km 26. Será a primeira do esperado trem de passageiros locais, que fará o mesmo percurso do expresso. Está fechada, mas na casa geminada, a do agente-chefe, moram Sílvio Figueiredo Brites, 47 anos, e sua família. Sílvio foi o agente-chefe, enquanto o trem passou.
Hoje, trabalha na ferrovia, em Campo Grande. Vai de ônibus. Do outro lado da linha está um pequeno curral, onde seu pai cria umas vaquinhas. Os trens de carga passam entre a estação e as vacas.
Adiante, a rodovia e a ferrovia acompanham as sinuosidades do Rio Aquidauana, numa região bonita, com montanhas escarpadas. Chega-se a Piraputanga, uma deliciosa vila arborizada, sem uma única rua asfaltada. Mas a estação de trens está em ruínas.
A primeira cidade grande é Aquidauana, 43 mil habitantes, 130 quilômetros de Campo Grande. Os trilhos seguem por uma alameda arborizada, até a estação (em bom estado e fechada).Dois meses atrás, ela abrigava a loja de móveis de Wander Erani. A loja foi para um depósito de carga vizinho. "A ferrovia pediu a estação", diz Wander.
Com mais 64 quilômetros, chega-se a Miranda (23mil habitantes), com sua estação restaurada. Esses dois municípios têm grandes áreas de seu interior dentro do Pantanal. Em Miranda, Fátima Cordella, agente de turismo há dez anos, acha que seus clientes,muitos estrangeiros, "não têm tempo" para fazer a viagem toda no trem.
Mas considera "fantástica" a possibilidade de os turistas que partem de Campo Grande, ou Corumbá, chegarem a Miranda pelo trem (não há vôos regulares). Daqui poderão sair para roteiros no Pantanal, com um pernoite (cerca de R$ 200). Ou aproveitarem fins de semana em hotéis-fazenda, com caminhadas, passeio de canoa, focagem de jacarés, etc. (nesta época, de seca, até R$ 332 por dia, por pessoa,em apartamento duplo).
Dezoito quilômetros adiante de Miranda está Salobra,um povoado com 98 famílias. A atração, aqui, é a ponte ferroviária sobre o Rio Miranda, de ferro, de 1931. Parece abandonada,mas é por ela que passa o trem de carga. Numa casa da ferrovia, moram Hélio Barbosa e a mulher, Francisca. Hélio, aposentado, é o único ferroviário do lugar.
A estação do trem tem as portas trancadas a cadeado. Foi ocupada por um pessoal de Campo Grande, que vem nos fins de semana pescar. "Gostaria muito que o Trem do Pantanal voltasse, a gente fica muito isolada aqui", diz Francisca.
Daqui para o Rio Paraguai, pelo asfalto, é uma penosa esticada de mais de 100 quilômetros (temperatura habitual, 40 C), cortando a vegetação seca. Uma cobra atravessando o asfalto. Tuiuiús e outros pássaros em faixas laterais inundadas, de onde foi retirada terra.
Na margem do rio está Porto Morrinho, com pousadas de pescadores que chegam de São Paulo em ônibus com ar-condicionado.
Deste ponto, parte-se de barco, único meio para se chegar à grande ponte ferroviária sobre o rio. Concluída em 1949, de concreto, tem 2,1 quilômetros de extensão. Quem cuida dela é Wilson da Silva, 61 anos, assistente de manutenção. Mora bem ali perto, há trinta anos.
Wilson tem orgulho da ponte. "Os pilares do vão central têm 120 estacas cada um." Não é à toa que ela tem resistido a colisões "de barcos e navios". "Quebra o cimento, mas não faz nada na estrutura." A ponte está pronta para o Expresso do Pantanal.
Quatro quilômetros adiante, descendo o rio, fica Porto Esperança. Nos bons tempos, era servido por um ramal da ferrovia. Os trens de carga ainda chegam por ele, com o minério de Corumbá. O minério é embarcado em navios, que descem até Porto Barranqueira, na Argentina. Daqui, sai para o Japão e outros países.
Em Porto Esperança vivem 72 famílias. Só três têm casa de alvenaria. Em uma das outras, de madeira, moram Francisco Inácio, 44 anos,mulher e cinco filhos. Francisco aluga barco para turista pescar. De agora a janeiro, a pesca de peixes grandes (como pintado) está proibida. É época de reprodução. "Sobre vivo dos peixinhos do rio."
O fim do Trem do Pantanal, em 1995, esvaziou o lugar. "Muita gente foi embora." Restou o rio, para ir à cidade grande, Corumbá. "Subimos oito quilômetros de barco para pegar o ônibus." Ida e volta a Corumbá custam R$ 70. Este lugar não tem um posto de saúde. Não tem padaria (faz-se pão em casa). Só uma escola primária. Dois mercadinhos (feijão, R$ 3,50 o quilo, arroz, R$ 15, cinco quilos). A luz chegou em 2001. Agora, só falta o trem. "Tenho muita esperança, vai ser uma grande ajuda." Corumbá está a 78 quilômetros. Para os repórteres,oito de barco, 70 de carro.

JT, 10/10/2004, Especial, p. A14

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