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As travas da Funai

OESP, Economia, p. B
Autor: CALDAS, Suely
07 de Jan de 2007

As travas da Funai

Suely Caldas

Em dezembro de 2005 a empresa Vale do Rio Doce alugou um avião, ocupou-o com o falecido arcebispo Luciano Mendes de Almeida e mais uma centena de índios krenaks. O objetivo era chegar a Lausanne, na Suíça, e o motivo, falar com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, após várias tentativas frustradas de com ele manter um diálogo em Brasília. Por interferência do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a comitiva da Vale mudou a rota para a Esplanada dos Ministérios. Finalmente foi recebida por funcionários dos Ministérios da Justiça e da Casa Civil. Mas o presidente da Funai mesmo continuava na Suíça, onde não há índios, muito menos nascidos no Brasil.

Essa história foi contada há dias pelo presidente da Vale, Roger Agnelli, a um grupo de jornalistas, entre eles três estrangeiros, ao detalhar o que o próprio presidente Lula reconhece: "Até parece um castigo investir no Brasil." Se não era essa a intenção, o desembarque de cem índios, com suas caras pintadas e cocares coloridos, na pacata e monótona Lausanne chamaria a atenção do mundo para uma velha e não resolvida falha do Estado brasileiro: não há uma política indigenista estrutural e a Funai tem sido omissa e incompetente para resolver conflitos entre empresas que exploram recursos naturais e índios que aproveitam a chance para delas extrair compensações financeiras. "Tem muita gente que usa os índios para obter alguma vantagem. São ONGs, a Funai, até o MST", afirma o presidente da Vale.

No caso relatado por Agnelli, os índios krenaks ameaçavam bloquear a ferrovia Vitória-Minas, impedindo o transporte de minério de ferro. Eles queriam da Vale compensações a que não teriam direito, porque sua aldeia se situava fora da área de influência da empresa. Avisada inúmeras vezes, a Funai recusou-se a intermediar o conflito, que, por pouco, não foi parar na Suíça.

O diretor de Assuntos Corporativos da Vale, Tito Martins, tem por função resolver todos os pepinos da empresa com os governos. No caso dos índios, foi pesquisar experiências em outros países. "No Canadá eles recebem do Estado saúde e educação básica e das empresas, treinamento para trabalhar em seus projetos", revela Tito Martins. No Brasil não há definição alguma sobre onde terminam os deveres do Estado e começam os das empresas que atuam próximo às aldeias. "Não cabe à Vale suprir os índios de saúde, educação, moradia. Isso é papel do Estado. Fazemos nossa parte, e não é pouco. Afinal, enquanto a Funai gasta R$ 70 milhões para atender a 450 mil índios, em 2006 a Vale destinou R$ 30 milhões só para aldeias próximas às nossas instalações", afirma Martins.

O litígio com 200 índios da tribo xikrin, no Pará - o mais famoso da Vale -, foi parar na Organização dos Estados Americanos (OEA), porque, segundo a empresa, esgotou o diálogo com o governo. Pelo acordo assinado com a Funai e os xikrins, a Vale contribui com R$ 9 milhões/ano, mas, como querem elevar essa quantia, 200 índios pressionaram invadindo um núcleo da empresa em Carajás. Em represália, a Vale suspendeu os pagamentos. "Queremos voltar a pagar, mas desde que haja um projeto estrutural da Funai para a tribo não cobrar da Vale o que é obrigação do Estado. Já entramos no quarto mês, reunimo-nos seis vezes com a Funai e não há nenhum projeto, zero", conta Tito Martins.

Acelerar investimentos e o crescimento econômico, como promete Lula, implica destravar a burocracia, confiar decisões intermediárias a funcionários competentes, atribuir e cobrar responsabilidades, desatar os nós do Estado, dar comando a quem tem projetos, tirar quem paralisa e atrapalha, fazer a máquina estatal andar. Isso vale também para os novos governadores. A direção da Vale identifica nesses males, em regras de regulação frouxas e instáveis e em agências reguladoras fracas e loteadas por partidos políticos, os entraves maiores ao crescimento econômico acelerado. Não se enganem Lula e a ministra Dilma Rousseff: se não tiverem coragem de profissionalizar e tornar competente a ação do Estado, o País vai continuar patinando em crescimentos medíocres e, neste segundo mandato, o presidente Lula tem tudo para derrotar o governo Sarney no campeonato do "empurra com a barriga".

A Funai é apenas um exemplo. E há tantos outros...

Suely Caldas é jornalista. E-mail: sucaldas@terra.com.br

OESP, 07/01/2007, Economia, p. B2

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