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Transposicao na Justica

CB, Brasil, p.15
01 de Dez de 2004

Transposição na Justiça
Ministério Público obtém liminar e impede que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos aprecie o projeto. Governo federal vai recorrer
Erika Klingl
Da Equipe do Correio
Uma liminar da Justiça Federal impediu ontem que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) discutisse e votasse o projeto de transposição do rio São Francisco. Como o único assunto da pauta de reuniões do conselho era o parecer da Agência Nacional de Águas (ANA) sobre o assunto, a audiência foi cancelada. No relatório, a ANA garante haver água em quantidade suficiente no São Francisco para o projeto de integração de bacias do Nordeste.
Para integrantes do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que entraram com mandado de segurança contra a votação do projeto, o assunto ainda precisa ser mais debatido. A aprovação do parecer seria o primeiro passo concreto para tirar do papel a proposta que é um dos principais compromissos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora enfrente grande rejeição dos estados banhados pela bacia do São Francisco. O governo anunciou que vai recorrer da decisão.
A reunião, que estava marcada para as 9h de ontem, nem chegou a começar. Assim que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chegou ao auditório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), onde a audiência seria realizada, foi informada por oficiais de Justiça da decisão da juíza substituta da 16ª Vara Federal de Brasília, Iolete Maria Fialho de Oliveira. A ministra e uma equipe de advogados do governo ficaram reunidos por mais de duas horas para decidir os procedimentos a serem adotados diante da liminar.
Foi redigida uma nota explicando o adiamento da votação do parecer. O texto foi lido pelo secretário de Recursos Hídricos do ministério, João Bosco Senra, sob os aplausos de parte do auditório contrário à transposição do rio.
Hierarquia de decisões
A juíza concordou com o argumento do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Distrito Federal. No recurso, os promotores argumentam que o Conselho de Recursos Hídricos, presidido por Marina Silva, só deve deliberar sobre o projeto de transposição depois que todas as dúvidas sobre o uso da água do rio forem sanadas pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, criado em 1997.
De acordo com a promotora Cristina Rasia Montenegro, que participou da ação, a lei 9.433, que criou o comitê, deixa claro que as decisões sobre uso dos recursos hídricos devem passar primeiramente nos comitês formados por comunidades e governos. Só depois seguiriam para o conselho nacional, como se fosse uma espécie de segunda instância. Trazer para si uma decisão dessa sem esperar o fim das discussões no comitê formado pelas comunidades ribeirinha e do semi-árido é um desrespeito à democracia, afirma Cristina.
Os promotores entendem também que o projeto de transposição vai contra a decisão tomada em outubro passado pelo comitê, segundo a qual o uso externo da água do rio só pode ser realizado em caráter excepcional para o atendimento do consumo humano e animal. Não analisamos o projeto de transposição do rio, mas decidimos que o uso externo da água do São Francisco só pode ser feito quando ficar comprovado que não existe outra alternativa para suprimento das pessoas que moram no semi-árido, afirma José Carlos Carvalho, presidente do comitê e secretário de Recursos Hídricos de Minas Gerais. Ao que parece, também existem interesses econômicos envolvidos.
O governo federal já reservou R$ 1,07 bilhão no orçamento de 2005 para o projeto de unificação das bacias. A idéia, caso o projeto de transposição seja aprovado e obtido o aval do Congresso Nacional para o orçamento, é que as obras comecem a partir de fevereiro. A construção de dois canais, que somados chegam a 720 km, com estações de bombeamento e mini-hidrelétricas no caminho, custará cerca de R$ 4,5 bilhões.

Agenda de audiências é mantida
O governo não acredita que a decisão liminar da Justiça Federal vá prosperar por muito tempo. A certeza de que a Advocacia Geral da União (AGU) conseguirá derrubar em breve a liminar fez com que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mantivesse a agenda de audiências públicas para debater o início da transposição do rio São Francisco. A primeira está marcada para o próximo dia 6 de dezembro, em Salvador (BA). Para o dia seguinte está agendada uma reunião em Belo Horizonte.
A Justiça na democracia é para ser cumprida, ainda que você não perceba o que há de justo nisso. Não é papel nosso comentar nada. Cumpra-se, disse o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, ao garantir que o governo recorreria imediatamente da liminar.
Ontem, por meio de nota, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e os diretores do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) declararam que adotarão todas as medidas legais para garantir que o grupo possa deliberar e votar sobre a matéria. De acordo com o secretário-executivo do conselho, João Bosco Senra, uma nova reunião deve acontecer em 15 dias. O regimento do CNRH determina que reuniões extraordinárias devem ser comunicadas 15 dias antes. Vamos providenciar uma nova agenda imediatamente.
A discussão do assunto não poderia passar à margem do conselho, explica o coordenador-geral do projeto de integração do São Francisco, Pedro Brito. A interdição dos debates prejudica o trabalho, mas não vai atrasar nossos planos porque a AGU já está trabalhando para derrubar a liminar, argumenta. (EK)

CB, 01/12/2004, p. 15

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